11/10/16 |   Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação

Estudo na serra fluminense mostra impactos dos deslizamentos ocorridos em 2011

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Foto: Ana Lucia Ferreira

Ana Lucia Ferreira -

Durante quase quatro anos, 800 amostras de solo foram coletadas em 105 pontos distintos de Campo Coelho, distrito de Nova Friburgo na região serrana do Estado do Rio de Janeiro. A área de 11 hectares é representativa das regiões da serra atingida pelos deslizamentos no ano de 2011, por isso, pesquisadores a escolheram para avaliar as alterações provocadas pela tragédia e concluíram que as perdas poderiam ser bem mais sérias e, por pouco, a localidade não se transformou em um grande areal.

"O objetivo principal do trabalho é orientar os agricultores quanto à adoção correta de práticas de manejo do solo e assim diminuir o impacto nas áreas vulneráveis a acidentes ambientais", conta a pesquisadora da Embrapa Agrobiologia Adriana Aquino. A especialista explica que, além de ter sido uma das áreas mais atingidas pelas enchentes e quedas de barreiras em 2011, Campo Coelho apresenta elementos representativos do problema na região.

Segundo Adriana Aquino, como não seria possível fazer uma avaliação em todos os locais afetados pela tragédia, a pesquisa contemplou uma área que servirá de modelo para novas ações na região. A pesquisadora atua no Núcleo de Pesquisa e Treinamento para Agricultores (NPTA), em Nova Friburgo, e há quase uma década desenvolve estudos que têm como objetivo reduzir os impactos da atividade agrícola no meio ambiente e consequentemente tornar a agricultura mais sustentável.

Os resultados das análises de fertilidade do solo de Campo Coelho constataram que não havia padrão definido para a localidade. "Os resultados estavam em alguns casos subestimando e em outros superestimando os teores de nutrientes no solo", revela Aquino. E, na tentativa de retomar a produção como no período anterior à tragédia, os agricultores manejavam as lavouras com doses elevadas de fertilizantes sintéticos e cama de aviário, mas sem alcançar a mesma produtividade de antes.

Mesmo em áreas onde os resultados indicavam altos teores de nutrientes, havia problemas e as lavouras de hortaliças dos oito agricultores familiares ali instalados apresentavam produtividade bastante irregular, apesar do uso acentuado de adubos. "Ficou claro que não bastava recuperar a fertilidade química dos solos, mas também a fertilidade física e biológica", analisa a pesquisadora. Para iniciar a recuperação,  pesquisadores da Embrapa que atuam na Região Serrana Fluminense optaram por fazer uma avaliação dos atributos químicos, físicos e biológicos daquele solo.

O engenheiro-agrônomo Fábio Rizzo explica que o solo é bastante heterogêneo e que há uma variação enorme tanto na textura, quanto na densidade e na granulometria. A área mais baixa do terreno que recebeu mais sedimentos é bastante arenosa, enquanto a parte superior concentra um solo argiloso. "Em algumas áreas foram encontrados 700 gramas de areia por quilo. E apesar de existirem ilhas de sedimentos bastante grosseiros, o solo não é pobre.", pontua Rizzo, que é bolsista de doutorado da Embrapa Agrobiologia e da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

De acordo com o agrônomo, que foi o responsável pelas análises das características físicas e químicas do solo, não há como falar em infertilidade porque há pontos com alta concentração de fósforo e carbono, importantes nutrientes para a lavoura. O resultado deste estudo está concentrado em 31 mapas que revelam as características e a variabilidade do solo da localidade. Esse material já está servindo de base para a indicação e adaptação de técnicas sustentáveis

Ednaldo Araújo, pesquisador da Embrapa Agrobiologia especialista em manejo do solo, explica que, após esta caracterização, os cientistas buscam agora entender qual a variabilidade e procuram fazer recomendações específicas para cada parte da lavoura. Segundo Araújo, a pesquisa já identificou técnicas que permitem a recuperação mais rápida do solo e que garantem a sustentabilidade ambiental e o retorno econômico para os agricultores. "Uma vez que já se conhece as características físicas e químicas, é possível readequar o manejo do solo e obter boa produtividade com menor custo", complementa.

