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03/07/17 |   Segurança alimentar, nutrição e saúde

Projeto promove grande expedição à Terra Indígena Kaxinawá de Nova Olinda

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Foto: Fabiano Estanislau

Fabiano Estanislau - Indígenas trocam sementes em evento de intercâmbio cultural

Indígenas trocam sementes em evento de intercâmbio cultural

Pesquisadores e técnicos participam de mais uma expedição à Terra Indígena (TI) Kaxinawá de Nova Olinda, localizada no Alto Rio Envira, município de Feijó (AC). A viagem, realizada em maio, possibilitou a realização de diversas atividades nas áreas de clima e solo, plantas medicinais, agricultura e intercâmbio cultural e faz parte das atividades do projeto "Etnoconhecimento e Agrobiodiversidade entre os Kaxinawá de Nova Olinda - Fase II", coordenado pela Embrapa Acre.

Iniciada em 2015, a segunda fase do projeto busca ampliar as ações da primeira fase (2012-2014), voltadas à gestão territorial e ambiental, oferta de alimentos, conservação dos recursos genéticos, valorização da cultura local e dos serviços ecossistêmicos prestados à luz da legislação específica do Estado do Acre.

Fizeram parte da expedição diversos profissionais da Embrapa, governo do Estado do Acre, por meio da Secretaria de Extensão Agroflorestal e Produção Familiar (Seaprof), Instituto de Mudanças Climáticas (IMC) e Secretaria de Planejamento (Seplan), Universidade Estadual Paulista (Unesp/Botucatu), Instituto Federal do Acre (Ifac) e teve o apoio da Fundação Nacional do Índio (Funai).

De acordo com Moacir Haverroth, pesquisador da Embrapa Acre e líder do projeto, a viagem, que leva no mínimo dois dias e meio entre Rio Branco e a TI, requer boa articulação entre as instituições e planejamento logístico. “Esta foi a última grande viagem prevista do projeto com ações desenvolvidas nas cinco aldeias da TI”.

O término do projeto está previsto para o fim de 2017 e conta também com ações da Universidade Federal do Acre (Ufac), Fundação de Tecnologia do Estado do Acre (Funtac), Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Acre (Sema), Comissão Pró-Índio do Acre e Associação dos Seringueiros, Agricultores e Artesãos Kaxinawá de Novo Olinda (Aspakno).

 

Intercâmbio Cultural

A Feira de Troca de Sementes, realizada entre 16 a 19 de maio, e a inauguração do novo Shubuã foram dois eventos importantes que marcaram a expedição. “Há quatro anos, participamos de um evento no Tocantins com povos indígenas de todo o país. A partir dessa experiência, passei a sonhar em ter uma feira de sementes aqui na TI Nova Olinda. Hoje, estamos na terceira edição, graças à união do povo Kaxinawá e outros parentes. A cada feira saímos mais fortalecidos”, diz o cacique de Nova Olinda, Banê Kaxinawá.

Cerca de 300 participantes, de onze comunidades indígenas localizadas no Alto Rio Envira, levaram 70 tipos de plantas, entre palmeiras, frutas, grãos e tubérculos para serem trocados no evento. O material foi exposto no centro do Shubuã para que os participantes pudessem conhecer e coletar amostras de seu interesse. A técnica de enfermagem Nixi Shanenawa considera a iniciativa muito boa porque vai possibilitar o plantio de outras culturas em seu roçado. “Eu e meu marido conseguimos pegar diferentes variedades de cana, macaxeira e milho que a gente não cultiva”, comenta”.   

Uma novidade desta edição foi a distribuição de kits de sementes para as comunidades, produzidos pelos pesquisadores da Unesp, com variedades de amendoim, milho, gergelim preto, quiabo, bucha, araruta, biri ou ararutão e laranja.

Segundo o professor da Unesp, Lin Chau Ming, o kit é uma alternativa para manter e resgatar espécies que estão deixando de ser plantadas nas aldeias. “Trabalhamos para a valorização e garantia dos alimentos tradicionais indígenas a todas as gerações”. 

Em 2016, a equipe da Unesp levou cinco quilos de amendoim que foram plantados na estação experimental da Universidade e trouxeram 55 quilos das oito variedades da cultura para serem distribuídos no evento. "A feira é muito importante para a gente resgatar e valorizar essas sementes, pois trocamos informações sobre o cultivo e uso das plantas”, diz o cacique Naynawa Shanenawa, da Aldeia Shane Kay.

