09/12/16 |   Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação

Riquezas da mata branca

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Foto: Luciana Fernandes

Luciana Fernandes -

Caatinga abriga valiosa diversidade de seres vivos especialmente adaptados ao clima semiárido

Mais brasileiro impossível. O verde da mata e o amarelo dos ipês floridos dão a ele as cores do País. Mas é a junção de todo o arco-íris que batiza esse bioma tão rico e ao mesmo tempo tão pouco conhecido. Mata branca é o significado do nome Caatinga, dado pelos índios tupi-guarani em alusão à aparência que ele toma quando a água se torna escassa.

O visual de sua vegetação na época de estiagem é, na verdade, uma estratégia exemplar de sobrevivência. O tom mais claro das cascas reflete a luminosidade, evitando o aquecimento do tronco. As folhas dos cactos, modificadas para tornarem-se espinhos, deixam de ter a função de realizar a fotossíntese e passam a proteger o tronco das plantas. "São adaptações que as plantas adquiriram para que pudessem conviver harmonicamente nesse ambiente de altas temperaturas e de falta de água", explica a bióloga Lúcia Kiill, pesquisadora da Embrapa Semiárido.

Entre as características peculiares da Caatinga está também a perda das folhas pela maior parte das plantas, o que dá a ela um aspecto de paisagem morta. Mas essa é mais uma das suas espertezas para evitar a perda de água por meio da transpiração. Já aquelas espécies que mantêm as folhas mesmo na seca aproveitam as horas quentes do dia para fechar seus estômatos, que são as estruturas responsáveis por esse processo.

São inúmeras as saídas encontradas pelas plantas para enfrentar as dificuldades do ambiente semiárido em que vivem. Um bom exemplo é a modificação nas raízes do umbuzeiro, árvore símbolo do bioma. As raízes viraram túberas, um tipo de grandes batatas, que armazenam a água necessária para a sobrevivência da árvore até as próximas chuvas.

Essa sabedoria da natureza, quando aliada à dos homens, também pode trazer outros benefícios, muito além da preservação das espécies durante a seca. O umbuzeiro, por exemplo, pode emprestar sua capacidade de sobrevivência a outras plantas, servindo como porta-enxerto de frutíferas do mesmo gênero (Spondias), como o cajá, umbu-cajá, cajá-manga, ciriguela e umbuguela. "Essa técnica permite ampliar a variedade de frutas produzidas na região, através da adaptação de plantas que não teriam naturalmente condições de serem produzidas nesse ambiente", avalia o engenheiro-agrônomo Francisco Pinheiro de Araújo, da Embrapa Semiárido.

Trabalhos de pesquisa como esse, desenvolvidos ao longo de décadas – mas ainda bastante incipientes diante das riquezas da Caatinga –, buscam conhecer cada vez mais sobre esse bioma e seus diversos usos. Para ampliar esse conhecimento, a Embrapa tem se dedicado à coleta, caracterização e avaliação de espécies frutíferas da Caatinga ainda pouco exploradas. Já foram identificados potenciais para desenvolvimento de produtos com frutos como o araticum, murici, cambuí, araçá, mandacaru, ameixa, entre outros.

O trabalho, que prevê incursões em campo para coletar materiais que possam ter potencial econômico, visa, também, identificar outras potencialidades das plantas nativas para uso forrageiro, como biopesticida, uso ornamental, entre outros.

Nas próximas páginas, são abordados ações e resultados previstos e alcançados em projetos que integram a programação de pesquisa da Embrapa voltada ao bioma. Pois só com informação e conhecimento, é possível aproveitar os inúmeros potenciais do bioma, subsidiar as atividades econômicas já praticadas na região e, ao mesmo tempo, conservar a sua biodiversidade.


