05/09/17 |   Agricultura familiar  Agroecologia e produção orgânica  Segurança alimentar, nutrição e saúde

Cientistas-guardiões inspiram gerações

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Foto: Acervo da pesquisadora

Acervo da pesquisadora - Uma das pioneiras quando se trata de pesquisa nesse campo, ao qual se dedica desde os tempos da graduação, a pesquisadora Terezinha Dias conta que a parceria entre a Embrapa e os povos indígenas vem da década de 1990

Uma das pioneiras quando se trata de pesquisa nesse campo, ao qual se dedica desde os tempos da graduação, a pesquisadora Terezinha Dias conta que a parceria entre a Embrapa e os povos indígenas vem da década de 1990

Em terras do Mato Grosso, na embocadura do Rio Tuatuarí, na aldeia Yawalapiti, morada de 280 pessoas, uma das 15 famílias indígenas usa da tradição chamada “casa do Kukurro” e ajuda na conservação da riqueza de materiais genéticos, especialmente variedades de mandioca. É daquele pedaço do Brasil que vem esta história, resultado de uma das pesquisas do agrônomo Fábio de Oliveira Freitas com os povos do Xingu. Pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Brasília-DF), ele realizou um levantamento das espécies e variedades de plantas que cada família daquela aldeia cultivava.

As surpresas sobre a investigação científica de Fábio não foram poucas, sempre acompanhadas de novos conhecimentos sobre a vida nos territórios indígenas, sobre a cultura desses homens e mulheres que enxergam a agricultura como uma extensão de suas crenças e a celebram no dia a dia, contribuindo para a conservação e o resgate de espécies vegetais.

Um banco genético na roça da aldeia

Nesse trabalho de Fábio, pela primeira vez, foi possível apresentar ao mundo da ciência a tradicional “casa do Kukurro”, ou casa do espírito da lagarta, que consiste na construção de dois montes ou covas nos quais todas as variedades de mandioca (Manihot esculenta Crantz) são manejadas.

Na prática, o kukurro pode ser considerado um pequeno e importante “banco genético” cultivado pelos indígenas do Xingu. “A crença é de que essa prática fortalece a energia das plantas cultivadas na roça”, comenta Fábio Freitas. Do ponto de vista científico, em termos evolutivos, o agrupamento das diferentes variedades no pequeno monte de terra facilita a sua recombinação (troca aleatória de genes), aumentando a chance de novas variedades surgirem.

As idas e vindas do pesquisador às aldeias do Xingu não se resumem a esse resultado sobre o uso do kukurro. Outro estudo dele trata do resgate do kupá (Cissus gongylodes Burch), um cipó da mesma família da uva que é conhecido por poucas etnias, sendo alimento muito tradicional entre os Kayapó. Um documentário a respeito do Kupá registra o fortalecimento cultural desse povo, por meio da recuperação desse cipó. Atualmente Fábio Freitas faz parte da plataforma de recursos genéticos, à frente da atividade que trata do monitoramento das formas locais de conservação, de uso e manejo de recursos genéticos em aldeias do parque indígena do Xingu e seu impacto na manutenção, geração e seleção de diversidade nas espécies e variedades manejadas.

Investigar as riquezas das plantas, dos alimentos, suas aplicabilidades, usos e costumes têm sido o dia a dia daqueles cientistas que tomaram o caminho das aldeias muito distantes da Capital Federal, sede da Embrapa Recursos Genéticos, onde também atua a pesquisadora Terezinha Borges Dias (foto). Ela desenvolve ações de pesquisas no território Krahô, no Tocantins. Com esse povo, construiu a primeira anuência prévia brasileira para ações de acesso aos recursos genéticos e ao conhecimento tradicional associado.

O trabalho de Terezinha permitiu identificar as variedades agrícolas localmente cultivadas e mantidas pelos chamados agricultores guardiões. Ela é responsável por apoiar tecnicamente e incentivar as feiras de trocas de sementes e considera essa atividade um método de promoção da conservação in situ/on farm e pelos cursos diálogos agroecológicos com povos indígenas. Construídos com as organizações indígenas e a Fundação Nacional do Índio (Funai), já foram realizados oito eventos desde 2004, com a participação de 170 pessoas, envolvendo grupos de agricultores, professores e lideranças dos povos Krahô, Canela, Apijé, Kiapo, Paresi e Xavante. Para Terezinha, os cursos contribuem para fortalecer o diagnóstico e a reflexão sobre a situação da agricultura indígena e as ameaças à manutenção das práticas de conservação das sementes tradicionais.

