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Trabalho em Uganda fortalece a agricultura familiar
No final de 2018, cinco profissionais da Embrapa passaram três semanas no estado de Mbale, em Uganda. O grupo colocou em prática um guia de capacitação e treinamento participativo que apresenta um conjunto de ferramentas que permite a integração do conhecimento dos agricultores familiares e técnicos de extensão rural sobre a qualidade do solo e seu manejo, ao conhecimento técnico gerado pela Ciência do Solo e à pesquisa agropecuária.
Esse guia atende pelo nome de Integração Participativa de Conhecimentos sobre Indicadores de Qualidade do Solo (InPaC-S), desenvolvido pelos cientistas da Embrapa Heitor Coutinho (in memoriam) e Carlos Medeiros, ao lado de Edmundo Barrios, na época, profissional do Centro Mundial de Agroflorestas (ICRAF-Quênia), atualmente na FAO.
“Além do aspecto participativo, trabalhamos a parte técnica, muito focados na realidade daqueles 30 agricultores em Uganda, na disponibilidade do que eles têm em termos de solo e culturas”, conta a pesquisadora da Embrapa Solos (Rio de Janeiro-RJ), Ana Turetta, sobre a experiência. “Essa é a grande motivação dessa inovação tecnológica: entender como o conhecimento tradicional dos agricultores se reflete em indicadores técnicos e vice-versa”, completa Turetta.
Abordagem participativa que fortalece a agricultura familiar
Foram organizados dois workshops em parceria com a Organização Nacional de Pesquisa Agrícola e Florestal (NARO) em Uganda e o ICRAF. O primeiro workshop contou com a participação de pesquisadores, professores de universidades e técnicos, “trabalhamos a especialização deles na metodologia InPaC-S”, diz Turetta. Já no segundo workshop, os profissionais capacitados anteriormente foram os instrutores, multiplicando a metodologia para produtores e técnicos da extensão rural.
“Os pequenos produtores rurais não tinham conhecimento suficiente das práticas agrícolas apropriadas e, ao mesmo tempo, os profissionais da extensão não eram expostos às mudanças de dinâmica do uso do solo, resultando em uma falta de sintonia entre os dois grupos”, aponta David Lelei, pesquisador do ICRAF. “Assim sendo, a InPaC-S desempenhou papel fundamental no treinamento de técnicos que vão ensinar aos produtores como compreender melhor os parâmetros de qualidade do solo e como melhorar a fertilidade da terra a fim de aumentar sua produção de grãos”. Lelei teve duas experiências anteriores com a InPaC-S: na Tanzânia em 2012 e no Quênia, em 2016.
Os agricultores familiares se sentem atraídos pela facilidade de uso da InPaC-S e sua conexão com seus desafios. O sucesso da participação desses produtores aconteceu graças ao seu envolvimento desde o começo das atividades.
“A recepção à equipe brasileira foi muito boa e o engajamento dos agricultores familiares foi forte. Estávamos preocupados com o excesso de dias mobilizados, cinco, mas os pequenos produtores se engajaram nas atividades, o que nos surpreendeu, pois no Brasil é difícil mobilizar mais do que dois dias”, revela Luciano Mattos, pesquisador da Embrapa Cerrados (Planaltina-DF), que fez parte do grupo em Uganda. Luciano também ressalta semelhanças entre a realidade brasileira e a do país africano. “Sim, são muito parecidas, com cultivos de milho consorciado com feijão e mandioca em rotação com outras culturas, organização comunitária, boa receptividade e processo histórico de opressão e não priorização na vida econômica dos seus países”.
Resposta ao êxodo do campo
O conhecimento e a experiência local da produção familiar têm recebido crescente atenção nos últimos anos como fonte de opcões úteis para o manejo sustentável dos recursos naturais, assim como o interesse de fortalecer a capacidade de tomada de decisões dos agricultores na transição agroecológica visando uma agricultura sustentável. Esses foram alguns dos motivos que levaram Edmundo Barrios a investir na criação da metodologia. “A InPaC-S foi elaborada como resposta à perda acelerada do conhecimento e experiência dos agricultores com a migração de jovens e adultos às cidades, e ao falecimento dos mais velhos, que ficam no zonas rurais. A metodologia enfrenta esse desafio desenvolvendo uma abordagem que protege o conhecimento local sobre o solo e seu manejo, ao ser integrada com o conhecimento científico e usada como ferramenta para apoiar a tomada de decisão dos agricultores familiares”.
Em Uganda, a metodologia propiciou aos agricultores familiares maior intimidade com os indicadores de qualidade do solo. A ideia de restaurar a fertilidade da terra a fim de aumentar produção de grãos também foi um fator importante para atrair os participantes.
Esse engajamento faz com que a NARO tenha expectativa positiva sobre os dias de trabalho. “Esperamos que os agricultores coloquem a necessidade de manejar a fertilidade do solo como fator prioritário para o aumento da produção, e que eles também passem a aceitar o fertilizante mineral. Em um futuro próximo, contamos que, graças a um efeito multiplicador, o pessoal treinado espalhe seu conhecimento”, afirma, confiante, Hillary Agaba diretor de pesquisa na NARO.
“Foi gratificante ver o grau de envolvimento do grupo dos ugandenses, o diretor de pesquisa e boa parte da equipe do NARO estiveram conosco o tempo todo. Buscamos quebrar essa relação paternal/colonizador que, por vezes, ainda permeia a relação com os africanos. Houve um clima positivo de trabalho, uma troca rica, discussões de igual para igual, sem querer impor soluções mágicas que resolveriam a vida da população local”, diz Ana Turetta.