A Caatinga em números

  • A Caatinga é o único bioma exclusivamente brasileiro, com toda a sua área de ocorrência dentro do território nacional.
  • Ocorre em dez estados do Brasil, sendo nove na região Nordeste (Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí e Sergipe), além do norte de Minas Gerais.
  • Abrange uma área de 844.453 quilômetros quadrados, o equivalente a 11% do território nacional.
  • É o 4º ecossistema mais rico do País, atrás da Amazônia, Mata Atlântica e Cerrados.
  • Possui cerca de 4.500 espécies de plantas, sendo cerca de 318 endêmicas (que só ocorrem nesse bioma).
  • Abriga aproximadamente 1.500 espécies de animais, entre mamíferos, aves, répteis, anfíbios, peixes e abelhas.
  • Cerca de 27 milhões de pessoas vivem na sua região de abrangência, grande parte dependente dos recursos do bioma para sobreviver.

Afinal, quem resiste?

O forte calor e os longos e sucessivos períodos de estiagem que atingem a região semiárida fazem com que o cultivo de alguns dos alimentos mais importantes na mesa da população brasileira seja praticamente inviável. Mas a verdade é que há, sim, plantas – e muitas – que resistem mesmo a essas árduas condições. A vegetação do bioma Caatinga, que cobre a maior parte do Semiárido, é a prova viva.

Mas, afinal, como é possível resistir? O pesquisador da Embrapa Semiárido Saulo de Tarso Aidar, especialista em fisiologia das plantas, explica que existem três grupos principais de estratégias de resistência à desidratação: "Há plantas tolerantes à dessecação, que suportam a perda de grande parte da água das suas folhas, mantendo-se viáveis para se recuperarem rapidamente após uma chuva; há as que mantêm-se sempre verdes, mesmo durante a seca, utilizando-se de raízes profundas para absorver umidade em camadas mais profundas do solo ou em áreas de baixadas; e há outras que evitam a desidratação pelo acúmulo de água, a exemplo das suculentas como os cactos e as tuberosas, ou pela perda das folhas – essas as principais responsáveis pela transformação da paisagem da Caatinga ao longo do ano.

Bom seria se fosse possível ensinar um feijão ou um amendoim a sobreviver à seca como fazem as plantas da Caatinga!

Ainda que essa ideia pareça um conto infantil, o fato é que ela já chegou ao campo da pesquisa, que se prepara para fazer a experiência em um futuro não muito distante. Na Embrapa Semiárido, em Petrolina (PE), estão sendo prospectados genes de plantas nativas que, em breve, poderão ser validados por meio da engenharia genética para verificar se também teriam o efeito de melhorar a resistência à desidratação em espécies cultivadas.

Inicialmente, foram feitas observações sobre a fisiologia de espécies nativas, para identificar os mecanismos fisiológicos que estão por trás da capacidade de sobrevivência sob falta de água. A etapa seguinte, de acordo com a pesquisadora em genética e biologia molecular de plantas Carolina Vianna Morgante, "é identificar quais são os genes e as proteínas que são expressos diferentemente na condição da planta hidratada e na condição da planta sob deficit hídrico, para depois fazer uma análise funcional desses genes".

Entre as espécies estudadas, o jericó (Selaginella convoluta) e a gramínea Tripogon spicatus, pouco conhecida e aparentemente sem qualquer valor, apresentaram resultados surpreendentes. Submetidas a experimentos em que a oferta hídrica era suspensa por vários dias, elas suportaram uma perda de mais de 95% da água de suas folhas, apresentando uma recuperação muito rápida quando reidratadas, caracterizando sua tolerância à dessecação.

O mais interessante, segundo a pesquisadora, é que essas espécies não possuem estruturas anatômicas específicas para o funcionamento desses mecanismos, como acontece com os caules modificados dos cactos ou com as túberas do umbuzeiro, que armazenam água. Isso significa que os mecanismos das plantas tolerantes à dessecação, em geral, se expressam em nível celular, ou seja, são genes que podem mais facilmente ser transferidos para outras plantas, como aquelas utilizadas na agricultura.


