Embrapa Amapá
Café com endereço e qualidade
Com a conquista do selo de origem, o produto brasileiro cresce no mercado nacional e internacional
Revelar onde um produto agropecuário foi produzido pode ser um diferencial considerável que remete diretamente à sua qualidade e a características únicas que somente uma determinada região produtora possui. Não por acaso, os selos de Indicação Geográfica (IG) são buscados como poderosas chancelas de qualidade a ponto de alguns se tornarem grifes. É o caso do vinho do Porto, em Portugal, do presunto italiano de Parma e do espumante produzido na região de Champagne, na França. No Brasil, graças ao trabalho da Embrapa e dos produtores rurais da região Sul, os vinhos do Vale dos Vinhedos foram os primeiros produtos nacionais a receber tanto a Indicação de Procedência quanto a de Denominação de Origem, modalidades de IG. O café brasileiro não poderia ficar de fora.
Processos de IG apoiados pela pesquisa científica ganham força nas regiões produtoras e têm contribuído para elevar a qualidade do café brasileiro. A despeito de ser um histórico produtor cafeeiro, o País está apenas começando no que se refere aos processos de identificação de origem de grãos. Até agora, o Brasil possui quatro selos de IG de grãos de café: Cerrado Mineiro, Mantiqueira de Minas (Região da Serra da Mantiqueira de Minas Gerais, no Sul de Minas), Norte Pioneiro do Paraná e Alta Mogiana Paulista. São conquistas recentes e as iniciativas espalhadas por outras regiões produtoras já demonstram que o setor despertou para a importância de demarcar as origens da produção de café diferenciado, de qualidade e atestado com o selo de origem.
A boa notícia é fruto de trabalho organizado e coletivo dos cafeicultores rurais para o reconhecimento de seu território e a delimitação de cada região. A iniciativa conta com apoio de dezenas de instituições de pesquisa, ensino e extensão reunidas no Consórcio Pesquisa Café, coordenado pela Embrapa Café, além de parceiros e incentivo governamental. Para a engenheira-agrônoma Helena Maria Ramos Alves, pesquisadora da Embrapa, essa tendência revela uma mudança cultural, quando o setor produtivo começa a perceber que a diferenciação do café, aliada à história de seu povo, ao modo de cultivo e ao associativismo, podem agregar valor ao produto brasileiro. "A IG é o respaldo legal para o Brasil apresentar no cenário global a imagem de produtor de cafés diferenciados por origens e sabores. Além disso, a geração do conhecimento científico e tecnológico, a proteção e a transformação desse tipo de produto em inovação são essenciais para o desenvolvimento econômico, social e cultural do nosso País. Ao valorizarmos as diferenças, estamos também contrabalançando o lado negativo da globalização", completa.
A conquista do selo expressa que determinada região se especializou e tem capacidade de oferecer um produto diferenciado e de excelência, segundo o gerente-geral da Embrapa Café, o engenheiro-agrônomo Gabriel Bartholo. "Ao atestar a procedência regional, o selo distingue processos de produção e características sensoriais do café produzido na região e reconhece qualidades particulares do produto, agregando-lhe valor de mercado, visibilidade e projeção da região no Brasil e no mundo", detalha. Além disso, o especialista afirma que a IG permite proteção do produto ao reduzir as falsificações. Protege também sua variedade e imagem, a renda do produtor e os direitos do consumidor. Bartholo acredita que isso propicia a fixação do homem no campo, a adoção de práticas sustentáveis e a valorização da tradição regional, do território e do patrimônio cultural. Para ele, a IG garante a manutenção das características e padrões de qualidade do produto e melhora a organização da cadeia produtiva.
O selo pioneiro
A região do Cerrado Mineiro, a primeira produtora de café demarcada no Brasil em 1995, foi também a primeira a obter a Indicação Geográfica para café no País, concedida na modalidade Indicação de Procedência (IP). A região, recentemente, conquistou a inédita Denominação de Origem (DO) para café no País. O novo registro vai além das especificidades do território. Ele valoriza e diferencia ainda mais o café produzido naquela região por ser único e possuir características que somente podem ser obtidas naquele local. Isso envolve não somente fatores naturais como clima, solo, relevo e altitude, mas também fatores humanos e tecnológicos. A soma desses fatores forma o "saber fazer", que distingue o produto daquela região.
