26/07/16 |   Natural resources

Agricultura de montanha em três histórias

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Photo: Clodoaldo Leites Pinheiro

Clodoaldo Leites Pinheiro -

De geração a geração 

A estratégia de agregação de valor das cadeias produtivas de regiões montanhosas deve contribuir para o desenvolvimento socioeconômico, minimizar e gerir os impactos da atividade agroindustrial sobre o meio ambiente e valorizar o acesso aos conhecimentos tradicionais de suas comunidades e da produção primária local. É o que preconiza a perspectiva de Zoneamento Agroindustrial. "Nas regiões de montanha, o Zoneamento Agroindustrial deve diagnosticar as formas de produção e seus impactos sobre o meio ambiente. Prever acessos aos insumos tecnológicos para dimensionamento de agroindústrias, além de avaliar as questões sociais, econômicas culturais e ambientais", afirma o pesquisador Fénelon do Nascimento Neto, pesquisador da Embrapa Agroindústria de Alimentos.

O Zoneamento Agroindustrial pode contribuir tecnicamente, por exemplo, com a elaboração de estratégias de desenvolvimento rural para a agregação de valor a produtos tradicionais. Um exemplo dessa perspectiva é o trabalho iniciado no âmbito do projeto "Caravana Tecnológica para a Agricultura Familiar" pela equipe de Transferência de Tecnologia da Embrapa Agroindústria de Alimentos. Uma roda de conversa com mais de 20 participantes, realizada em novembro de 2015, explorou três produtos tradicionais das famílias do Município de Nova Friburgo (RJ): a broa feita de fubá de milho branco com legumes, o doce de abóbora gila e a chimirra, um tipo de queijo com consistência semelhante à de um cottage.

Fruto de convivência e de prosa comunitárias da região de Três Picos, a produção da broa e seu consumo com a chimirra e o doce de abóbora gila representam uma tradição passada de geração a geração, e marcam ocasiões especiais como casamentos, velórios e festejos religiosos. Segundo relatos, surgiu a partir de uma tarefa coletiva e comunitária. Enquanto os homens se reuniam para o "ajuntamento" - um tipo de força-tarefa - nas lavouras, as mulheres se reuniam para fazer a broa. "A receita varia de acordo com o que há no quintal: batata-doce, chuchu maduro, inhame e cará. O fubá caseiro de milho branco obtido em moinho de pedra não pode faltar. O melhor é usar os produtos de casa e mexer com a mão. E, quanto mais batata-doce na massa, mais gostosa e consistente fica a broa", diz a produtora rural Leonor da Silva Correa Madriaca, mais conhecida como Dona Dodoca, que tem 69 anos e aprendeu a fazer a broa com a sua avó em forno a lenha, ainda quando criança. Hoje, ela vende a broa tradicional para vizinhos e para turistas. 


Tradição aliada à tecnologia

Em 1875, quando chegaram para colonizar a Serra Gaúcha, os imigrantes italianos se depararam com condições de relevo acidentado, com altitudes de até 800m, o que lembrava as condições de sua pátria de origem. Entre as diversas atividades de cultivo, começaram a consolidar a produção de uvas labruscas, como a cultivar ‘Isabel', que são mais rústicas e tolerantes, do ponto de vista fitossanitário, às condições de clima úmido da região. Além do plantio e da colheita da uva, também usaram seus conhecimentos para a elaboração do vinho para consumo próprio. O saber fazer italiano deu tão certo na região que, em pouco tempo, além de abastecer os imigrantes, o excedente já era vendido e chegava a outros estados brasileiros.

Passados 140 anos da chegada dos imigrantes italianos, a excelência do vinho elaborado na Serra Gaúcha aumentou. Novas cultivares de uvas – as  chamadas viníferas, como a ‘Cabernet Sauvignon' ou ‘Riesling Itálico' – foram  sendo plantadas, outras tecnologias adotadas, instalações modernizadas e novos conhecimentos agregados. Hoje, com centenas de medalhas conquistadas nos principais concursos de vinho do mundo, reconhecimento obtido  com base em sessões de degustações às cegas, os vinhos nacionais  já são exportados para países como Colômbia, Estados Unidos, Reino Unido, China e Alemanha.