Uma das pioneiras na Unidade quando se trata de pesquisa nesse campo, ao qual se dedica desde os tempos da graduação, ela conta que a parceria entre a Empresa e os povos indígenas vem da década de 1990, quando representantes da etnia Krahô, de Tocantins, buscavam sementes tradicionais de milho e amendoim. “Eles queriam resgatar variedades antigas de milho que haviam desaparecido”, conta a pesquisadora.

Daquela época aos dias atuais, a parceria, que envolve, além da Embrapa, a Kapéy (União das Aldeias Krahô) e a Funai, proporciona atividades que vão desde a identificação dos recursos genéticos manejados por essa etnia até a reintrodução de variedades antigas de sementes. Por causa desse trabalho conjunto, foi possível levar sementes às famílias, às aldeias, aos povos indígenas. “Hoje, mais estimulados, os Krahô não demandam mais sementes de fora do seu território e se orgulham de usar suas próprias sementes”, diz Terezinha, uma das editoras da publicação Diálogos de saberes: Relatos da Embrapa. O livro é o segundo volume da Coleção Povos e Comunidades Tradicionais e será lançado durante o VI Congresso Latino-Americano de Agroecologia, agendado para o período de 12 a 15 de setembro, em Brasília.

São pesquisadores como Terezinha Dias e Fabio Freitas que ajudam a “alimentar” a posição do Brasil como detentor de um dos maiores Bancos Genéticos do mundo, com capacidade para armazenar mais de dois milhões de acessos de origens animal, vegetal e microbiana. Localizado na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, o Banco conta com 15 mil acessos e armazena amostras de sementes a uma temperatura de 20ºC negativos, entre elas aquelas resgatadas junto aos povos indígenas.

Experiências bem-sucedidas como a dos Krahô, como as das etnias do Xingu e outras, que caberiam em algumas centenas de caracteres e comporiam textos ilustrados contando histórias de uma ciência que transforma a vida das pessoas, têm lugar nas Unidades da Embrapa porque há profissionais determinados a inspirar novas gerações a preservar e a respeitar a agrobiodiversidade e seus povos. São cientistas-guardiões.

Novas percepções

Há nove anos, uma equipe multidisciplinar da Embrapa Acre (Rio Branco - AC) atua em ações de pesquisa e transferência de tecnologias junto a populações indígenas de diferentes etnias. Desde 2011, o trabalho acontece na Terra Indígena Kaxinawá de Nova Olinda, localizada na região do Alto Rio Envira, Município de Feijó. O objetivo é contribuir para o fortalecimento da agricultura indígena, conservação de espécies florestais e aproveitamento de recursos naturais para compensação de serviços ambientais, com foco na melhoria da segurança alimentar e geração de renda nas aldeias.

Em sua segunda fase, o projeto “Etnoconhecimento e agrobiodiversidade entre os Kaxinawá de Nova Olinda” envolve profissionais da Embrapa e de instituições parceiras, com distintas formações, incluindo antropólogos, agrônomos, engenheiros florestais, biólogos e geógrafos, entre outras áreas. As atividades buscam contemplar tanto a diversificação dos sistemas produtivos, considerando a tradição agrícola das aldeias e o potencial da floresta, como a valorização dos saberes indígenas.  Devido à diversidade de perfis, a cada projeto as equipes participam de oficina de nivelamento de informações sobre a Terra Indígena, o cotidiano nas aldeias e procedimentos a serem observados na realização das ações.

Segundo o pesquisador Moacir Haverroth, coordenador dos estudos, o trabalho com populações indígenas impõe muitos desafios, por isso, no início, há receios e incertezas, especialmente quanto à receptividade nas aldeias. Entretanto, por ser um processo participativo, onde tudo é feito em conjunto, respeitando a disponibilidade e o ritmo das famílias, a troca contínua de conhecimentos favorece a interação mútua. “Quem vive essa experiência retorna com novas percepções sobre as populações indígenas, essenciais para reduzir o distanciamento da pesquisa em relação à temática. Conhecer a cultura e o modo de vida indígena ajuda a compreender que esses povos têm um jeito particular de viver, se organizar em sociedade e se relacionar com o meio ambiente. Isso nos faz refletir sobre nossa própria vivência”, afirma Haverroth.

Deva Rodrigues e Diva Gonçalves (MTb/RS5297 e Mtb 0148/AC)
Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia e Embrapa Acre

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Mais informações sobre o tema
Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC)
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