O pesquisador ressalta que é importante disponibilizar a quantidade adequada de adubo para não haver perdas e contaminar os recursos naturais. "Além de ser um gasto desnecessário, se os produtores continuarem colocando adubo indiscriminadamente, esse excesso de nutrientes, principalmente o nitrogênio, pode contaminar o lençol freático por meio da lixiviação", explica o Araújo. 

Para as áreas identificadas com deficiência de carbono, ao invés de altas doses de adubo, os pesquisadores estão avaliando o uso de plantas que acumulam este nutriente na própria área, como as leguminosas e as gramíneas. "Por serem plantas rústicas, as gramíneas, por exemplo, vão conseguir penetrar no substrato e aumentar a porosidade, fazendo com que essa área degradada se recomponha mais rapidamente", revela Araújo.

Já é de conhecimento da ciência que, ao utilizar apenas uma única espécie, os nutrientes do solo saem somente de uma camada, enquanto  com a diversificação são exploradas diferentes camadas, evitando a perda. Por isso, os pesquisadores também estão avaliando o uso diversificado de plantas para recuperar o solo. A intenção é ver o quanto se consegue ganhar nessas áreas onde houve modificação do solo.

Com o objetivo de reduzir o escoamento superficial e o arrastamento de material das áreas produtivas, os pesquisadores estão avaliando o plantio direto e o uso de cobertura do solo. Algumas espécies já conhecidas estão sendo testadas e avaliadas no campo, como a aveia-preta, que apresentou boa adaptação às condições agroambientais e vem contribuindo para a reconstrução da fertilidade nas áreas que apresentam alto teor de areia. Os estudos agora estão voltados para identificação da época ideal de corte da gramínea, de forma que não interfira no aporte de biomassa.

Visando a diversificar o uso dessas plantas de cobertura na região, os pesquisadores também estão testando diferentes espécies de leguminosas. Uma delas é o tremoço, que, além de ser adequada ao cultivo de inverno − época em que há maior disponibilidade de área nas lavouras −, é uma planta que agrega bastante matéria orgânica no solo e incorpora nitrogênio ao sistema.

Fauna: indicador de qualidade do solo

Para avaliar a qualidade do solo em Campo Coelho, os pesquisadores contam também com um exército de minhocas, gongolos (piolho-de-cobra), formigas e outros seres vivos que compõem a fauna do solo. Estudando o comportamento desses pequenos animais, considerados ótimos indicadores de qualidade, os pesquisadores pretendem comparar as áreas impactadas com as que estão sendo manejadas com técnicas mais adequadas à região, como adubação verde e cultivo mínimo.

A bióloga Sandra Lima, bolsista de pós-doutorado da UFRRJ e Embrapa, revela que os resultados preliminares indicam que a fauna está se recuperando nos locais onde estão sendo utilizadas práticas mais sustentáveis. Ela acredita que o fato de os agricultores já estarem cultivando a aveia-preta em algumas lavouras provavelmente está favorecendo a fauna. "Os valores de diversidade já estão compatíveis com áreas de florestas próximas", comenta a bióloga.

Esse estudo, iniciado em 2015, permitirá conhecer a diversidade de organismos e a sua contribuição para melhorar a qualidade do solo. Lima explica que alguns grupos de seres vivos participam diretamente de processos que contribuem para a qualidade do solo, como a fragmentação de resíduos vegetais, a qual está relacionada com a decomposição e ciclagem de nutrientes. "Por outro lado, outros grupos podem influenciar diretamente na estrutura do solo por executar atividades como a construção de ninhos e galerias. Por isso, é tão importante manter uma fauna bastante diversificada", complementa a bióloga.

Algumas práticas favorecem a manutenção de pequenos seres vivos no solo, enquanto outras são danosas à diversidade. A especialista conta que todas as áreas da pesquisa são cultivadas com aveia-preta, com diferentes tempos de adoção. "Ao final do estudo, pretendemos aferir qual a contribuição do uso desse adubo verde para a promoção da diversidade de organismos da fauna do solo", finaliza.