Como toda metodologia, a InPaC-S está em constante evolução, Luciano Mattos vê espaço para algumas mudanças. “A metodologia poderia ser simplificada como parte da adaptacao ao contexto local e ao público alvo permitindo reduzir o tempo de aplicação. Também é necessário organizar processos de validação científica dos indicadores empíricos mencionados permitindo assim avaliar a sua utilidade em diferentes tipos de solo”.
Desenho participativo de área experimental e unidade demonstrativa
A área utilizada para o cultivo no país africano tem potencial agrícola de médio para baixo. “É uma região de transição, entre terras altas com muita chuva, para planícies com pouca precipitação. A fertilidade da terra também varia, de média para baixa”, descreve Hillary Agaba.
Foram feitos um experimento e uma unidade demonstrativa, onde plantou-se milho em consórcio com feijão, costume dos agricultores locais, que participaram ativamente, levando os conhecimentos que possuem, levantando os problemas e o que seria importante avaliar. “O experimento teve sete tratamentos com quatro blocos e cada unidade experimental tinha 4,5 x 4,5m, perfazendo um total de 567m2, e mais uma área de 100m2 com mucuna. Todo o preparo do solo e plantio foram feitos manualmente”, ressalta o pesquisador da Embrapa Solos, Etelvino Novotny, que conduziu o processo. Como são culturas de ciclo curto, as plantas já estão grandes e daqui a uns dois meses devem estar sendo colhidas. A própria comunidade pode usar a área para visitas de universidades e escolas, por exemplo.
Também compuseram a equipe da Embrapa em Uganda o pesquisador da Embrapa Clima Temperado (Pelotas-RS) – e um dos autores da metodologia – Carlos Medeiros e a pesquisadora da Embrapa Solos Joyce Monteiro.
História
A metodologia foi aplicada e contextualizada em workshops eco regionais em cinco biomas do Brasil (Amazônia-PA, Cerrado-MG, Mata Atlântica-SC, Caatinga-PB e Pantanal-MS), de 2008 a 2011, em trabalho financiado pela contribuição da Embrapa ao CGIAR. Na África, além de Uganda, Moçambique, Etiópia e Ruanda experimentaram a InPaC-S. Ela foi apresentada pela primeira vez em 2001, por Edmundo Barrios, no Rio de Janeiro, durante a III Conferência Internacional sobre Degradação de Terras. O trabalho chamou a atenção do cientista da Embrapa Solos Heitor Coutinho. A partir daí, os dois iniciam parceria que traz Barrios para o Rio de Janeiro, como pesquisador visitante na Embrapa Solos entre 2007 e 2009.
Já em 2012, alguns princípios da InPaC-S são adotados em Moçambique, e muito bem avaliados pelo MKTPlace de Inovação na Agricultura , uma iniciativa internacional, apoiada por parceiros como o Banco Mundial e FAO, a fim de promover a colaboração Sul-Sul e unir profissionais e instituições para desenvolver projetos de pesquisa pelo desenvolvimento.
O sucesso em Moçambique leva a metodologia a ser convidada para participar do M-BoSs - outra iniciativa internacional apoiada por instituições como a Fundação Bill & Melinda Gates, o Departamento para o Desenvolvimento Internacional do Reino Unido (DFID) e o Fórum para Pesquisa Agrícola na África (FARA) - que se destina a fortalecer e aprofundar a cooperação entre instituições africanas e brasileiras, fortalecendo a presença nacional naquele continente. O M-BoSs decide levar a metodologia para, além de Uganda, Gana e Tanzânia. Até o momento, a metodologia InPaC-S formou 286 treinadores de treinadores no Brasil e em cinco países na África, 52 deles pesquisadores da Embrapa, além de envolver 521 agricultores nas atividades associadas com a metodologia.
“Outro aspecto interessante é que, como foi uma prática levantada de forma participativa, nos dois workshops futuros, na Tanzânia, por exemplo, as limitações no solo dos agricultores podem ser totalmente diferentes e demandar uma área experimental e unidade demonstrativa também diferentes”, conta Ana Turetta. “Não adianta querer levar uma receita e impô-la, dizendo isso aqui que é o certo. Isso não existe nesse projeto. Tudo é construído a partir dos problemas levantados sistematicamente pelas ferramentas metodológicas do InPaC-S, assim como superá-los e ter um melhor manejo do solo, aumentar a resiliência dos sistemas. Quando aumentamos a resiliência estamos falando de segurança alimentar e acesso a alimento, que são questões muito sérias em países com um nível de vulnerabilidade muito alta como Uganda”, conclui Ana Turetta.
Futuro próximo
A partir da integração com a NARO em Uganda, nasceu uma cooperação da instituição com o Hunger Project, uma iniciativa mundial, sem fins lucrativos, que atua na erradicação da fome. O projeto com a InPaC-S foi o catalisador dessa iniciativa.
A metodologia InPaC-S pode ser baixada em
http://www.worldagroforestry.org/downloads/Publications/PDFS/B17293.pdf
(primeira edição – português, 2011)
http://www.worldagroforestry.org/downloads/Publications/PDFS/B17459.pdf
(segunda edição – inglês, 2012)
Carlos Dias (20.395 MTb RJ)
Embrapa Solos
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