A conquista do selo para o café do Cerrado Mineiro foi fruto de muita luta que começou com um entrave comercial internacional. De uma hora para outra, os produtores dessa região perderam o direito de vender o café para a Europa sem a intermediação de uma distribuidora da Espanha, a qual havia registrado a denominação "Café do Cerrado" em seu nome. O caso levou 15 anos para ser resolvido e, hoje, os produtores valorizam cada detalhe em amplo programa de rastreabilidade.
Escaldada pela pendência judicial, a Federação dos Cafeicultores do Cerrado investe pesado na organização dos produtores, em sistemas de certificação, planejamentos estratégicos e marketing. Os esforços tornaram a marca conhecida no País e no exterior. "Construímos uma nova região para um novo mundo do café", declara o presidente da Federação, Francisco Sérgio de Assis.
Atualmente cerca de 300 fazendas estão credenciadas a utilizar o selo de Denominação de Origem. São 55 municípios abrangidos, localizados no Alto Paranaíba, Triângulo Mineiro e Noroeste de Minas, apresentando padrão edafoclimático uniforme com temperatura média de 23ºC. O relevo é plano com altitude variando entre 800 a 1.300 metros, o que possibilita a produção de cafés de alta qualidade.
A Federação representa 4,5 mil cafeicultores em Minas Gerais que trabalham na produção do "Café de Atitude" e produz cinco milhões de sacas de 60 quilos de café por ano. A instituição reúne nove cooperativas, sete associações e uma fundação. Grande parte do café produzido em mais de 160 mil hectares é exportada. Hoje, Estados Unidos, Japão, Bélgica, Alemanha, Canadá e Reino Unido são os principais mercados consumidores do café produzido no Cerrado Mineiro. O volume de café comercializado com o selo de Denominação de Origem chega a 150 mil sacas, com ágio médio de 30 a 50 reais por saca vendida diretamente para Europa, Estados Unidos e Japão.
Inovação tecnológica
Os trabalhos pioneiros de calagem e adubação de solos que permitiram a expansão do cultivo do café em solos de Cerrado foram realizados pelo Instituto Agronômico (IAC) em experimentos na região de Batatais, em ambiente típico de Cerrado no Estado de São Paulo. Pesquisas realizadas nessa região entre 1958 e 1969 com a cultivar Mundo Novo IAC 379-19 indicaram a viabilidade técnica e econômica do cultivo do cafeeiro arábica em solos de baixa fertilidade natural, mediante a aplicação racional de calcário e fertilizante químico. O experimento foi alvo de incontáveis excursões de interessados, de todas as regiões do País, que, nos anos seguintes, iniciaram o plantio de café nos "solos de Cerrado" da região Mogiana Paulista, e, posteriormente, ocuparam com sucesso outras áreas tidas como improdutivas das regiões de Minas Gerais e outros estados vizinhos.
O desenvolvimento da cultura do café em áreas de Cerrado, com relevo plano, incentivou o desenvolvimento de uma cafeicultura cem por cento mecanizada e altamente tecnificada. Pesquisas realizadas pelo IAC na área de café ao longo dos seus 127 anos de existência, com foco no desenvolvimento de cultivares, adequação de adubação, espaçamentos, densidade populacional, sistemas de podas e irrigação, dentre outros, foram fundamentais para o estabelecimento da base tecnológica para a modernização da cafeicultura brasileira. "De forma direta ou indireta essas pesquisas básicas contribuíram significativamente para a cafeicultura brasileira ser o que é hoje, altamente produtiva e considerada uma das melhores do mundo", diz o diretor do Centro de Café do IAC, Gerson Giomo. Na área de qualidade do café, além de cultivares específicas para nichos de mercado, como o Bourbon, Ibairi e Laurina, destacam-se também os estudos de processamento pós-colheita realizados na década de 1960 pela "Seção de Tecnologia Agrícola do IAC", que contribuíram para a consolidação da técnica de processamento denominada hoje "cereja descascado", amplamente utilizada nas principais regiões de produção de café no Brasil.
A mecanização da colheita, com expressiva redução do custo de produção, também nos remete a outra importante contribuição do IAC para o desenvolvimento da cafeicultura brasileira. Os primeiros estudos com colhedeira mecânica de café foram realizados pelo IAC na década de 1970 a partir de uma máquina utilizada na colheita de cerejas. Após os estudos e adaptações preliminares, o projeto foi transferido à iniciativa privada para validação no setor produtivo, culminando com o lançamento da primeira colhedeira de café do mundo em 1979.
