"Juliana esteve no sertão e nunca mais se foi. Com ela aprendemos os valores imensuráveis que se escondem no germe de uma semente. Com ela a agricultura deixou o singular e saltou ao plural, mesmo mantendo sua singularidade. Sua diversidade nunca se fez só, pois sempre havia um povo, uma comunidade, uma família, uma agricultora ou um agricultor se fazendo – juntos". Foi assim que os sertanejos do norte de Minas Gerais e do Vale do Jequitinhonha se despediram da promotora de justiça, Juliana Santilli, falecida, aos 50 anos, no dia 18 de novembro de 2015. Os versos fazem parte da homenagem escrita pelo líder comunitário de Governador Valadares (MG), Carlos Dayrell, e expressam o reconhecimento dos agricultores da região pelas contribuições da promotora às causas ambientais no País. Com ampla atuação e conhecimentos em questões relacionadas aos direito dos agricultores, à conservação da agrobiodiversidade, ao direito humano à alimentação, e à diversidade biológica, entre outros, Juliana, que atuava na 5ª Promotoria de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, deixa também um legado para a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa): um acervo com 484 obras impressas, editadas em diferentes línguas (inglês, francês, espanhol, italiano e línguas indígenas brasileiras), doado para a Empresa por iniciativa de sua família. Entre as publicações que compõem o acervo estão A Enciclopédia dos Povos da Floresta, organizada pelos antropólogos Manuela Carneiro da Cunha e Mauro Almeida; Agri-cultura: Terra, Lavoro, Ecosistemi, organizado por Ricardo Bocci e Giovanna Ricoveri; The Atlas of Food – Who Eats What, Where and Why, de Eric Millstone e Timm Lang; Lost Crop od the Incas – National Research Council; Multiculturalisms, organizado por Barbara Pozzo; Identidades en El Plato – El Patrimônio Cultural Alimentário em Europa e America. Também se destacam no conjunto do acervo publicações que abordam diversas temáticas ambientais brasileiras sobre sementes crioulas, sistemas culinários sustentáveis, alimentação e meio ambiente, patrimônio e direitos culturais, além de temas relacionados ao continente africano, como a biodiversidade agrícola daquela região. O espaço Juliana Santilli foi inaugurado, no dia 14/11, na Biblioteca Edmundo da Fontoura Gastal, na Sede da Embrapa (Brasília, DF). Os empregados poderão solicitar, a partir de janeiro, o empréstimo dos livros do acervo Juliana Santilli por intermédio de suas bibliotecas locais, tão logo concluído o processamento técnico do acervo e inclusão dos registros no Sistema Ainfo, usado pelo Sistema Embrapa de Bibliotecas (SEB) para o gerenciamento do acervo da Empresa. "Juliana, além de advogada, era jornalista, com ampla cultura geral. Tinha o hábito de anotar as suas percepções nos livros, e, justamente por isso, o seu acervo pode ser considerado único e extremamente valioso", destaca a pesquisadora do Departamento de Transferência de Tecnologia (DTT) da Embrapa, Patrícia Goulart Bustamante, especialista em conservação local da agrobiodiversidade junto a povos e comunidades tradicionais. Patrícia foi uma das responsáveis pela intermediação, com a família da promotora, do processo de doação. "É, sem dúvida, um enorme ganho para a nossa Biblioteca. Os colegas da Embrapa que trabalham com agricultura familiar, agroecologia, conservação de recursos genéticos e do conhecimento tradicional associado, agroindústrias familiares, políticas para povos e comunidades tradicionais terão à sua disposição a coleção Juliana Santilli, um material selecionado e trabalhado por ela que contribuirá significativamente como subsidio a nossas pesquisas", avalia Patrícia. Para o diretor-executivo de Transferência de Tecnologia, Waldyr Stumpf, trata-se de um conjunto de obras escolhidas com muita sabedoria pela promotora. "Estamos qualificando ainda mais o nosso acervo e disponibilizando para a sociedade algo fantástico", destacou durante a cerimônia de entrega oficial do acervo à