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21/05/20 |   Segurança alimentar, nutrição e saúde

Artigo - Comercialização e consumo de hortaliças durante a pandemia do novo coronavírus

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Foto: Sistema FAEG/Senar

Sistema FAEG/Senar -

As hortaliças, sem dúvida, são importantes fontes de vitaminas, sais minerais, fibras e antioxidantes. Apesar das recomendações dos órgãos nacionais e internacionais, como o Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde (OMS), respectivamente, o consumo de hortaliças em nosso país permanece bem abaixo dos valores diários preconizados por essas instituições. Isso pode estar associado a vários aspectos, dentre eles os econômicos (poder de compra), sociais (facilidade de acesso) e culturais (costume, região etc.). Em relação aos aspectos econômicos, observa-se geralmente que, com a melhoria na renda da população no país, a tendência é que o consumo de hortaliças também aumente.

O mercado brasileiro de hortaliças é altamente diversificado e segmentado, com dezenas de olerícolas sendo comercializadas e consumidas nas diferentes regiões do país, embora o volume da produção tenha se concentrado em poucas espécies, como alface, batata, cebola, cenoura, melancia e tomate. A produção de grande parte do volume comercializado das hortaliças no Brasil é realizada por pequenos agricultores, geralmente denominados como “familiares”.

A comercialização desses produtos é feita em diferentes canais, como as centrais de distribuição (CDs) das grandes redes de supermercados, mercados menores, sacolões, feiras livres, restaurantes e/ou nas centrais de abastecimento (Ceasa, Ceagesp). O setor varejista tem se mostrado como um dos principais canais de distribuição de hortaliças, sendo que os supermercados constituem o principal canal nas áreas metropolitanas. Nesta crise causada pelo novo coronavírus, observou-se um aumento expressivo na procura por hortaliças nos supermercados, já que os consumidores buscam também, nas suas idas em menores frequências às compras, outros produtos de alimentação e higiene.

Outra parte da comercialização das hortaliças é por meio das compras públicas, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), geralmente privilegiando os agricultores familiares. Com a crise causada pela pandemia, essas formas de comercialização foram afetadas. As compras pelo PAA, em muitos casos, foram reduzidas nesse período, entretanto, já havia sido observada a redução, nos últimos anos, dos investimentos totais nessa política pública. Aqueles que comercializam pelo PNAE têm enfrentado dificuldades de comercialização, uma vez que as escolas foram fechadas, ainda que várias prefeituras tenham direcionado parte das entregas para hospitais, asilos e creches. Também se pode verificar algumas ações de órgãos governamentais para auxílio a esses produtores, minimizando assim, os efeitos negativos da pandemia no setor. Uma delas foi a Lei 13.987/2020, que autoriza a distribuição de alimentos adquiridos pelo PNAE às famílias dos estudantes da rede pública durante o período de suspensão das aulas. Muitas das crianças de famílias mais pobres têm acesso às hortaliças principalmente nas escolas, e com o cancelamento das aulas, certamente o consumo de hortaliças por essas crianças foi drasticamente reduzido. Vale salientar que em suas residências, as hortaliças raramente fazem parte da dieta alimentar dessas famílias carentes.      

Para aqueles produtores e/ou intermediários que atuavam no fornecimento para as feiras livres, os prejuízos foram consideráveis, uma vez que alguns estados suspenderam o funcionamento das feiras, ainda que temporariamente, neste período de pandemia. Produtores de hortaliças folhosas, notadamente a alface, por ser um produto mais perecível, foram muito prejudicados, já que a comercialização diminuiu principalmente nas feiras livres, onde esse produto é um dos mais comercializados.

Sabe-se que o funcionamento das feiras livres contribui significativamente para a receita de pequenos e médios produtores, principalmente aqueles que têm nas mesmas o principal canal de comercialização. Para esses e demais produtores, a busca por novas formas de alternativas de comercialização como a entrega de produtos utilizando delivery, drive-thru ou take-out foi a solução encontrada para escoar parte da produção. Assim, a feira como tradicional “ponto de encontro”, passa a ser flexibilizada, com locais e horários para a distribuição dos produtos são previamente acordados entre vendedores e consumidores.

A utilização de mídias digitais, por meio do celular, com o emprego principalmente do WhatsApp e, em menor escala o Instagram e o Facebook, tem sido, sem dúvida, uma grande aliada desses produtores, mantendo assim, um “acordo de negócio” nesses pequenos circuitos, ou mesmo articulando essa aproximação entre os produtores e os consumidores, facilitando assim o fluxo de produtos. Outras medidas de apoio à comercialização das hortaliças também foram implementadas, a exemplo da “Feira Segura”, um projeto do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar/CNA) para estimular a realização de feiras livres em todo o país, seguindo as orientações da OMS quanto aos cuidados em relação ao novo coronavírus.

