Embrapa Agroindústria Tropical
Rede Lacmont reúne especialistas de 12 países e fortalece sua governança
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Encontro internacional 100% on-line originou documento preliminar de governança e diretrizes para a gestão, estrutura e atuação da Lacmont.
O I Encontro Internacional da Rede Latino-Americana e Caribenha de Pesquisa e Inovação em Ambientes de Montanha (Lacmont) foi realizado entre os dias 11 e 13 de maio, com a participação de mais 325 inscritos, de 12 países e quatro continentes. O evento 100% on-line e gratuito foi uma realização da Embrapa, por meio do Núcleo de Pesquisa e Treinamento de Agricultores (NPTA), com o apoio de diversas instituições nacionais e internacionais. Ao final do encontro, no dia 13 de maio, houve a apresentação da versão preliminar do documento orientador que irá estabelecer diretrizes de gestão e estruturação da Rede Latino-Americana e Caribenha de Pesquisa e Inovação em Ambientes de Montanha - veja detalhes no fim da matéria.
Na abertura do encontro, o presidente da Lacmont 2021 e pesquisador da Embrapa Agrobiologia, Renato Linhares de Assis, deu as boas-vindas aos participantes e manifestou a sua satisfação na realização do evento em formato virtual, depois do seu adiamento em 2020, devido à pandemia da Covid-19. Ele destacou a necessidade do planejamento de ações colaborativas, construção de sinergias e de novas formas de cooperação internacional. Também reforçou que o objetivo final do encontro é a estruturação da governança da Rede Latino-Americana e Caribenha de Pesquisa e Inovação em Ambientes de Montanha, cuja formação foi oficializada durante a Conferência Mountains 2018, realizada no município de Nova Friburgo, na região da Serra Fluminense.
Logo em seguida, a Diretora Executiva de Inovação da Embrapa, Adriana Martin, destacou a importância da pesquisa e inovação nas montanhas, ambientes ricos em diversidade biológica, florestas e bacias hidrográficas. “A Embrapa trabalha para assegurar a biodiversidade em ambientes de montanhas, em alinhamento com a Agenda 2030 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), pois compreende que são espaços vulneráveis à ação humana, decorrentes do desmatamento, urbanização, turismo e mudanças climáticas”, afirmou.
Rosalaura Romeo, representante da Aliança das Montanhas (Global Mountain Partnership), instituição vinculada à Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO/ONU), também destacou as montanhas mantêm uma extensa biodiversidade, com cerca de 80% das águas doces do planeta. Por outro lado, ponderou que as mais de um bilhão de pessoas que moram em ambientes de montanhas estão muito expostas a riscos de desastres ambientais, como terremotos, enchentes e avalanches, e devido ao isolamento têm dificuldade de acesso ao mercado, à infraestrutura e à tecnologia, vivendo em estado de vulnerabilidade social, de pobreza e de insegurança alimentar. Para ela, neste momento de pandemia, os cientistas desempenham papel fundamental para ajudar a superar a falta de alimentos e os impactos das mudanças climáticas nos ambientes de montanha.
Pesquisa transdiciplinar em territórios montanhosos
A primeira mesa de discussão abordou as oportunidades da transdisciplinaridade nas pesquisas desenvolvidas em ambientes de montanha, e contou com a participação dos professores Fausto Sarmiento, da Universidade da Georgia, EUA; Irasema Alcantara-Ayala, da Universidade Nacional Autônoma do México; Sergio Andres Moreira Muñoz, da Pontifícia Universidade Católica de Valparaíso, Chile; e Carla Marchant, da Universidade Austral do Chile, sob mediação da professora Mônica Alves Amorim, da Universidade Federal do Ceará. Após as apresentações, houve debate com interação via chat.
Para o pesquisador Fausto Sarmiento, é preciso promover uma mudança de visão sobre a ciência em montanhas, buscando uma proposta metodológica de estudo transdisciplinar e colaborativo, com apoio dos financiadores e de todas as pessoas envolvidas. “Há que se insistir em uma esfera de conhecimento do Sul-global, enfatizando a inovação local; não com uma visão do passado, mas trazendo novas alternativas”, apontou.
Para ele, as montanhas representam sistemas sócio-ecológicos cada vez mais complexos, fortemente resilientes, adaptáveis e vulneráveis às externalidades. Em termos de pesquisa, requer o que chama de 3C’s: complementação, convergência e colaboração. Neste sentido, segundo o seu ponto de vista, o avanço dos estudos de montanha passa pela transdisciplinaridade, geopoética e geocritismo, transformação da paisagem rural, etnoecologia e saberes tradicionais, dentre outros aspectos.