Segundo Loiva Ribeiro de Mello, pesquisadora da Embrapa Uva e Vinho e coordenadora técnica do Cadastro Vitícola do Rio Grande do Sul, hoje a vitivinicultura nacional está presente em vários estados e regiões brasileiras, mas a Serra Gaúcha ainda concentra 90% da produção de uvas destinadas à agroindústria do suco e do vinho, sendo responsável pela produção de 876.286 toneladas, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). "Mesmo com este grande volume, a produção continua sendo essencialmente de produtores da agricultura familiar, pouco mecanizada devido à topografia acidentada", pondera.

A implementação das Indicações Geográficas de Vinhos Finos, com destaque para a Serra Gaúcha no Brasil, é apontada como um divisor de águas na organização da produção nacional, tanto para pequenos produtores familiares quanto para grandes empresas. "De forma pioneira, no início dos anos 1990, a Embrapa trabalhou o conceito de vinhos com Indicação Geográfica", avalia Jorge Tonietto, pesquisador da Embrapa Uva e Vinho e uma das maiores autoridades no tema no Brasil.

Os vinhos das regiões demarcadas na Serra Gaúcha reportam ao modelo da Itália, país repleto de indicações geográficas, e mostram o complexo nível de organização da produção e qualidade dos vinhos brasileiros. Além de possibilitar a oferta de produtos certificados, a conquista da Indicação se reflete no desenvolvimento do território, promovendo a agregação de valor aos produtos e valorizando a vitivinicultura com um patrimônio cultural. 


Conservação dos recursos naturais 

Localizado em uma das poucas áreas de montanhas do bioma Pampa e englobando parte de oito municípios do Rio Grande do Sul, o território do Alto Camaquã é uma área tradicionalmente ocupada por pecuaristas familiares. Diferentes fatores, como o terreno ondulado e o isolamento em relação a centros maiores, possibilitaram a manutenção de um modo de produção que tem como base a utilização racional dos recursos naturais e, por mais de 200 anos, o desenvolvimento de pecuária sem degradar o meio ambiente.  

Um projeto desenvolvido pela Embrapa Pecuária Sul está contribuindo com a manutenção desse modelo e também para valorizar a produção da região. Iniciado há cerca de oito anos, o Projeto de Desenvolvimento Territorial do Alto Camaquã tem como base o pressuposto de que os produtores podem conquistar nichos de mercado e agregar valor aos seus produtos a partir da valorização do ambiente e do modo de produção. 

Para o pesquisador da Embrapa Pecuária Sul Marcos Borba, idealizador do projeto, a ideia inicial, então, foi mostrar aos produtores que eles estavam em um local diferenciado, que alia a conservação dos recursos naturais com produtos únicos, e com possibilidades de conquistar mercados que reconheçam o valor dessa produção. 

O trabalho realizado pela Embrapa promoveu a organização dos produtores, que culminou com a fundação, em 2009, da Associação para o Desenvolvimento Sustentável do Alto Camaquã (Adac). Englobando 22 associações de produtores locais, uma das estratégias da Adac foi a criação de uma marca coletiva para a comercialização de seus produtos, em especial a carne de cordeiro. Por meio de alianças com frigoríficos da região, os produtores estão abatendo os animais e comercializando com uma remuneração maior que os mercados tradicionais. O objetivo é que a marca Alto Camaquã transmita o modo de produção da região, mantendo os princípios básicos que nortearam o início do projeto.

"O fato de regiões como essa terem permanecido à margem de modelos convencionais de desenvolvimento permitiu a conservação de uma série de elementos que, no mundo atual, onde começa a haver demanda por outros serviços, produtos e formas de produção, que privilegiam a qualidade e não a escala, lhes garantem um potencial enorme", afirma Borba.

Aline Bastos
Embrapa Agroindústria de Alimentos

Viviane Zanella
Embrapa Uva e Vinho

Fernando Goss
Embrapa Pecuária Sul

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