A partir de 1997, instituições do Consórcio Pesquisa Café, coordenado pela Embrapa Café, juntaram esforços em projetos multidisciplinares e desenvolveram outras tecnologias inovadoras para a região, naturalmente caracterizada por estiagens prolongadas e solos de baixa fertilidade. Entre as principais tecnologias utilizadas nesse sistema produtivo destacam-se a correção da fertilidade do solo, adubação, irrigação e uso de cultivares melhoradas.
Nos últimos anos, pesquisas realizadas por outras instituições integrantes do Consórcio Pesquisa Café − Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), Universidade Federal de Lavras (Ufla), Universidade de Uberaba (Uniube) e Universidade Federal de Uberlândia (UFU) − também contribuíram para o aprimoramento de técnicas para produção em solos tropicais de Cerrado, possibilitando a utilização da calagem e gessagem para correção da acidez do solo. Foram introduzidas também técnicas de adubação para melhorar a fertilidade do solo da região.
"Podemos dizer que as instituições do Consórcio tiveram papel decisivo para que a cafeicultura do Cerrado viesse a ter hoje o sucesso que tem, pois viabilizaram a produção em nossos solos", disse o superintendente da Federação dos Cafeicultores do Cerrado, Juliano Tarabal. Ele acrescenta que a região do Cerrado Mineiro é reconhecida por ter cem por cento das propriedades mecanizadas, empregar a agricultura de precisão, fazer uso da fertirrigação, quimigação e irrigação subterrânea, entre outras técnicas. A região possui o custo de produção mais competitivo da cafeicultura brasileira. Além disso, a cafeicultura familiar local é também altamente competitiva, realiza mecanização, adota tecnologias e comercializa com apoio da Federação.
Cafeicultura de montanha
Os mineiros também foram pioneiros na conquista de um selo de origem de café para uma microrregião. O selo "Mantiqueira de Minas" identifica desde 2011 o café arábica lá produzido. O selo de Indicação de Procedência (IP) foi conquistado pela Associação dos Produtores de Café da Mantiqueira (Aprocam), entidade representante dos cafeicultores do território. "A microrregião representada pela Aprocam, situada na Serra da Mantiqueira, possui condições especiais de clima e ambientes propícios à produção de cafés especiais. A Serra abriga uma das regiões de maior altitude do Brasil e tem predominância de relevo montanhoso, clima chuvoso no verão e frio e seco durante o período de maturação dos frutos e também durante a colheita, tendo como resultado final uma bebida exemplar", declara Lília Maria Dias Junqueira, gerente administrativa da Associação. O café produzido na microrregião é classificado como especial, com base nos critérios definidos pela Associação Brasileira de Cafés Especiais (Brazil Specialty Coffee Association - BSCA).
Para o vice-presidente da Aprocam, Antônio José Junqueira Villela, apesar de a região ter um microclima excelente para a produção de cafés especiais, a qualidade do grão deve ser garantida por uma série de medidas, como a escolha da cultivar a ser plantada, o tratamento agronômico adequado, a utilização de descascadores de café, a pavimentação dos terreiros e o cuidado na colheita e na pós-colheita. A importância da tecnologia na conquista da Indicação de Procedência foi o reconhecimento da região na produção de cafés especiais caracterizando a notoriedade, que é um dos requisitos para obtenção da Indicação de Procedência.
Agora, a Aprocam está em busca do selo na modalidade Denominação de Origem e conta com o apoio da pesquisa. Nos últimos anos, foram desenvolvidos estudos para encontrar evidências científicas capazes de provar que as características sensoriais do café da Mantiqueira de Minas dependem do meio geográfico e do saber fazer humano.
