Curso de manejo sustentável na pecuária de corte destaca a importância da gestão rural
10/06/14
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Agricultura familiar Biodiversidade
Curso de manejo sustentável na pecuária de corte destaca a importância da gestão rural
Foto: Manuela Bergamim
Durante o curso foram realizadas atividades práticas de manejo do campo nativo
Todos os anos, produtores rurais de diferentes portes se fazem várias perguntas: Como vai se comportar o tempo? Quais vão ser os preços do gado? O que vou precisar vender para atender as despesas? Com o intuito de tornar o processo produtivo mais controlável, uma série de exercícios práticos foi promovida para os pecuaristas familiares e técnicos da Emater/RS-Ascar que participaram do curso "Manejo sustentável na pecuária de corte", ocorrido entre 04 e 06 de junho, na Embrapa Pecuária Sul, em Bagé-RS. Além da gestão rural, distintos assuntos foram abordados neste encontro que marcou as atividades de encerramento do programa RS Biodiversidade, promovido pela Emater/RS-Ascar, Embrapa Pecuária Sul e pelo Programa de Agricultura de Base Ecológica, da Secretaria do Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo (SDR).
A palestra "Noções Básicas de Gestão Rural" foi um dos destaques da capacitação, ministrada pelo pesquisador da Embrapa Pecuária Sul Vinícius Lampert, com colaboração do professor da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) Cláudio Marques Ribeiro. Os participantes exercitaram como calcular a área aproveitável da propriedade, a lotação e a receita por hectare e o custo do terneiro desmamado. "Para alguns pode ter sido um choque ao se perceber, por meio dos números, o custo final do terneiro, mas é uma constatação importante para que se tomem medidas efetivas para a melhoria do negócio", explica Lampert. O pesquisador enfatizou a importância de registrar os principais dados, que devem ser usados para produzir informações, que gerarão conhecimento para se atingir a competitividade.
"Relação solo-planta-animal"
A importância do diferimento para maior oferta de alimento aos animais já é uma prática bem compreendida e adotada pelos pecuaristas participantes das Unidades Demonstrativas do projeto RS Biodiversidade. Durante o curso, eles puderam perceber também que a planta precisa ter folha suficiente para se desenvolver melhor e produzir mais. "Ao se prever uma estiagem, por exemplo, é interessante investir no crescimento das plantas para aumentar a parte aérea e consequentemente também as raízes irão crescer e promover a infiltração da água para a reserva em períodos de seca", acrescenta Leandro Volk, pesquisador especialista em Solos da Embrapa Pecuária Sul.
Dentro do tema "relação solo-planta-animal", este foi um dos principais assuntos que procurou fomentar a revalorização do conhecimento que o pecuarista familiar já possui da sua propriedade, porém de maneira a construir estratégias sustentáveis de manejo. De acordo com os pesquisadores da Embrapa Pecuária Sul, José Pedro Trindade e Leandro Volk, é importante que o produtor saiba que a composição do campo é fruto do manejo ali desenvolvido. "O pecuarista foca muito nos atributos do animal e se esquece do campo e das plantas ali existentes. Mas há total interferência do solo na planta, da planta no solo e da planta nos animais", explica José Pedro Trindade.
Para tanto, Volk mostrou na visita ao campo, algumas ferramentas simples que qualquer um produtor pode utilizar para avaliar o processo de absorção de água pelo solo. Com uma pá de corte foram retiradas duas porções de solo: uma em que o campo estava rapado e outra dentro de uma macega estaladeira. Com isso, comparou-se a variação de umidade nos locais, bem como a quantidade de raízes das plantas existentes nos dois locais. Também foi usado um termômetro para medição de temperatura e um cano de PVC de 13 cm que, fincado na terra, permitiu comparar a absorção da água nos diferentes locais. "Tem coisas simples que só agora deu o estalo. Por exemplo, eu não percebia que uma macega traz nutriente para as demais plantas ao redor, por causa das raízes profundas", conta Antônio Reus de Freitas, produtor rural de Quaraí, região da fronteira oeste do estado.
A eficácia das vacinas
O Manejo Sanitário em Bovinos foi o tema principal do segundo dia do curso. A pesquisadora da Embrapa Pecuária Sul Emanuelle Gaspar explicou aos participantes a função da vacina que, ao contrário de um medicamento, serve para prevenir doenças e não tratá-las. A pesquisadora falou também sobre a importância da repetição de doses de algumas vacinas (dose de reforço) para dar o estímulo adequado na produção de anticorpos. De acordo com a pesquisadora, nem sempre a vacinação é garantia de imunização, pois as melhores vacinas têm de 80 a 90% de eficiência.