Montains 2016

Esses estudos da Embrapa foram apresentados por pesquisadores da Embrapa na semana passada durante o X European Mountain Convention - Mountains 2016, em Bragança, Portugal. O evento reuniu cientistas, gestores, agricultores e outros atores dos espaços de montanha provenientes de todas as regiões do mundo para partilhar experiências e discutir soluções de desenvolvimento sustentável. 

De acordo com a pesquisadora Adriana Aquino, o Mountains foi uma oportunidade para interagir com outros países que pesquisam o tema. "Reconheço que esse evento foi um marco para o Brasil com grande perspectiva de termos programas governamentais voltados especificamente para o uso sustentável dos ambientes de montanha", argumenta a pesquisadora. Durante o Mountains, foi lançado o LUMONT, uma rede de investigação dos países de língua portuguesa, da qual o Brasil faz parte.

A Embrapa e a agricultura de montanha

As montanhas são ambientes diferenciados nos quais a dificuldade de acesso proporcionada pela topografia, a susceptibilidade a variações climáticas, a pouca profundidade do solo, que provoca deslizamentos de terras e processos erosivos, e as oscilações de temperatura entre os períodos diurno e noturno determinam especificidades para a produção agrícola. E isso tudo influencia na comercialização e no desenvolvimento local. 

A Embrapa, juntamente com instituições parceiras como Emater-Rio e Pesagro-Rio, vem trabalhando com agricultores da região serrana fluminense no desenvolvimento e na adaptação de técnicas que sejam mais adequadas ao seu tipo de solo, clima e relevo, bem como no fortalecimento da noção territorial junto aos agricultores, como estratégia de diferenciação dos espaços e de seus produtos. "Apesar de todas as particularidades dos ecossistemas montanhosos, a maioria dos países, incluindo o Brasil, aplica nessas regiões as leis elaboradas para áreas planas", explica a pesquisadora Adriana Aquino.

Plantio direto para cobertura do solo, adubação verde, Tomatec®, agroindústria de brotos comestíveis e boas práticas de pós-colheita são algumas das técnicas com as quais os agricultores estão tendo contato. Segundo o pesquisador Renato Linhares, para o manejo adequado em ambientes de montanha, as práticas agroecológicas são as mais apropriadas.

O pesquisador ressalta que, de modo a viabilizar soluções para a agricultura da região, é necessário ouvir os produtores e utilizar métodos participativos para promover modelos de desenvolvimento rural nos quais eles acreditem. "É uma forma de dar autonomia aos agricultores na busca de caminhos para melhores condições de permanência e prática da agricultura nas montanhas", afirma Renato Linhares.

Na região serrana fluminense, há  predomínio do cultivo de hortaliças, desenvolvido principalmente em pequenos estabelecimentos de produção familiar e sem o uso de práticas conservacionistas de solo. Se por um lado a agricultura da região é caracterizada por altas produtividades, por outro está associada à vulnerabilidade social e a unidades de produção com problemas ambientais decorrentes do uso intensivo dos solos.

NPTA

Estrategicamente localizado em Nova Friburgo, município caracterizado como polo econômico regional e importante produtor de hortaliças, o Núcleo de Pesquisa e Treinamento para Agricultores da Embrapa (NPTA) tem avançado para reverter esse quadro de degradação ambiental e incerteza econômica. Um grupo técnico envolvendo várias Unidades da Embrapa (Agrobiologia, Hortaliças, Solos, Agroindústria de Alimentos e Pecuária Sul) vem há sete anos reunindo esforços e estabelecendo estratégias com o intuito de ampliar a percepção dos agricultores sobre a importância das práticas agroecológicas, especialmente no contexto dos ambientes montanhosos, garantindo a conservação ambiental e a qualidade da produção.

 

Agricultura de Montanha (Dia de Campo na TV) 

 

Ana Lucia Ferreira (MTB 16913/RJ)
Embrapa Agrobiologia

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