Símbolo de sabor

Além de representar a Caatinga por sua resistência e pela beleza exuberante de sua copa, o umbuzeiro (Spondias tuberosa) ainda produz um fruto de sabor único, com uma doçura que também sabe, na medida certa, ser azeda. Esse fruto é parte essencial da culinária do sertanejo, que inclui delícias como a tradicional umbuzada, uma bebida doce e saborosa, preparada à base de leite.

Mas, muito além do consumo doméstico, o umbu tem sido fonte de trabalho e renda para famílias da região. Por meio do extrativismo, os frutos que nascem nas populações naturais existentes nas propriedades se transformam em produtos comerciais como doces, geleias, sucos, entre outros.

O potencial e a viabilidade da atividade podem ser comprovados pela experiência de uma comunidade do sertão da Bahia. Unidos por meio da Cooperativa de Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (Coopercuc), cerca de 270 produtores dos três municípios têm no beneficiamento das frutas um bom complemento da renda de suas famílias.

"É uma riqueza uma árvore dessas na Caatinga. Você não fez nada para que ela botasse o fruto, e, chega lá, pega de graça e transforma em um produto que muda a sua qualidade de vida", ressalta o presidente da Coopercuc, Adilson Ribeiro dos Santos. Ele lembra que, quando menino, levantava nas madrugadas e ia pegar umbu para a mãe fazer suco ou umbuzada. Hoje, se admira da quantidade de produtos que podem ser feitos a partir do seu beneficiamento.

Na cooperativa, são produzidos e comercializados o doce cremoso de umbu, geleia, compota, doce de corte (que, na forma e textura, se assemelha à goiabada) e outro em cubinhos, batizado de "umbu bom", em referência a um doce de banana típico do Nordeste chamado de "nego bom". Até a cerveja ganhou o sabor especial desse fruto. Seus produtos já rodaram o mundo, chegando até a países europeus, como a França e a Áustria. No Brasil, têm mercado garantido no estado de São Paulo, além de Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Norte e outros.

Os produtos comercializados pela cooperativa também usam como matéria-prima outro saboroso fruto do bioma: o maracujá-do-mato, ou maracujá-da-caatinga (Passiflora cincinnata, leia texto na página 59). Com tamanho pequeno, casca verde e polpa branca ou levemente esverdeada quando de vez, e levemente amarelada quando muito maduro, tem pouca semelhança com o conhecido maracujá-amarelo (Passiflora edulis). Dependendo do estado de amadurecimento, pode ser doce ou ácido, e muito aromático, bastante apropriado para o uso em geleias, sucos e sorvetes.

Experiências com esses frutos também têm sido realizadas pela pesquisa, buscando aperfeiçoar receitas ou criar novos produtos. Foi assim que o umbu virou fruta laminada, que o maracujá-da-caatinga, combinado com manga e com mamão, se transformou em molho chutney, e que ambos viraram sabores de barrinha de cereais. A pesquisadora da Embrapa Agroindústria de Alimentos Virgínia da Matta, que coordenou esses trabalhos, avalia que todos os produtos testados são viáveis para serem utilizados pela agroindústria familiar, e que podem ganhar o mundo atendendo um nicho de mercado que busca opções mais saudáveis e exóticas.


Um maracujá novo e forte

Um fruto da natureza, combinado com mais de uma década de pesquisa, resultou no primeiro maracujá-da-caatinga recomendado para cultivo comercial. A cultivar BRS Sertão Forte foi lançada pela Embrapa em junho de 2016, oferecendo aos produtores da região uma nova alternativa, com maior produtividade, tamanho e rendimento dos frutos.

"Com essa variedade, os agricultores do Semiárido terão a oportunidade de cultivar o maracujá, em condições de dependência de chuva, de forma a complementar a renda das suas famílias. Favorecerá também a diminuição da pressão do extrativismo do maracujá nas regiões onde se faz coleta diretamente na Caatinga", avalia o engenheiro-agrônomo Francisco Pinheiro de Araújo, responsável pelo desenvolvimento da cultivar.