Irasema Alcantara-Ayala trouxe uma perspectiva interdisciplinar de gestão integrada do risco de desastres em ambientes de montanhas, desde a compreensão dos fatores de risco até a investigação e a gestão integrada. “O impacto mundial dos desastres duplicou nas últimas duas décadas, somando perdas que ultrapassam 3 trilhões de dólares. Há que se estabelecer políticas públicas sólidas para mitigar esses processos sistêmicos desenvolvidos ao longo do tempo”, afirmou a pesquisadora mexicana.
Segundo ela, é fundamental aliar ciência com políticas públicas, buscando construir um conhecimento conjunto com as comunidades. “A metodologia é de participação comunitária, compartilhamento de ideias, discussão de diferentes pontos de vista, buscando uma aproximação dos tomadores de decisão. O maior desafio é estabelecer um diálogo mais amplo e convergente, transpor a barreira com os políticos, para que os interesses econômicos não fiquem acima dos interesses da população e do meio ambiente.”
Para Sérgio Muñoz, há que se reinterpretar a visão sobre montanhas e reconhecer as contribuições históricas dos cientistas. Implementar uma Ecologia Política, de base social crítica, decolonial, feminista, que traga alternativas reais, para conter a tragédia ambiental nas montanhas da América Latina e Caribe. Sua proposta passa pelo estabelecimento de um diálogo de saberes transdiciplinares, que engloba arte, cosmopolítica, geografia, ciências sociais e humanidades. O desafio para sua implementação, contudo, é enorme: “É fácil dizer vamos trabalhar de forma transdisciplinar, mas não é algo simples. Criar pontes entre disciplinas é complicado, pois exige novas cosmovisões, novos conceitos que façam sentido para todos os envolvidos, para poder quebrar as 'caixinhas'”, admitiu.
Para superar esse desafio, como um novo paradigma para entender os ambientes de montanha, romper a ontologia homem-natureza e trazer a memória biocultural, que envolve cosmos, corpus e práxis, a professora Carla Marchant apresentou sua experiência com comunidades no sul do Chile. Ciência, geografia e arte se integram aos saberes e práticas tradicionais no projeto “Huertas de la montaña: un refugio de memoria biocultural de los Andes”. Para evitar a perda da agrobiodiversidade local, mulheres camponesas se juntaram aos cientistas em um trabalho de investigação para transformação e manutenção da memória ancestral. “Precisamos repensar a ciência que fazemos, do Sul (global) para o Sul, com a visão do Sul, mas percebo que há inúmeros obstáculos a serem superados. Ainda não conseguimos resolver essa questão, nem mesmo no âmbito acadêmico”, afirmou.
Logo após a mesa de discussão sobre transdisciplinaridade foram apresentados cinco relatos de experiências, resultantes de pesquisas em ambientes de montanha, por participantes do Brasil, Peru e Argentina.
Estratégias para estruturar redes de pesquisa
A diversidade marcou o painel do dia 12 de maio do Lacmont 2021, com representantes de diferentes países como Argentina, Equador, Peru e Suíça. A moderação ficou sob a batuta do argentino Ricardo Grau, do Mountain Research Initiative (MRI). O tema da mesa foi “Estratégias para estruturar redes de pesquisa em territórios montanhosos: governança Lacmont”, com bastante ênfase nos Andes.
O pontapé inicial ficou por conta de Carolina Adler, da Suíça, e também do MRI, que conta com quase 11 mil membros e que completa 20 anos em 2021. “O MRI busca um mundo no qual a pesquisa identifica e entende processos de mudanças globais nas montanhas, promovido e ligado por disciplinas e montanhas ao redor do mundo. É fundamental que sejam reconhecidas pelo Lacmont as redes e inciativas que já estão presentes em regiões sul-americanas."
Logo depois se apresentou Luis Daniel Llambi, do equatoriano Condesan, que apresentou as redes de monitoramento nos Andes e suas oportunidades. Uma das redes é a Gloria-Andes, com 18 locais sendo monitorados. Ainda existem desafios, como refinar acordos para acesso e troca de informações.
Bibiana Leonor Vila, do Conicet, Argentina, seguiu com as apresentações, mostrando a história de uma das primeiras ecofeministas da América Latina, Yolanda Ortiz, e também do Comitê de Montanhas argentino, formado em 2005, presente em 17 órgãos em diferentes ministérios do país portenho. As montanhas na Argentina contemplam 30% do território, onde moram 1.5 milhão de pessoas. Bibiana tem um trabalho forte com educação infantil na região de Jujuy.