O papel da pesquisa
Para colaborar com a identificação dos cafés de terroir produzidos na microrregião, estão sendo desenvolvidos projetos pioneiros de pesquisa. O primeiro trabalho focado nessa área, já finalizado, foi coordenado pelo professor Flávio Meira Borém, da Universidade Federal de Lavras (Ufla), instituição participante do Consórcio Pesquisa Café. Intitulado "Protocolo de identidade, qualidade e rastreabilidade para embasamento da Indicação Geográfica dos Cafés da Mantiqueira", o projeto foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Um segundo projeto, aprovado no âmbito do Consórcio Pesquisa Café em 2009, está realizando a caracterização ambiental detalhada de toda a área demarcada. O estudo envolve geotecnologias, e o uso de modelagens matemáticas e validação no campo, com o objetivo de se obter a caracterização detalhada da região. O projeto, intitulado "Distribuição Espacial e Padrões Ambientais dos Cafés Especiais da Microrregião da Serra da Mantiqueira de Minas Gerais por meio de Processamentos Geocomputacionais", é coordenado pela pesquisadora da Embrapa Café Helena Maria Ramos Alves, que participa das iniciativas na Serra da Mantiqueira e em outras microrregiões do Sul de Minas.
Ambos os projetos investigam as relações do cafeeiro com o ambiente e contam com parcerias estratégicas. Para essa caracterização do ambiente, a pesquisadora da Epamig Margarete Marin Lordelo Volpato recolhe os dados de seis estações meteorológicas automáticas instaladas no território demarcado da Mantiqueira de Minas, em diferentes condições de produção de café. De acordo com a pesquisadora, esse detalhamento possibilitará análise comparativa entre a qualidade do café e as condições geográficas e de clima onde é produzido. A partir dos resultados obtidos pelos projetos, está sendo possível conhecer a dinâmica espacial e temporal da cafeicultura regional, estabelecer as relações entre o ambiente e a qualidade dos cafés de alto desempenho sensorial obtidos na região e fornecer a fundamentação científica requerida para a obtenção da Denominação de Origem.
Além da Ufla, participam das pesquisas cientistas do IAC, da Epamig, da Universidade de Brasília (UnB), da Fundação Procafé e da Embrapa Café e Embrapa Meio Ambiente. Ainda há a colaboração dos cafeicultores da região e suas entidades representativas, como a Aprocam, e cooperativas, a exemplo da Cocarive, CoperRita e Coopervass, do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e de instituições públicas como a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG) e Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg).
Especial do Paraná
O café especial produzido no Norte Pioneiro do Paraná recebeu, em 2012, a certificação de Indicação Geográfica, na modalidade Indicação de Procedência. A certificação do Norte Pioneiro como região produtora de cafés especiais é fruto de um trabalho realizado por várias instituições representantes e parceiras da cadeia produtiva do café na região, e orientadas pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
Histórico
Uma das principais conquistas do Projeto de Cafés Especiais, criado em 2006 e ancorado pelo Sebrae (PR), foi a Indicação de Procedência, resultado de trabalho que iniciou com o associativismo dos cafeicultores da região reunidos em torno da Associação de Cafés Especiais do Norte Pioneiro do Paraná (Acenpp) e, depois, da Cooperativa de Cafés Especiais Certificados do Norte Pioneiro do Paraná (Coenpp). A principal finalidade do projeto, que culminou na certificação, foi a mudança dos paradigmas de produção e de comercialização, com foco na qualidade e no consumidor. Para chegar à IG, os produtores percorreram um longo caminho, que incluiu pesquisas e definição dos padrões de qualidade, da articulação com parceiros, além de capacitações. "A busca da qualidade é um processo contínuo. A certificação é um meio, mas o fim deve ser a qualidade, a comercialização e a agregação do valor ao produto, para melhorar a realidade do homem do campo", afirma Odemir Capello, consultor do Sebrae (PR) e gestor do Projeto de Cafés Especiais.
O selo é a conquista de um trabalho de 15 anos dos cafeicultores do norte paranaense e também de muita atividade de pesquisa. Boa parte dos 40 anos de história do Instituto Agronômico do Paraná (Iapar) foi dedicada ao desenvolvimento do café. Esses trabalhos se intensificaram em 1997, com a Criação do Consórcio Pesquisa Café. Desde então, a produtividade média do estado saltou de sete para 24 sacas de café beneficiado por hectare e a qualidade do grão foi aprimorada. "É um somatório de tecnologias, desde a adubação até o pós-colheita e a caracterização do produto final. O Consórcio Pesquisa Café foi o agente agregador em todo o processo", afirma o diretor técnico-científico do Iapar, Armando Androcioli, para quem há outras regiões do Paraná com vocação para esse tipo de certificação.