A inauguração do Shubuã, espaço coletivo destinado à realização de reuniões e rituais do povo Kaxinawá, também movimentou a aldeia Nova Olinda. O projeto foi elaborado pela Aspakno, Seaprof e Embrapa Acre. “A ideia original era a construção de um espaço para a produção de artesanato. Com o envolvimento das mulheres, agentes agroflorestais e lideranças, decidiu-se pela reconstrução do Shubuã”, explica Dinah Borges, chefe da extensão indígena da Seaprof. A construção do espaço contou com recursos do Programa Global REM (REDD Early Movers – pioneiros na conservação), do Banco Alemão KfW.

 

Valorização de plantas medicinais

Uma pesquisa etnobotânica sobre plantas medicinais e ritualísticas inventariou espécies vegetais utilizadas como recursos terapêuticos e rituais conhecidas pelos Kaxinawá de Nova Olinda. O trabalho começou em 2015 e contou com a participação de pesquisadores da Embrapa Acre e da Unesp/Botucatu.

Em campo, a equipe entrevistou cerca de 40 moradores das cinco aldeias da TI e fez turnês guiadas na floresta para levantamento científico que possibilitou a coleta de 323 nomes de plantas medicinais.

O trabalho teve como objetivo a elaboração de uma cartilha de plantas medicinais com nomenclatura na língua hãtxa kuin e científica, principais usos, fotografias das amostras e indicadores etnobotânicos.

“A cartilha não é uma receita de remédio. É um material que pode ser usado pelas escolas e  comunidade  das aldeias. O material também  serve como um incentivo aos jovens para preservar e aprender mais sobre as plantas medicinas e valorizar o conhecimento dos mais velhos, principalmente dos pajés e das parteiras”, salienta Haverroth,  responsável pela atividade.

Em reunião, com os coautores da publicação, foi realizada a revisão da primeira versão da publicação. A avaliação do material foi feita por grupos compostos de no mínimo um professor e um pajé de cada aldeia.

Durante a revisão foram sugeridos ajustes relacionados ao vocabulário e inclusão de novas informações. Também foi consenso que a cartilha será dividida por grupo de doenças, com a indicação e forma de uso de plantas para seu controle. A versão final do material será encaminhada ao Comitê Local de Publicação da Embrapa para posterior publicação.

As informações da cartilha fazem parte do projeto de mestrado em Horticultura, do programa de pós-graduação em Agronomia da Unesp/Botucatu, de Bárbara Lopes, que defendeu sua dissertação no início de maio.

 

Fortalecimento da agrobiodiversidade

Há cinco anos, a maioria dos roçados implantados pelos indígenas era convertido em capoeira. Para mudar essa realidade, representantes dos agentes agroflorestais Kaxinawá foram desafiados a transformar os roçados em sistemas agroflorestais (SAF’s).

De acordo com Tadário Kamel de Oliveira, pesquisador da Embrapa Acre, os agentes atuam como multiplicadores de conhecimento na TI e abraçaram a empreitada. "Antes, a paisagem próxima às casas era de pasto e ao fundo a floresta. Hoje, já existe uma formação de quintais agroflorestais produzindo cana, banana, azeitona, manga, entre outros alimentos”, conta com satisfação.

Outro objetivo foi verificar que espécies foram plantadas nas áreas de SAF’s idealizadas pelos Kaxinawá e repassar novas dicas para ampliação do sistema. As áreas cultivadas foram estabelecidas de acordo com o mapa de solos gerado na primeira fase do projeto e concebidas para o manejo de espécies nativas selecionadas pela comunidade.

Em 2015, os Kaxinawá apontaram 23 espécies de plantas para introdução nos roçados entre frutíferas, madeireiras, medicinais e uso na fabricação de artesanato, a fim de garantir características de diversidade da produção e segurança alimentar nas aldeias.

Hoje, a comunidade já está colhendo os frutos dessa mudança. Desde 2015, vendem parte da produção para o governo do estado, por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). No segundo ano, quase dobraram o valor das vendas de 2015, de onze mil para 19 mil reais, em 2016. Este ano, já comercializaram doze mil e quinhentos reais.

Para Roginério Tene Kaxinawá, coordenador dos agentes agroflorestais da região de Feijó e morador da Aldeia Formoso, a união dos indígenas com os pesquisadores promoveu uma retomada da agricultura e fortaleceu o uso da terra. “Muitas áreas já foram aproveitadas para o trabalho com SAF’s. Plantamos citros, banana, cupuaçu, café, açaí, pupunha e diversas plantas nativas como a biorana, bacuri e manixi para serem cultivadas próximas às casas”, explica.

Outra atividade com foco no estudo de plantas alimentícias, sistemas de cultivo e a agricultura Kaxinawá está sendo desenvolvida pelo doutorando em Horticultura, do programa de pós-graduação em Agronomia da Unesp/Botucatu, Tomaz Lanza.