Fechando o painel, Jorge Recharte apresentou o Instituto de Montaña, Peru, que desenvolve intervenções integrais de longo prazo, que fomentan empreendimentos com igualdade e que apontem para o fortalecimento, autogoverno e afirmação das culturas locais. “Em sua dimensão física, as regiões de montanha do mundo são cenários de altura, topografia complexa, verticalidade extrema e climas de alto risco, sendo, portanto, ecossistemas frágeis.”
Logo após a mesa de discussão sobre governança foram apresentados cinco relatos de experiências, resultantes de pesquisas em ambientes de montanha por participantes do Brasil, Peru e Região Andina.
Redes se concretizam através de conexões
Esse foi o tema da última mesa do evento, na quinta-feira (13/5), que mostrou experiências bem sucedidas de construção de redes na Europa e na região serrana do Rio de Janeiro. José Alberto Pereira, coordenador do Centro de Investigação de Montanha (CiMO), do Instituto Politécnico de Bragança (IPB), em Portugal, falou da governança da instituição e das redes de cooperação que ela mantém dentro e fora do país.
O CiMO colabora com praticamente todas as universidades e boa parte dos institutos politécnicos portugueses, além de polos europeus de fomento à pesquisa e organismos e empresas em todos os continentes, incluindo universidades brasileiras com as quais mantém programa de capacitação de estudantes de doutorado. Em 2020, juntou-se ao Centro de Pesquisa em Digitalização e Robótica Inteligente (CeDRI), também do IPB, para formar o SusTEC, um laboratório de sustentabilidade e tecnologia que busca auxiliar políticas públicas regionais em diversos setores.
“Nossa missão é realizar pesquisas numa perspectiva sempre interdisciplinar e multidisciplinar, com uma visão holística das montanhas. Estamos divididos em dois grupos, o primeiro estuda os sistemas sócio-ecológicos, incluindo cadeias de produção agro-alimentar e de agricultura sustentável. O outro grupo estuda produtos e processos sustentáveis, matérias-primas que se pode extrair das montanhas de forma sustentável”, explicou Pereira.
Outra experiência discutida na mesa foi a da rede de agentes de desenvolvimento da região serrana do Rio de Janeiro, coordenada pelo Sebrae de Nova Friburgo (RJ). A ação surgiu para articular e operacionalizar a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa na região, e recentemente venceu um prêmio estadual na categoria cooperação intermunicipal para o desenvolvimento econômico.
Com a missão de criar e compartilhar projetos e ações integrando empreendedores e poder público, visando ao desenvolvimento socioeconômico da região, a iniciativa congrega formalmente 11 municípios e cerca de 18 mil estabelecimentos.
“Um aspecto muito importante que temos que priorizar quando falamos em qualquer tipo de rede, como essa de ambientes de montanha que discutimos neste evento, é o envolvimento da comunidade e dos principais atores que poderão ser beneficiados com o processo. Porque nós, as entidades, às vezes fazemos a imposição de ações, projetos ou pesquisas e não envolvemos o principal beneficiário. No nosso caso, envolver a comunidade, os empresários e os líderes públicos foi de suma importância para o fortalecimento da rede”, afirmou Fernanda da Silva Gripp, do Sebrae.
A última experiência exposta na mesa foi a do grupo InovaFri, ecossistema de inovação que congrega universidades, entidades empresariais e órgãos governamentais de Nova Friburgo. O líder da ação, Marcelo Verly de Lemos, professor do Instituto Politécnico da Uerj, explicou que a estratégia de governança da rede é guiada pela sociocracia, conjunto de princípios, padrões e processos de tomada de decisão para implementar a autogestão das organizações, onde as opiniões de todos os envolvidos são levadas em consideração. Segundo ele, essa dinâmica torna a estrutura mais resiliente, responsiva e eficaz.
Lemos destacou um efeito prático alcançado recentemente pelo inovaFri, que contribuiu efetivamente para a aprovação e sanção do código de ciência, tecnologia e inovação de Nova Friburgo, a Lei Complementar 135/2020, que tem o objetivo de estimular o incremento de atividades científicas, tecnológicas e de inovação na cidade.
“Uma contribuição à construção de política pública, que queremos viabilizar em termos práticos a partir de 2021, foi a sanção em dezembro do ano passado o Código de Ciência, Tecnologia e Inovação de Nova Friburgo. A nova legislação, que está alinhada ao Parque Tecnológico da Região Serrana, aborda temáticas diversas, como sustentabilidade, dados abertos, cidades inteligentes, política de inovação do poder executivo municipal, agenda 2030”, destacou.
Lançamento de livros
Os trabalhos do último dia de evento incluíram o lançamento de dois livros. O primeiro deles é fruto do trabalho do coletivo de escrita de mulheres Juntas & Diversas. É uma coletânea de crônicas sobre a pandemia da Covid-19, com textos de mulheres de diversas regiões do País, que pode ser adquirida no site www.inmediares.com.br. O coletivo já havia lançado uma coletânea de contos, nos quais as montanhas de Nova Friburgo são as narradoras das histórias.