Em comparação com o maracujá-azedo (Passiflora edulis), o maracujá-da-caatinga (Passiflora cincinnata) mostra-se mais tolerante ao estresse hídrico – já que é naturalmente adaptado às condições do Semiárido – e, quando irrigado, tem a capacidade de usar a água de forma mais eficiente. Além disso, apresenta um ciclo produtivo mais longo e revela mais tolerância a doenças do solo, a exemplo da fusariose.

De acordo com Francisco Pinheiro, a BRS Sertão Forte pode ser cultivada com baixo insumo tecnológico, para a área de sequeiro, e também com alta tecnologia, utilizando o mesmo sistema de produção adotado para o maracujá-azedo.

Outra característica agregada a essa cultivar é que ela abre as flores a partir das cinco horas da manhã. Assim, pode ser cultivada nas bordaduras do maracujá-azedo, cujas flores abrem por volta das 11 horas e 30 minutos. Dessa forma, atrai as abelhas mais cedo, fazendo com que aumente o tempo de permanência dos insetos polinizadores dentro das áreas, o que pode contribuir para o aumento da produtividade do maracujá-azedo.


Bioma que esbanja beleza

Além de fornecer deliciosos alimentos, a Caatinga também exibe uma particular beleza. E não só no ambiente nativo: suas plantas estão invadindo ruas, praças, jardins, varandas e diversos ambientes domésticos e comerciais. Podem ser encontradas até mesmo em pequenos vasos, com grande potencial para uso na floricultura e em ornamentações.

Somente de cactos, são encontradas na Caatinga mais de 50 espécies, com inúmeras e diferentes formas e flores, a exemplo da coroa-de-frade, mandacaru e xiquexique. Cerca de 40 espécies de bromélias também já foram identificadas, cada uma com cores e arquiteturas particulares. "Elas têm um potencial ornamental muito interessante de ser explorado, por sua rusticidade, com pouca necessidade de água, como também pela durabilidade das flores e folhas, podendo ser usadas também em arranjos florais", explica a pesquisadora Lúcia Kiill.

O mercado de cactos e bromélias já é consagrado no Brasil e no mundo, e a grande maioria das espécies comercializadas é oriunda do México. Já as espécies da Caatinga ainda são pouco exploradas, e geralmente de forma extrativista. Lúcia Kiill ressalta que a falta de informação sobre formas de multiplicação e manejo dessas espécies dificulta a exploração desse potencial. Nesse sentido, a Embrapa tem buscado ampliar as informações sobre a conservação e uso da biodiversidade da Caatinga, não só para prospectar novas espécies, mas também buscando formas de manejá-las.

A Embrapa vem prospectando e estudando espécies de plantas para fins ornamentais, seja para forração em jardinagem, cultivo em vaso ou para corte (arranjos). Cerca de dez espécies foram pré-selecionadas e agora estão sendo estudadas a produção de mudas, a propagação por estaca e por sementes, entre outros aspectos. A demanda de água das plantas também está entre as análises, tendo em vista que essas plantas já têm naturalmente uma demanda menor desse recurso. "No futuro, nós podemos ter um jardim bonito e com pouca demanda hídrica", observa Lúcia.


Naturalmente ornamentada

As paisagens da Caatinga são inúmeras e de encher os olhos. E não somente pelo contraste entre os períodos seco e chuvoso, mas também pela imensa variedade de cores, formas, texturas e combinações. E, quando um olhar sensível capta até seus menores detalhes, se revela uma beleza sem igual.

Foi assim que flores, frutos, galhos e espinhos foram registrados pelo fotógrafo Davi Santos Júnior, e se transformaram no livro Plantas Ornamentais da Caatinga, lançado pela editora Embrapa. As imagens de cerca de 100 espécies nativas se somaram aos textos informativos, na obra de autoria dos pesquisadores Lúcia Helena Piedade Kiill, Daniel Terao e Ian André Alvarez.