As mudanças contaram ainda com um intenso trabalho de transferência de tecnologia realizado pela Emater do Paraná, a partir da década de 2000. Milhares de cafeicultores foram instruídos a produzir de acordo com as boas práticas, como aquisição de mudas de qualidade, adoção de técnicas de proteção do solo, adubação, adensamento, redução de defensivos químicos nas lavouras, controle de pragas e doenças, poda, colheita e pós-colheita, higiene e rastreabilidade da produção. Os produtores também incorporaram ao processo de produção as regras da legislação ambiental e de responsabilidade social.
Pesquisa
O aprimoramento da qualidade do café contou com a pesquisa científica. Especialistas do Iapar fizeram testes para avaliar as características regionais expressas na qualidade do café, bem como análise bioquímica e sensorial. Os estudos comprovaram a vocação da região para a produção de cafés finos, apresentando condições climáticas propícias com temperaturas médias anuais entre 19° e 22°C, resultado da combinação da altitude
(de 500 a 900 m) e latitude (23° e 24°S). Essas condições permitem a fixação mais intensa dos atributos sensoriais ao fruto e conferem excelente caracterização da bebida, como doçura intensa, suavidade, corpo equilibrado, acidez cítrica agradável e marcante sabor residual, com aroma variando entre chocolate, caramelo, floral, cítrico e frutado. De acordo com o presidente da Acenpp, Luiz Roberto Saldanha, a IG é uma ferramenta de comunicação com o mercado, reconhecida em todo o mundo. Ele explica que os consumidores, cada vez mais exigentes, querem saber a origem do produto, como foi produzido e a qualidade do grão. "A Indicação Geográfica, combinada à estruturação associativa da comercialização e do rigoroso controle de qualidade implantado no Projeto de Cafés Especiais, responde às três perguntas e certifica a procedência, o processo de produção e os atributos únicos da bebida", diz.
A analista técnica de Acesso à Inovação e Tecnologia do Sebrae Nacional, Hulda Oliveira Giesbrecht, avalia que a distinção é uma chancela que confirma características exclusivas ao café do Norte Pioneiro do Paraná. "A Indicação Geográfica comprova que o produto daquela região é único. Além disso, os produtores que estão naquela área assumem o compromisso de continuar produzindo da mesma forma para manter a qualidade", analisa Hulda. Ela acrescenta que a certificação promove uma melhoria contínua, agrega valor ao produto, contribui para a redução de custos e o aumento de produtividade, interferindo em toda a cadeia produtiva.
Hoje os 7,5 mil cafeicultores da região são responsáveis pela produção de 1,1 milhão a 1,3 milhão de sacas beneficiadas por ano, o que corresponde em média a 50% da produção paranaense de café. A safra estadual oscila entre 1,6 e 2 milhões de sacas por ano. A região − que abrange 45 municípios − é a primeira do Paraná a receber a distinção.
O sucesso de Alta Mogiana
Uma ampla faixa de terra no nordeste do Estado de São Paulo é uma das mais tradicionais regiões produtoras de café do País. Desde o fim do século XIX, a região compreendida por Franca e mais 11 municípios tinha suas sacas de café escoadas pelos trilhos da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, o que lhe rendeu o nome de Alta Mogiana. Essa região, reconhecida tradicionalmente pela qualidade do café, obteve em 2013 o selo de Indicação Geográfica na modalidade Indicação de Procedência, gerenciado pela Associação dos Produtores de Cafés Especiais da Alta Mogiana (AMSC).
A chave do sucesso para a conquista do selo de Indicação Geográfica para a região foi a contratação de consultores, a capacitação de cafeicultores, desde o plantio, colheita e especialmente processamento pós-colheita, até a classificação e degustação de café e a organização dos produtores.
A Alta Mogiana é uma das regiões do Brasil que produz cafés finos, conhecidos como de bebida mole. Trata-se de cafés encorpados, talhados para o preparo expresso, de baixa acidez, adocicados, de prolongado retrogosto com notas suavemente achocolatadas. Favorecida pela condição climática, a região produz café da espécie arábica, sendo as variedades mais cultivadas Catuaí Vermelho, Catuaí Amarelo, Mundo Novo, Bourbon Amarelo e Obatã IAC 1669-20, desenvolvidas pelo Instituto Agronômico (IAC), participante do Consórcio Pesquisa Café. Os cafés são caracterizados pelo corpo cremoso aveludado, acidez média equilibrada e retrogosto prolongado com doçura de caramelo e notas de chocolate amargo. A região é tradicional produtora dos melhores cafés paulistas em virtude de sua altitude, clima favorável e larga experiência na produção de cafés finos.