Embrapa, ocorrida no dia 14/11, com a presença de Márcio Santilli, esposo da promotora. Juliana Santilli graduou-se em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1987, obteve o mestrado em Direito e Estado pela Universidade de Brasília, em 2004, e doutorado pela PUC – PR, em 2009, em Direito Socioambiental. Era Promotora de Justiça, com atuação em meio ambiente, patrimônio cultural, consumidor, criminal e direitos humanos. Foi uma das fundadoras do Instituto Socioambiental (ISA). O papel das bibliotecas da Embrapa na construção da memória institucional brasileira Preservar a memória técnica, científica e cultural: é também uma das atribuições das 43 bibliotecas da Embrapa que compõem o Sistema Embrapa de Bibliotecas (SEB), que é responsável pela gestão da informação científica e tecnológica da Empresa e também pela preservação de sua memória técnica. Na Biblioteca da Sede da Embrapa é possível encontrar publicações e documentos institucionais de todas as Unidades de Pesquisa da Empresa e também de suas Unidades Centrais. No próximo ano, será inaugurado o espaço Eliseu Alves. Um dos pioneiros da Embrapa, e presidente no período de 1979 a 1985, o pesquisador, natural de Minas Gerais, doou grande parte de seu acervo particular, cerca de 500 obras, sobre Agronegócio, Irrigação, Economia, Ciência e Tecnologia e Política Agrícola para a Biblioteca da Sede. O acervo é fruto de mais de 60 anos de sua atuação como pesquisador em agricultura no País. É também na Biblioteca da Sede que está o acervo de aquarelas de Therese von Behr, doadas pela artista à Embrapa em novembro de 2010. As 80 aquarelas retratam a flora do Cerrado brasileiro e são os originais do livro A Flora do Planalto Central do Brasil. Nascida em 1930, a lituana Therese chegou ao Brasil em 1956, em Mato Grosso, depois de viver na Letônia, na Alemanha e no Canadá. Em 1974, mudou-se para Brasília, onde começou a pintar as aquarelas da fauna e da flora do Cerrado do sítio que mantém na região. Despedida Os versos completos da homenagem dos agricultores à promotora Juliana Santilli você confere a seguir: "Juliana (Santilli) esteve no sertão e nunca mais se foi. Com ela aprendemos os valores imensuráveis que se escondem no germe de uma semente. Com ela a agricultura deixou o singular e saltou ao plural, mesmo mantendo sua singularidade. Sua diversidade nunca se fez só, pois sempre havia um povo, uma comunidade, uma família, uma agricultora ou um agricultor se fazendo – juntos. Juliana se apoiou na delicadeza de uma semente que se escondia sob um simples grão e nos desvendou os complexos subterrâneos jurídicos de tentativa de aprisionamento daquilo que, por natureza, se fez por ser livre; com ela ousamos trilhar os caminhos inseguros, pantanosos, onde os direitos dos agricultores se chocavam com os poderosos interesses das corporações. Com Juliana Santilli, os sertanejos do Norte de Minas e do Vale do Jequitinhonha se descobriram participantes de um mundo muito maior do que podíamos supor, pois como ela mesma nos disse, são imbricados os patrimônios genético e cultural presentes no planeta. Foi nessas ousadias que Juliana aportou nos corações de tantos e tantas que no sertão vivem, que do sertão vivem. Acompanhamos desde aqui, no silêncio das noites sem fim, sua luta que, de repente, mudou de planos, como a nos dizer a todos que a vida, como um sopro, continua como frutos, que também continuam como sementes e vão germinar em outros mundos, deixando em nossas memórias o aroma do seu encantamento. Juliana esteve no sertão e nunca mais se foi, pois as sementes que por aqui espalhou frutificaram. E seguem todas em seu mundo encantado. Juliana esteve na aldeia e nunca mais se foi. Juliana esteve na floresta e nunca mais se foi. Juliana esteve onde esteve e ficou para sempre. Leva o carinho e o reconhecimento de centenas e centenas de pessoas, famílias e comunidades que tiveram a honra de conhecer Juliana Santilli. Autor dos versos: Carlos Dayrell, Montes Claros (MG)