Embrapa Agroindústria Tropical
Enriquecer a oferta de flores para criação de abelhas-sem-ferrão é fundamental para o sucesso da atividade, aponta pesquisa
Uma pesquisa realizada pela Embrapa Meio Ambiente com a colaboração de ex-estudantes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) buscou, ao integrar a criação de abelhas-sem-ferrão – meliponicultura – a sistemas de produção agroecológicos, mostrar que as abelhas-sem-ferrão ficam em desvantagem nos recursos de alimentos em relação às abelhas africanizadas, sendo fundamental para o sucesso da integração entre esses sistemas de produção enriquecer o sistema com abundância e diversidade de plantas, que floresçam em diferentes épocas do ano.
Isso ocorre porque as abelhas africanizadas chegam mais cedo e com maior número de campeiras reduzindo ou mesmo esgotando o néctar e o pólen das flores.Elas voam em temperaturas mais baixas e com menor luminosidade que muitas abelhas-sem-ferrão e suas colônias são muito mais populosas.
Para a pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente Katia Braga, a integração entre a meliponicultora e os sistemas de produção agroecológicos é favorecida por práticas agroecológicas, como a ausência de pulverização com agrotóxicos e o cultivo de uma diversidade de espécies em consórcio que, dentre outras práticas, criam um ambiente propício não apenas para a agricultura, mas também para a biodiversidade local, incluindo abelhas nativas e outras espécies polinizadoras.
“Além disso, oferece benefícios para os dois sistemas e, consequentemente, para os agricultores que a adotam. No entanto, explica a pesquisadora, diversas colônias de abelhas-sem-ferrão serão criadas e mantidas em um mesmo local, diferentemente do que ocorre na natureza, e devemos consider que outras espécies de abelhas já vivem e se alimentam nas flores”, diz Katia Braga.
De acordo com a bióloga da Unicamp Gabriela Nascimento, foi avaliada a quantidade de alimento disponível para as abelhas estimando a oferta de flores de diversas espécies vegetais, determinando sua atratividade para diferentes grupos de abelhas. As abelhas foram separadas em três grupos: abelhas africanizadas (abelha exótica com ferrão), abelhas nativas com ferrão e abelhas-sem-ferrão.
Um dos resultados mostra que plantas ainda pouco estudadas em sua interação com as abelhas foram reconhecidas como fontes de alimento para as abelhas-sem-ferrão, como mandioqueiro-pequeno ou mandioqueiro bravo, uma planta nativa do cerrado encontrada na borda de fragmentos de mata. Também o trigo mourisco ou sarraceno, uma planta exótica cultivada como adubo verde, mostrou-se atrativa para as mandaguaris, uma abelha-sem-ferrão com colônias utilizadas na criação. Além do uso como adubo verde, o trigo mourisco produz grãos que não contém glúten e que são utilizados na fabricação de farinha para panificação, uma outra opção de produto para consumo e comercialização.
De acordo com Katia Braga, em uma das áreas de estudo, as abelhas africanizadas e as abelhas-sem-ferrão visitaram, ao mesmo tempo, as flores de 19 espécies de plantas, correspondendo a 66% do total das espécies observadas no local. Porém, destaca Braga, embora elas tenham utilizado essas plantas em comum, a abelha africanizada foi predominante na florada da maioria delas, em detrimento das abelhas-sem-ferrão.
Esses dois grupos de abelhas sociais, que pertencem as tribos Apini e Meliponini, são generalistas no uso dos recursos florais e trabalham ativamente nas flores de uma grande diversidade de plantas ao longo de todo o ano. Além disso, quando há escassez de alimento, as abelhas africanizadas abandonam o ninho e se mudam para um outro local. As abelhas-sem-ferrão, por não abandonarem o ninho, acabam morrendo aos poucos com a escassez de alimento, dando a impressão de que a colmeia foi abandonada.
Recomendações
Os resultados obtidos até o momento apontam para a necessidade do enriquecimento vegetal nas áreas onde se busca integrar a meliponicultura à produção agroecológica, particularmente, nos locais onde abelhas africanizadas predominam na visita às flores. Contudo, esse enriquecimento será importante mesmo em locais onde a abelha africanizada não é predominante pois, ao aumentar a quantidade e a diversidade de flores para as abelhas-sem-ferrão, se melhora o desenvolvimento das colônias e a obtenção de seus produtos, seja mel, própolis, novas colônias, ou outros produtos.
Essas recomendações de enriquecimento incluem o cultivo e a manutenção de uma diversidade de espécies vegetais que são particularmente atrativas para as abelhas-sem-ferrão, como uvaia, jabuticaba e pitanga, dentre outras plantas nativas que também poderão fornecer frutos para consumo e comercialização. Esta abordagem não só irá beneficiar a criação de abelhas-sem-ferrão, promovendo uma maior oferta e diversidade de alimento para elas, mas também poderá contribuir com a produtividade dos cultivos, por melhorar a polinização.
As pesquisadoras recomendam ainda evitar a remoção das plantas espontâneas que florescem no campo e que são visitadas pelas abelhas-sem-ferrão, como o bamburral, o carrapichinho, o picão branco e o rubim. Essas plantas, tratadas como ervas daninhas em sistemas convencionais de produção, podem ser fontes importantes de alimento para as abelhas-sem-ferrão ou complementar sua dieta.
Plantas que surgem na borda de capões de mata, como o mandioqueiro-pequeno, e que são atrativas para as abelhas-sem-ferrão, também não devem ser removidas pelos mesmo motivos.
Quanto à horta, ela deve ser dimensionada de modo que as hortaliças, cujas flores são visitadas pelas abelhas-sem-ferrão, como o coentro e a rúcula, não tenham todos os ramos cortados ou os pés colhidos antes da floração; assim, aumenta-se a oferta de recursos florais também nessas áreas de cultivo.
Esse estudo não apenas lança luz sobre essa relação ecológica crucial entre abelhas-sem-ferrão e a flora em sistemas produtivos integrados e entre elas e os demais grupos de abelhas, como também reforça a importância das práticas agroecológicas na promoção da biodiversidade e para a sustentabilidade na produção de alimentos.
Esses resultados, de forma mais detalhada, poderão ser encontrados nos Anais do 17º Congresso Interinstitucional de Iniciação Científica, do XIII Encontro Sobre Abelhas e do XII Congresso Brasileiro de Agroecologia, realizados em 2023.
O projeto, desenvolvido em duas áreas com produção agroecológica de alimentos, conta com a parceira de agricultores e agricultoras familiares do Assentamento Estadual Vergel e da Cooperativa de Agricultura Familiar e Agroecológica (Cooperacra) e com a colaboração de estudantes e egressos da Unicamp e UFSCar. Também são parceiros do projeto, técnicos do Itesp, da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati), da Prefeitura Municipal de Mogi Mirim e do Instituto de Pesquisas Ambientais do estado de São Paulo.
Também participaram do estudo, as estudantes da Unicamp Isabela Fernandes Pereira, Larissa de Souza Bellini e Marielle de Castro Lopes e da pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente Eunice Reis Batista.
Cristina Tordin (MTb 28.499/SP)
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