O registro da região de Alta Mogiana abrange os municípios de Pedregulho, Franca, Cristais Paulista, Altinópolis, Batatais, Jeriquara, Patrocínio Paulista, Rifaina, Restinga, São José da Bela Vista, Itirapuã e Ribeirão Corrente.
Conhecimento compartilhado
A produção de café no Brasil, nos últimos anos, tem sido responsável por cerca de um terço do mercado mundial. Ou seja, de cada três xícaras de café consumidas no mundo, uma é brasileira, o que faz do País o maior produtor e exportador do mundo e segundo maior consumidor.
Esse protagonismo é resultado da união de esforços de cerca de cem instituições de pesquisa, ensino e extensão rural integrantes e parceiras do Consórcio Pesquisa Café, coordenado pela Embrapa Café, com atuação nas principais regiões produtoras de café no País e, principalmente, de cafeicultores que adotaram as tecnologias desenvolvidas e do trabalho da extensão rural. Desde sua criação, há 18 anos, o Consórcio tem mudado positivamente o cenário da cafeicultura nacional, em sintonia com o setor produtivo, agroindustrial e exportador. O objetivo foi estabelecer os princípios e procedimentos para desenvolver pesquisa de forma integrada e participativa, visando estabelecer canais formalizados e eficazes de intercâmbio científico e tecnológico entre as instituições e congregar todos os recursos disponíveis em busca de melhores e mais benefícios para o setor cafeeiro. A criação da Embrapa Café, em 1999, para coordenar o Programa Pesquisa Café completou o rol das instituições envolvidas na transformação recente da cafeicultura brasileira.
Atualmente o Consórcio Pesquisa Café conta com noventa e duas instituições, sendo que as instituições fundadoras foram: Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA), Embrapa, Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), Instituto Agronômico (IAC), Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro (Pesagro-RIO), Universidade Federal de Lavras (Ufla) e Universidade Federal de Viçosa (UFV). Esse arranjo estimula o compartilhamento de conhecimento e tem permitido a integração de pesquisadores das instituições consorciadas, para geração de tecnologias em sintonia com os desafios do agronegócio café brasileiro.
A marca da notoriedade
O registro de Indicação Geográfica (IG) é um bem coletivo conferido a produtos ou serviços que são característicos de um local de origem, o que lhes atribui reputação, valor intrínseco e identidade própria, além de os distinguir em relação aos similares disponíveis no mercado por sua qualidade, especialidade e tipicidade. No Brasil, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), órgão do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), é a instituição responsável por conceder o registro e emitir o certificado para associações e cooperativas representativas dos cafeicultores.
As IGs são reguladas pela Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/1996) e podem ser na modalidade Indicação de Procedência (IP) ou Denominação de Origem (DO). São dois registros diferentes, que não possuem uma hierarquia ou ordem de solicitação, e que geralmente são representados nos produtos por um selo. O registro de Indicação de Procedência garante a tradição histórica da produção do café em certa região geográfica específica. Já a Denominação de Origem indica que as características de qualidade e sabor do café se devem exclusivamente ao ambiente, meio geográfico, incluindo fatores naturais e humanos, em que é produzido e a processos e tecnologias utilizados naquele território.
Políticas públicas
Na lista de produtos brasileiros com possibilidade para o registro de IG, o café tem merecido destaque por sua história e potencial de valor agregado. Está em fase de elaboração, no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), um projeto estruturante para IGs de produtos agropecuários brasileiros e o café é o tema-piloto, a partir do qual trabalham pesquisadores do Consórcio Pesquisa Café e integrantes de Grupo de Trabalho especial formado para avaliar o panorama relacionado às potencialidades da espécie.
Tanto o Mapa quanto o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) organizam políticas para o fortalecimento de atividades com potencial de demarcação e para a formação de profissionais sobre os procedimentos envolvidos em processos de IG. A atenção atribuída à IG confirmou-se em 2005, quando o Mapa criou a Coordenação de Incentivo à Indicação Geográfica de Produtos Agropecuários (CIG), ligada à Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo (SDC).