A entrega de hortaliças mais frescas e de origem conhecida, assim como uma oportunidade de uma maior aproximação entre produtores e grupos (associações ou cooperativas) com os consumidores, também foram algumas características observadas durante esta crise em algumas regiões do país. O apelo por parte de consumidores mais esclarecidos para aquisição de produtos oriundos da agricultura familiar e/ou de produtores locais também foi evidenciado durante a pandemia.

A crise causada pelo novo coronavírus tem impulsionado, em algumas regiões, o consumo de produtos sem agrotóxicos, principalmente para aquelas pessoas de maior poder aquisitivo. Assim, acredita-se que esta crise possa abrir de novo a discussão em torno da importância de um consumo e de uma agricultura mais sustentáveis. A comercialização de produtos orgânicos pode apresentar uma pequena vantagem em relação aos produtos convencionais, uma vez que está organizada com um grupo de consumidores, não necessariamente em relação à renda, e tende a uma maior aproximação nessas redes já consolidadas e estruturadas, que remetem a um apelo para um produto com “qualidade superior”, além do maior zelo, melhor manipulação etc., ou seja, um maior carinho na relação com o consumidor. Esses produtores orgânicos, geralmente pequenos, comercializam seus produtos em feiras, quiosques etc., e nesse sentido, após o fechamento desses locais, houve, sem dúvida, uma perda na comercialização. Com o aumento da atividade do delivery por parte desses pequenos produtores, as vendas voltam a se normalizar. Um outro mercado que deverá crescer é aquele de produtos higienizados e processados, no qual a preocupação com a segurança do alimento é cada vez mais ressaltada. Produtos acondicionados em embalagens adequadas, em substituição aos produtos a granel expostos nas gôndolas dos mercados, devem ser priorizados para um público de maior poder aquisitivo.

Aqueles produtores que têm parte de sua produção direcionada a restaurantes e lanchonetes também viram suas vendas caírem vertiginosamente, mesmo que em alguns desses estabelecimentos houvessem a opção de delivery para os seus pratos. Os restaurantes do tipo self-service proporcionam, para a maioria da população, uma refeição mais barata, sendo que os consumidores têm, nesse tipo de refeição, a oportunidade de um maior acesso à diversidade de hortaliças.

No início da pandemia, após o fechamento destes estabelecimentos, assim como o menor movimento observado nas Centrais de Abastecimento e CDs, houve uma forte retração nas vendas, com algumas sobras de produtos; parte das hortaliças foi perdida nas propriedades e na comercialização, e parte doada à Banco de Alimentos e outras instituições filantrópicas, sendo que a partir daí os produtores tentaram se adequar na sua produção. Também, uma maior evidência para produtores de hortaliças “especiais” direcionados para restaurantes gourmet e/ou de alta gastronomia, como brotos, baby-leaf, cogumelos comestíveis etc., cujas vendas foram consideravelmente reduzidas. Outros fornecedores de hortaliças, como alface, cebola, pepino (picles) e tomate, que entram na preparação de saladas ou sanduíches em restaurantes do tipo fast-food tiveram suas entregas reduzidas, o mesmo acontecendo com a batata pré-frita congelada, produto importado em grandes quantidades pelo país, assim como outros que o Brasil recorre anualmente às importações, como alho, cebola e ervilha, apresentaram, neste período inicial de pandemia, problemas na distribuição e comercialização, conforme artigo recentemente publicado pela Embrapa Hortaliças.

Com as pessoas cozinhando por mais vezes em casa, neste período de isolamento social, é possível que a versatilidade de hortaliças no prato diário tenha sido bem menor que aquela obtida fora de casa. Mesmo assim, para atender à demanda das pessoas em casa, observa-se um aumento expressivo de vendas das hortaliças nas redes de supermercados. Nesses locais, produtos de melhor qualidade, com melhor classificação e sem defeitos aparentes, são exigidos rotineiramente e, assim, aqueles produtores que fornecem hortaliças de qualidade inferior (sem classificação, com defeitos etc.), não conseguiram comercializar seus produtos por esta via. Tais produtores certamente foram os mais prejudicados, uma vez que geralmente forneciam para outros clientes, como restaurantes, feiras etc., e encontraram dificuldades nas entregas já que esses locais foram fechados.