A outra obra lançada foi “Flancos Andinos: paleoecologia, biogeografia crítica y ecologia política em los climas cambiantes de los bosques neotropicales de montaña”, dos autores Fausto e Elena Sarmiento. O livro está disponível para download gratuito no link https://www.doi.org/10.5281/zenodo.4746912.
Documento definirá as diretrizes para o funcionamento da Lacmont
Ao final do I Encontro Internacional da Rede, foi apresentado aos participantes o documento preliminar de governança e diretrizes para a gestão, estrutura e atuação da Lacmont, com os compromissos da Rede e de seus membros.
A versão preliminar foi construída ao longo dos três dias do encontro, a partir de contribuições em palestras, mesas, participações no chat e nas respostas de congressistas ao questionário disponibilizado no início do evento, e recebeu ajustes e adições durante o debate promovido pelos especialistas. As contribuições continuarão a ser recebidas nas próximas semanas.
A formação da Rede Latino-Americana e Caribenha de Pesquisa e Inovação em Ambientes de Montanha foi articulada no Mountains 2018, evento realizado em Nova Friburgo (RJ), com a participação de pesquisadores do Brasil, México, Chile, Equador, Colômbia e Argentina - Clique aqui para ver a carta que culminou na criação da Rede.
Em continuidade ao trabalho de articulação, foi realizado, em dezembro de 2019, o Fórum para o Desenvolvimento Sustentável dos Ambientes de Montanha do Brasil, no formato on-line, organizado pelo Núcleo de Pesquisa e Treinamento de Agricultores (NPTA), coordenado pelas três unidades da Embrapa no Rio de Janeiro.
“É muito importante trabalharmos com a visão de colaboradores e sermos transdisciplinares, porque dessa forma podemos ter uma melhor compreensão da complexidade dos ambientes de montanha. Isso envolve também arte, cultura, o movimento das pessoas que interagem com esses ambientes. Também é fundamental a visão de desenvolvimento sustentável e regenerativo, devido aos grandes desafios que as nossas montanhas de ambientes tropicais enfrentam”, disse Monica Alves Amorim, professora da Universidade Federal do Ceará
O gestor ambiental Luis Felipe Cesar apontou a importância da articulação da Lacmont com as outras redes existentes. “A Lacmont não pode ser uma rede que irá competir com as demais excelentes redes que já existem. Esse documento enfatiza o fato de que é uma rede que se agrega e se articula com as outras. E é importante acrescentar explicitamente, ainda, a integração com a Aliança para as Montanhas, que vem atuando de forma ativa há muito tempo e é uma parceira desta iniciativa desde o Mountains de 2018”.
A pesquisadora Rosalaura Romeu, membro da Secretaria da Aliança para as Montanhas da FAO, ressaltou que a aliança terá o papel de promover a pesquisa, fazendo os contatos entre a rede regional da Lacmont e as outras organizações que trabalham com a ciência voltada a esses ambientes. “Porque o marco da Aliança tem que chegar em todos os níveis, nossa plataforma deve ser usada para compartilhar experiências. E é necessário fazer um link com o setor político. A ciência e a pesquisa têm que estar a serviço das comunidades, e nós podemos ajudar nessas relações, para que o resultado da pesquisa seja aplicado e não fique apenas nas universidades.”
“Quero ressaltar a necessidade de se estabelecer laços entre diferentes regiões do planeta e manter posturas comparativas nas linhas de pesquisa, verificar as semelhanças das montanhas das Américas com outras do mundo, buscando eixos temáticos que podem ajudar a realizar essas comparações”, complementou o pesquisador argentino Fernando Ruiz Peyré, que atua na Universidade de Innsbruck, na Áustria.
Renato Linhares de Assis, pesquisador da Embrapa Agrobiologia e presidente do congresso do Lacmont, finalizou a rodada de apresentação do documento destacando a necessidade de observar as ações cooperativas de intercâmbio entre as pessoas que vivem nas montanhas para inspirar e fortalecer a cooperação da rede Lacmont. “Muito se coloca a questão do isolamento das pessoas nos ambientes de montanha, até pela questão física. Mas isso muitas vezes leva a uma ação cooperativa muito forte. Nesse processo, em que discutimos a importância do olhar micro e macro, temos que ter uma observação bem próxima de como a ação cooperativa ocorre entre as pessoas, e como isso pode ajudar nessa organização macro da nossa rede, para que a cooperação realmente ocorra de forma efetiva”.
Aline Bastos (MTb 31.779/RJ)
Embrapa Agroindústria de Alimentos
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