Cultivares utilizadas na região
As cultivares mais utilizadas no Cerrado Mineiro, ocupando cerca de 90% das áreas cultivadas, são Catuaí Vermelho IAC 99, Catuaí Vermelho IAC 144, Catuaí Amarelo IAC 62, Mundo Novo IAC 376-4, Mundo Novo. IAC 379-19, Bourbon Amarelo IAC J9, Bourbon Amarelo IAC J10 e Acaiá IAC 474-19, desenvolvidas pelo IAC. Além dessas, os produtores locais utilizam Topázio MG 1190, Rubi MG1192, Catiguá MG2 e Acaiá Cerrado MG 1474, lançadas pela Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) em conjunto com a Universidade Federal de Lavras (Ufla) e Universidade Federal de Viçosa (UFV), e Catucaí Amarelo 2SL e Acauã, lançadas pelo Procafé, instituições integrantes do Consórcio Pesquisa Café. De acordo com o gerente-geral da Embrapa Café, Gabriel Ferreira Bartholo, os produtores locais utilizam também, em menor escala, cultivares melhoradas resistentes à ferrugem, como a cultivar IAC 125 RN, que trazem a vantagem de reduzir custos com a aplicação de defensivos, diminuindo o impacto ambiental.
Potencial genético
A região Mantiqueira de Minas destaca-se no cenário nacional pela alta qualidade dos cafés produzidos, sendo uma das mais premiadas no Brasil. As cultivares mais utilizadas nessa região, ocupando cerca de 90% das áreas plantadas, são Bourbon Amarelo, Bourbon Vermelho, Catuaí Amarelo, Catuaí Vermelho, Mundo Novo, Acaiá e Catucaí. O predomínio é de cultivares geradas pelo IAC, que desenvolve trabalhos de melhoramento genético do cafeeiro arábica desde 1932. A cultivar Bourbon Amarelo sempre está presente nos lotes finalistas de concursos de qualidade, confirmando seu elevado potencial genético para a produção de cafés especiais no Brasil.
A microrregião está localizada no Sul de Minas Gerais e congrega 25 municípios. São cerca de 7,8 mil produtores, 89% deles agricultores familiares, segundo dados da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater). A produção anual é de pouco mais de 1,3 milhão de sacas de café colhidos em mais de 69 mil hectares. A cultura do café gera, na região, aproximadamente 150 mil empregos diretos e indiretos. Os grãos produzidos são vendidos, principalmente, para o mercado externo como Japão, Estados Unidos e Europa.
Mundo Novo e Catuaí
O diferencial da cultivar Mundo Novo e suas diversas linhagens é a alta produtividade, longevidade e facilidade de adaptação em praticamente todas as regiões cafeeiras do Brasil. "Desde o seu lançamento, a Mundo Novo apresentou uma produtividade de até 200% a mais que a Típica, introduzida no Brasil em 1727", diz o pesquisador colaborador do Instituto Agronômico (IAC), Luiz Carlos Fazuoli.
Em 1972, chegam ao campo as cultivares Catuaí Vermelho e Catuaí Amarelo, resultantes de cruzamento da cultivar Mundo Novo com a cultivar Caturra Amarelo – planta de porte baixo e excelente qualidade de bebida. Após intensivo trabalho de melhoramento genético obteve-se a cultivar Catuaí, que reúne as características de produtividade e vigor da Mundo Novo e o porte baixo da Caturra, constituindo uma verdadeira revolução na cafeicultura brasileira pela sua ampla capacidade de adaptação às mais diversas regiões cafeeiras do País e, principalmente, por facilitar as operações de colheita decorrentes de seu porte baixo.
As cultivares Mundo Novo e Catuaí Vermelho são consideradas desbravadoras do Cerrado Mineiro e hoje se encontram espalhadas pelo Brasil afora, estando presentes em cerca de 90% da área cultivada com café arábica no País. É importante destacar que essas cultivares possuem de 50 a 75% de Bourbon na sua formação genética, apresentando, portanto, elevado potencial para produzir cafés de altíssima qualidade.
Flávia Bessa
Embrapa Café
Carolina Costa
Embrapa Café
Cibele Aguar
Universidade Federal de Lavras - Ufla
Giovana Chiquim
Sebrae-PR
Thaci Martins
Associação dos Produtores de Cafés Especiais da Alta Mogiana - AMSC
Arte: Fábio Sian Martins
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Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC)
www.embrapa.br/fale-conosco/sac/