A produção de hortaliças e, consequentemente, o preço dos produtos geralmente sofrem com as condições climáticas adversas. O país está saindo de um período quente e chuvoso, com os prejuízos normais às lavouras em razão da maior precipitação, reduzindo a sua produtividade e a qualidade do produto obtido. Preços mais altos nas hortaliças geralmente ocorrem após a época de verão. Soma-se a isso, os problemas na logística das mercadorias que são produzidas em diferentes polos em várias regiões do país, os quais ficaram mais evidentes nesta época, uma vez que foram implementadas, em alguns locais, barreiras nas estradas, além da precariedade de serviços de restaurantes e apoio nas rodovias. Outro fator para o aumento dos preços de hortaliças foi a redução e ou mesmo a ausência de retorno do frete-recomércio, o que refletiu no aumento do custo do transporte. Assim, a crise do novo coronavírus impactou o preço da maioria das hortaliças, e os consumidores descapitalizados têm priorizado a compra de outros produtos alimentícios, deixando de adquirir as hortaliças. 

Independente da crise causada pelo novo coronavírus, observa-se nos últimos anos que o mercado de hortaliças tem sofrido grandes mudanças, nas quais o consumidor, principalmente aquele de maior poder aquisitivo, tem buscado mais conveniência na aquisição e no preparo de hortaliças. Por exemplo, produtos minimamente processados como o mix de hortaliças higienizadas e embaladas, prontas para consumo imediato; hortaliças de tamanho reduzido, como as mini melancias sem sementes, os mini tomates ou as mini cenouras (demandas de famílias com menor número de pessoas e/ou uma maior conveniência, como snacks etc.); hortaliças padronizadas e acondicionadas em embalagens; produtos com marcas contendo informações nutricionais e/ou receitas para preparo; produtos orgânicos, etc. Vale salientar que as hortaliças embaladas, na maioria das vezes, garantem uma maior qualidade no momento da compra e evitam desperdícios, já que o consumidor manuseia menos os produtos.

Dentre as tendências e/ou mudanças observadas nos últimos anos, e agora fortalecida com esta crise do novo coronavírus, está a compra online de hortaliças e delivery. A utilização das redes sociais, como descrito anteriormente, também será uma importante ferramenta para comercialização, inclusive para produtores e fornecedores terem o feedback instantâneo das reações dos consumidores em relação às hortaliças adquiridas. Cuidados com a origem e a sanidade das hortaliças também receberão uma maior importância por parte dos consumidores mais informados, e a rastreabilidade e a segurança do alimento aparecerão, cada vez mais, como uma exigência por parte dos consumidores em relação à origem e boas práticas agrícolas na produção, garantindo no final da cadeia produtos de melhor qualidade para o consumo. Um recente artigo da Dra. Lucimeire Pilon, pesquisadora da Embrapa Hortaliças, sugere que algumas recomendações para o enfrentamento da Covid-19 devem fazer parte de um roteiro seguro a ser seguido em todos os elos da cadeia produtiva de hortaliças, que implicam diretamente nas atividades de campo, no transporte, nos CDs, e demais etapas até chegar na mesa do consumidor. No entanto, é sabido que a realidade dos agentes das cadeias produtivas é bastante heterogênea em função de diversos fatores, como porte econômico, nível tecnológico e capacidade de gestão, o que reflete nas práticas adotadas e, consequentemente, na qualidade e na segurança da hortaliça entregue ao consumidor.

A pandemia causada pelo novo coronavírus influenciou fortemente o mercado de hortaliças em diferentes regiões do país, uma vez que as restrições decorrentes desta crise afetaram tanto a distribuição quanto a comercialização dos produtos olerícolas. A menor circulação das pessoas nas ruas também influenciou negativamente a venda e, consequentemente, o consumo das hortaliças neste período. Verifica-se ainda que algumas famílias têm preferido a aquisição de alimentos industrializados, uma vez que apresentam maior durabilidade. A sociedade tem sido submetida a várias mudanças no seu cotidiano, as quais poderão trazer implicações, inclusive, em seus hábitos alimentares. Já se observa, por exemplo, em certos grupos, um maior interesse pelos alimentos mais saudáveis (frutas e hortaliças), com objetivo de “fortalecer” a imunidade, um aspecto importante nestes tempos.

Por outro lado, a pesquisadora Maria Thereza Pedroso, da Embrapa Hortaliças, menciona em artigo recente, que os diferentes agentes econômicos das cadeias que produzem hortaliças, em face dos crescentes prejuízos em suas atividades causadas pela crise do novo coronavírus, poderão ser forçados a reduzir drasticamente os investimentos e, até mesmo, paralisar as suas atividades, diminuindo a oferta de hortaliças, e sob um cenário mais pessimista, poderá ocorrer o desabastecimento de diversas mercadorias do setor nos próximos meses. Finalmente, a retomada repentina à vida normal pode ser bastante crítica no sentido de um possível desabastecimento de algumas hortaliças, assim como a incerteza de um “abre e fecha” do comércio, talvez o pior cenário para os diferentes elos das cadeias produtivas de hortaliças.

Warley Marcos Nascimento
Pesquisador e Chefe-Geral da Embrapa Hortaliças

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