Além disso, outros fatores contribuem para sua ineficácia: animais estressados ou com estado nutricional ruim não respondem bem à vacina. Também pode haver lotes de vacina com problemas técnicos e seu transporte e armazenamento devem ser feitos com muita cautela, sempre a baixas temperaturas (de 2 a 8 ºC), mas nunca congelar. "Inclusive na hora da aplicação, a pistola e as vacinas têm que ficar no gelo (três parte de gelo para uma de vacina), e as agulhas e seringas devem ser desinfetadas e as agulhas trocadas a cada 10 animais", enfatiza Emanuelle. No laboratório de imunologia da Embrapa, os produtores conferiram como é feita a identificação da Tristeza Parasitária Bovina, em amostras de sangue de animais, ao visualizarem no microscópio os agentes causadores, Babesia bovis, Babesia bigemina e Anaplasma marginale.
Como combater a raiva bovina
Outro importante tema do encontro foi a raiva bovina, abordada pelo médico veterinário Claudio Alves Branco, da Secretaria Estadual de Agricultura, Pecuária e Agronegócio (Seapa). No Rio Grande do Sul, os focos de raiva se encontram nas regiões central, leste e parte do noroeste. Nestes municípios existe a recomendação de vacinação nos animais pecuários, como modo de prevenção. "Em Bagé há dois focos confirmados, um em Lavras do Sul, um em Hulha Negra, três em Candiota e três em Caçapava do Sul. Em Aceguá e Dom Pedrito não há foco, porém a Seapa recomenda que seja feita a prevenção da raiva por meio da vacinação", explica o médico veterinário.
Além de ser uma zoonose (doença transmitida para o homem pelos animais), a raiva é fatal e altamente infecciosa e se propaga por morcegos hematófagos (que se alimentam de sangue de animais), baba e sangue de animais contaminados. Os bovinos infectados com o vírus, por mordedura destes morcegos, apresentam sintomas de andar cambaleante, dificuldade de manter membros eretos, cola direcionada para a lateral e dificuldade de engolir água. Em estágio avançado da doença, o animal tem os quartos posteriores paralisados e prostração.
Alves Branco frisou as diferenças entre um morcego hematófago e um morcego insetívoro, sendo mais fácil identificá-los pelas fezes. Os que transmitem a raiva têm fezes mais parecidas com uma borra de café, com tom escurecido, diferentes das dos outros, que têm fezes parecidas com as de rato. Os lugares preferidos para estes mamíferos são taperas, ocos de árvores, túmulos antigos, cavernas e bueiros velhos. Em caso de serem encontrados tais morcegos ou de os bovinos apresentarem os sintomas acima citados, deve-se comunicar a Inspetoria de Defesa Agropecuária para que a notificação seja feita e a propriedade receba a visita do inspetor. Nos casos confirmados, a propriedade é considerada foco de raiva e o local é georreferenciado. Os morcegos hematófagos também são capturados com redes por agentes especializados, recebendo uma pasta vampiricida, que envenena o animal e os demais da colônia.
O papel do produtor rural contra a resistência parasitária
O uso indiscriminado de medicamentos, nos últimos 30 anos, fez com que a maior parte dos produtos antiparasitários perdesse a eficácia. Nos ovinos, por exemplo, na maioria das propriedades, os medicamentos não funcionam mais. O pesquisador da Embrapa Pecuária Sul Alessandro Minho, da área de sanidade animal enfatizou durante sua palestra a prática errada de tratar os animais e mudá-los imediatamente para um potreiro limpo (sem animais).
"Acontece que a fêmea do parasita que não morre com o anti-helmíntico gera ovos que também serão resistentes ao medicamento. Esse é um dos motivos porque não se deve tratar os animais e passá-los imediatamente para um potreiro limpo, pois só ficaram parasitos resistentes dentro dos animais e se os colocarmos em um lugar que não tinha nenhum parasito, que é o novo potreiro, ali só vai ter parasito resistente. Fazendo isso várias vezes ao ano, em dois ou três anos esse medicamento perderá sua eficácia e em poucos anos o produtor não possuirá remédio que funcione", explica.
O recomendado é tratar o animal e retornar com ele para o pasto em que estava antes, pelo menos, durante uma semana. Porque assim, os animais irão comer aquele pasto, ingerindo assim os parasitos ali existentes. Desta maneira, a população dos parasitos que estão no animal terão os genes da resistência diluídos pelos genes suscetíveis ao medicamento que continuavam no pasto. Esta prática de manter o parasito suscetível (que morre) ou que não entrou em contato com o remédio na pastagem chama-se manutenção da "refugia" e é altamente recomendada pelos especialistas para a manutenção da eficácia dos anti-helmínticos. "Para isso, há animais que não devem ser tratados: os animais adultos com baixa carga parasitária (resistentes ou tolerantes), ou seja, com escore corporal e ganho de peso elevado ou com resultado de contagem de OPG baixo (<250). Resumindo, quanto menos tratamento, melhor", frisa Minho.
No entanto, o pesquisador alerta para a importância de realizar o tratamento nos animais muito jovens, que ainda não têm o sistema imunológico desenvolvido, bem como nas fêmeas no período do periparto, um mês antes e um mês depois da gestação. Neste período, as fêmeas de ovinos e bovinos apresentam uma queda da imunidade para produzir o colostro, oportunidade para que os parasitos voltem à produção máxima, que é de aproximadamente 5 mil ovos por dia, no caso do Haemonchus spp.
