Pequenas agricultoras: abelhas Mandaguari cultivam fungos para alimentar suas larvas
Pequenas agricultoras: abelhas Mandaguari cultivam fungos para alimentar suas larvas
Quando pensamos em fungos, geralmente nos vêm à mente microrganismos que fazem mal ao ser humano e a outras formas de vida. Porém, nem sempre é assim. Os fungos podem ser visíveis a olho nu, e alguns são até bem grandes, como os cogumelos, e ter ação benéfica, como é o caso das leveduras usadas na fermentação de pães, vinhos e cervejas.
O lado nocivo desses seres foi a primeira interpretação do pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental Cristiano Menezes, quando se deparou com os fungos durante seu doutorado. Na época, ele estudava a criação de abelhas-rainhas da espécie Mandaguari em laboratório na Universidade de São Paulo (USP). O objetivo era formar novas colônias e produzi-las em larga escala para atender à demanda da agricultura.
As orientações iniciais para esse procedimento vieram de outro estudo, feito há mais de 40 anos, conduzidos pela pesquisadora brasileira Conceição Camargo. Ela desenvolveu uma técnica de alimentação para a criação de rainhas ao perceber que era a quantidade de alimento dado à larva fêmea que determinava o tornar-se rainha ou operária. Mesmo conhecendo a técnica, a taxa de sucesso dos experimentos era muito baixa, de uma rainha para 40 tentativas.
Menezes reproduziu esse processo com o objetivo de melhorá-lo. Foi quando notou que fungos filamentosos (do gênero Monascus) surgiam nos ninhos, e as larvas não vingavam. Foram feitos inúmeros testes para eliminar esses microrganismos. "Levei mais de um ano combatendo o fungo como se fosse uma doença que atacava as abelhas. Tentava exterminá-lo, mas em vão", desabafa.
Durante muito tempo, Menezes acreditou que o fungo era o responsável pela morte das larvas: "A cada mês, tentávamos uma nova criação, mudando uma coisa aqui, outra ali, até que retomamos os trabalhos da Conceição Camargo para ver se tinha algum procedimento usado por ela que pudesse nos ajudar". E foi ali que encontrou um detalhe importante. Em um determinado momento da criação, era preciso diminuir a umidade. "Fizemos vários testes usando solução concentrada de diversos tipos de sais", completa. Cada sal proporciona umidade num nível diferente. O sal de cozinha (NaCl), por exemplo, mantém a umidade em um nível de 75% em temperatura ambiente. Um outro tipo, o KCl, a mantém em 85%.
O sucesso foi certeiro: uma taxa altíssima de rainhas – mais de 90% – foi obtida quando, no sexto dia da larva, a umidade era reduzida para 75%, o suficiente para controlar o fungo. Então Menezes entendeu: se o fungo existir em abundância, ele é prejudicial à criação. Todavia é fundamental que o microrganismo esteja presente em quantidade controlada. "Exatamente! Na criação artificial, quando deixamos a umidade muito alta, o fungo cresce descontroladamente e mata a larva. Quando diminuí- mos a umidade, ele não cresce de forma tão rápida e a larva consegue comê-lo", explica. Daí veio a grande descoberta: a larva da abelha se alimenta do fungo.
Para testar a hipótese, a equipe abriu uma célula de cria que tinha bastante fungo e em que a larva estava também presente, colocou uma lupa e filmou o que acontecia em seu interior ao longo de um dia. Então foi possível observar claramente que a larva estava comendo o fungo
Ou seja, essa espécie de abelha-sem-ferrão nativa do Brasil cultiva seu próprio alimento. Esse é o primeiro registro de simbiose entre uma espécie social e um fungo cultivado. "Já sabíamos da existência de simbiose entre espécies de formigas e cupins com fungos cultivados em seus próprios ninhos, mas entre abelhas essa relação ainda era desconhecida", revela o pesquisador.
O fungo é encontrado no cerume, que é o material de construção dos ninhos composto por cera e resinas. Ele é usado para construir as células de cria, onde são produzidas as novas abelhas da colmeia. Depois de pronta, as operárias preenchem cada célula com um alimento líquido. A rainha deposita o ovo, e as operárias fecham a célula. Depois de alguns dias, a larva nasce e é aí que aparece o fungo, que já estava no cerume num estado "dormente". Quando em quantidade controlada, ele serve de alimento durante esse estágio da vida do inseto e desaparece completamente até o sexto dia após o nascimento da larva.
O cerume da célula velha é reciclado para construir novos ninhos. É assim que o fungo é levado de uma colmeia à outra, no material usado na composição de cada uma das células de cria. Mas o interessante é que ele só se prolifera quando entra em contato com o alimento líquido fornecido às larvas.
A partir dessa descoberta, tornou-se possível produzir rainhas em larga escala em laboratórios. "Agora esse já não é mais o problema", explica Menezes. "Estamos estudando o sistema de multiplicação de colmeias ainda com o mesmo objetivo: produzi-las em larga escala para alugar ou vender e assim atender às necessidades de polinização dos agricultores", conta o pesquisador sobre o estágio atual de seu trabalho.
O pesquisador faz uma última reflexão sobre a descoberta da simbiose entre abelhas e fungos: "Agora sabemos que as larvas precisam do fungo para sobreviver". Isso significa que, apesar de os fungicidas não matarem diretamente as abelhas, eles podem prejudicar a colmeia por impedir que as larvas se desenvolvam por falta de alimento. Esse é um assunto que ainda precisa ser mais bem investigado, mas estudos feitos nos Estados Unidos mostram que os produtos aplicados nas lavouras podem afetar os microrganismos naturais desses insetos, que são importantes para manter seu sistema imunológico ativo. "Afetando a abelha, estamos prejudicando a própria agricultura. Por isso, abrimos uma nova linha de pesquisa para entender os danos que os agrotóxicos podem causar aos microrganismos benéficos dos organismos não alvos", anuncia Menezes.
Juliana Miura
Secretaria de Comunicação da Embrapa - Secom
Mais informações sobre o tema
Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC)
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