De acordo com Lanza, foram identificadas quatro formas de cultivo: corte e queima, ou roçado, que envolvem as culturas de ciclo curto como mandioca, milho, amendoim cultivados em área de capoeira ou mata virgem; agricultura de praia, atividade peculiar entre os Kaxinawás, onde plantam amendoim, melancia e feijão; os bananais às margens do rio, onde predominam solo argiloso, e; os quintais agroflorestais ao redor das casas, compostos principalmente por frutíferas.

O foco principal é verificar quais espécies e variedades são mais plantadas, e o potencial de consumo e venda para o PAA. Nos levantamentos preliminares, foram identificadas aproximadamente 25 espécies cultivadas, com uma grande diversidade de variedades de mandioca, banana, milho e amendoim. “A agricultura Kaxinawá é rica e muito produtiva. Tem índices nutricionais e de produtividade elevados comparados com produtores familiares e comunidades quilombolas”, acrescenta Lanza.

Outro objetivo é identificar espécies nativas comestíveis encontradas na floresta. Cerca de 75 espécies foram catalogadas, sendo a maioria de palmeiras, que apresentam grande importância na alimentação, nas atividades de caça, extração de seringa e em viagens.

 

Gestão territorial e ambiental

Desde 2012, pesquisadores do Instituto de Mudanças Climáticas (IMC) e da Embrapa desenvolvem ações para construir, de forma participativa, uma base de informações de oferta de serviços ambientais prioritários como subsídio para valoração do território e fortalecimento da autonomia dos Kaxinawá de Nova Olinda.

Na segunda etapa do projeto, a equipe trabalha questões relacionadas aos serviços ambientais, com foco no clima, estoque de carbono no solo e floresta, águas e uso da terra. Para entender como os indígenas interpretam e como se relacionam com esses serviços, em 2016, foram ofertadas oficinas nas cinco aldeias.

Segundo o chefe-geral da Embrapa Acre, Eufran Amaral, a Terra Indígena de Nova Olinda será a primeira unidade territorial do estado do Acre a ter todos os serviços ambientais previstos catalogados no Sistema de Incentivos aos Serviços Ambientais (Sisa). “Isso é extremamente importante para todos os envolvidos. Uma ação pioneira para as instituições que lidam com as questões ambientais e um ganho para a comunidade que pode captar recursos via serviços ambientais”, comenta.

Na primeira fase do projeto, foi inventariada a dinâmica de nutrientes dos diferentes roçados e comparada com a constituição original da floresta, ou seja, como os Kaxinawá utilizam a terra e quanto tempo ela demora para se recuperar. Também, foi feito o mapa de solos do território da TI. Tudo isso, aliado à formação e envolvimento dos agentes agroflorestais indígenas.

A partir do mapa gerado pela equipe do projeto, o povo Kaxinawá de Nova Olinda percebeu que havia uma redução da área. Agora, os limites estão sendo revistos pela Funai para incorporação de mais dois mil hectares ao território da TI, que passará a ter 25 mil hectares.

O sistema de classificação de solos dos Kaxinawá é um dos resultados mais importantes da atividade pois determina os tipos de solos e suas diferentes aptidões. A nomenclatura é feita, também, na língua hãtxa kuin, utilizando características como cor, textura e a presença ou não de tabatinga.

Outra ação foi a participação da pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental (Pará), Lucieta Martorano. Por meio de ferramentas agrometeorológicas, ela avaliou os sistemas agroflorestais implantados em áreas em fase de degradação e coletou dados quantitativos com relação à prestação de serviços ecossistêmicos, como a regulação e amplitude térmica, relação umidade e temperatura e a condição de água no solo. 

Em campo, os agentes agroflorestais foram treinados para realizar análise de temperatura do solo e avaliação de perfil, entender a importância da matéria orgânica, as diferentes temperaturas em diversas profundidades do solo e coletas com termografia infravermelho em vários ambientes da TI.

Para analisar as percepções em relação às condições de tempo e clima local, foi realizada uma oficina com a participação de mulheres e homens, onde construíram um calendário agrícola sazonal e as crianças elaboraram desenhos temáticos.

Com as informações agrometeorológicas, da oficina e do mapa de solos, a equipe pretende elaborar um calendário agrícola que ajudará os Kaxinawá a saberem o que plantar, em qual local e época do ano e ainda estimarem o quanto poderão colher. “Os dados agrometeorológicos são usados para prognóstico. Quando a gente tem um bom conhecimento das condições climáticas, dá para fazer uma estimativa de produção da cultura que se quer plantar”, explica Lucieta.

Fabiano Estanislau (Conrerp 3741/SP)
Embrapa Acre

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