"Outra prática recomendada, anualmente, é testar as drogas antes de usar. Para isso, testamos o medicamento em uso na propriedade e o medicamento que será utilizado (troca do princípio ativo). Separam-se uns 30 a 50 animais e realiza-se a contagem de OPG. Depois separamos os positivos em três grupos de 10: (G1) não recebem tratamento, (G2) recebem o medicamento em uso e (G3) recebem o novo medicamento que a gente quer trocar. Dez dias depois, é realizada nova análise de OPG. Assim comparamos os dois lotes que receberam o tratamento com o grupo que não recebeu". Os animais que foram tratados com o novo medicamento terão que apresentar o OPG reduzido, com eficácia maior que 90%. "Com isso, descobre-se o quanto antes se há resistência na propriedade, ou seja, se aquele medicamento é eficiente ou se estamos gastando dinheiro à toa", finaliza.
Manejo do campo nativo: noções básicas para ajuste da carga animal
O zootecnista da Emater/RS-Ascar Fábio Eduardo Schlick palestrou sobre o manejo do campo nativo, em que apresentou noções básicas sobre o ajuste da carga animal e o manejo reprodutivo em bovinos de corte. Schlick falou sobre as características do pecuarista familiar e a forma deste público trabalhar com o campo nativo. O zootecnista explica que "manejar é ter capacidade de controle sobre o que é consumido pelos animais", permitindo assim, que as plantas produzam o máximo de biomassa pelo maior tempo possível. Quanto aos métodos de manejo de pastagens, Schlick afirma que há o manejo contínuo e o rotativo. O primeiro pode apresentar carga fixa ou variável, possui baixo custo e pode ser eficiente. Já o manejo rotativo pode ser feito através de piquetes, faixas ou cordas e possui como vantagens a docilidade dos bovinos e controle efetivo do campo e dos animais, no entanto, possui custo de implantação.
Para a utilização do manejo rotativo é preciso escolher uma área e analisar as características dela, tais como, campo, solo, água e relevo. A partir disso, inicia-se a marcação e divisão da área. Para determinar o tamanho de cada piquete é preciso saber a disponibilidade de material e de tempo do produtor e, principalmente, se há disponibilidade de água em todos os piquetes. Se não houver, é preciso deixar uma área de lazer com acesso à água e comum a todos os animais.
Já o tamanho dos piquetes deve ser determinado de acordo com a área disponibilizada, no entanto, o ideal é que todos possuam o mesmo tamanho ou, pelo menos, tamanhos semelhantes. O tempo de permanência dos animais em cada potreiro, no entanto, é determinado pela oferta de forragem. Para isso, o extensionista explicou como é feito o cálculo de forragem. "O produtor deve utilizar como ferramenta um quadrado de 0,25m², ou seja, que possua 50 cm de cada lado, que pode ser feito com material da propriedade. Este quadrado deve ser colocado sobre o campo e corta-se toda a forragem correspondente a esta área. Seca-se e pesa para saber a disponibilidade da forragem", ensina.
Para melhor entendimento, Schlick exemplifica, "uma área com 40 gramas de matéria seca, corresponde a 1600 quilogramas por hectare. Um animal com peso vivo de 300 quilos consome 2% do seu peso vivo, o que equivale a seis quilos de matéria-seca por dia. Para manter uma quantidade suficiente aos animais e que permita a seletividade, é preciso deixar de duas a três vezes a quantidade de consumo do animal. Desta forma, um animal com peso vivo de 300 quilos consome de 12 a 18 quilos de matéria-seca por dia". Quanto maior a disponibilidade, maior será o ganho animal.
Controle do carrapato bovino: da teoria à prática
Uma mesa redonda com o tema "Controle do carrapato bovino: da teoria à prática", coordenada pela pesquisadora da Embrapa Pecuária Sul Claudia Cristina Gulias Gomes marcou o encerramento das atividades. A pesquisadora destacou que os produtores precisam saber o que estão usando, por isso, alerta que é necessário conhecer a base química dos produtos. Claudia afirma que, em muitos casos, os produtores observam que os animais estão com resistência a um determinado produto e ao trocar de produto acabam utilizando, sem saber, um que possui o mesmo componente químico.
A pesquisadora ressaltou ainda questões ligadas às boas práticas agropecuárias no controle sanitário, entre elas adoção de medidas preventivas, como o calendário anual de controle sanitário e reprodutivo; planejamento forrageiro; atualização e organização das fichas de controle sanitário preventivo e curativo; atendimento aos programas oficiais de Sanidade Animal; cumprimento do calendário de imunização obrigatório do rebanho e uso de vacinas e medicamentos aprovados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), entre outros.
Questionada pelos produtores sobre a eficácia do pastejo rotativo no combate ao carrapato, a pesquisadora afirma que para obter resultados satisfatórios, o descanso do campo deve ser de, no mínimo, 60 dias. A partir deste período, a reserva nutricional das lavras começa a diminuir, interrompendo o desenvolvimento da larva à fase adulta.
Manuela Bergamim (1951/ES)
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