O livro destaca o potencial de uso das plantas do bioma tanto na composição paisagística quanto na arte floral, para enfeitar interiores. Entre as espécies apresentadas estão árvores, arbustos, palmeiras, cipós, herbáceas, cactos e bromélias. Veja como adquirir o livro em Navegue.


Biopesticidas, essenciais para o futuro 

Ao que indica o cenário atual, o mundo caminha para a busca de modos de vida mais sustentáveis e equilibrados, o que inclui a agricultura entre seus principais aspectos. O futuro da atividade passa pela diminuição na quantidade de agrotóxicos nos alimentos e na natureza, com novas alternativas de controle de pragas e doenças.

Uma das saídas que vêm sendo estudadas pela pesquisa é o uso de óleos essenciais de diversas plantas como biopesticidas. Neste caminho, a Caatinga tem muito a contribuir, apresentando espécies que podem ser úteis na batalha contra insetos, plantas daninhas e microrganismos que atacam as mais diferentes culturas.

As vantagens da sua utilização em substituição aos produtos químicos são evidentes: redução na contaminação do solo, da água, dos animais e dos seres humanos, além de menor risco de provocar resistência nesses organismos indesejáveis.

De acordo com a pesquisadora da Embrapa Semiárido Ana Valéria Vieira de Souza, pesquisas conduzidas em condições de laboratório possibilitaram identificar o potencial fungicida, bactericida e inseticida de óleos essenciais obtidos a partir de espécies vegetais nativas da Caatinga, diante de diversos microrganismos e insetos de importância agrícola, a exemplo da Xanthomonas sp. Os estudos, ainda em andamento, também revelaram plantas com excelente potencial de atração para a mosca-das-frutas, que causa grandes prejuízos em culturas como a manga e a uva.

De acordo com Ana Valéria, óleos essenciais obtidos de plantas da Caatinga apresentam ampla atividade biológica e são ricos em compostos de alto valor agregado, representando importante fonte de compostos ativos biopesticidas, farmacêuticos e aromáticos.


Alimento para os animais

Os mais tradicionais sistemas de produção pecuários no Semiárido brasileiro contam com a Caatinga como base para a alimentação dos rebanhos. Ruminantes de pequeno porte, como cabras e ovelhas, são as espécies mais adaptadas às condições da região, e, portanto, predominantes nas áreas de vegetação nativa.

No Semiárido, em geral, a pecuária é extensiva. Exemplo disso ocorre nos arredores de Petrolina e Juazeiro, no sertão de Pernambuco e Bahia, onde é comum encontrar uma forma de criação comunitária, conhecida como fundo de pasto. Nesses sistemas, as propriedades não são cercadas e os animais pastejam livremente em área de Caatinga, facilitando o acesso à água e à comida.

De acordo com a pesquisadora Ana Clara Rodrigues Cavalcante, da Embrapa Caprinos e Ovinos, esses sistemas são possíveis porque a Caatinga apresenta grande número de espécies de valor forrageiro, podendo ser usada em vários estágios ao longo do ano. Na época chuvosa, há maior abundância de ervas. Depois, a vegetação vai se transformando para se adaptar à seca, fornecendo forragem de outras maneiras, como através das folhas que ficam nos arbustos. Já na estiagem, os animais podem se alimentar das folhas secas que caem no chão. "Só recomendamos que não sejam consumidas todas as folhas, pois elas são importantes para a cobertura do solo, geralmente muito raso", observa Ana Clara.

A preocupação com esses sistemas, no entanto, é quanto ao risco de degradação. Para isso, conforme aponta a pesquisadora, é necessário fazer um bom ajuste do número de animais por área e utilizar ferramentas adequadas para contabilizar o potencial da pastagem nativa, de forma que a área não seja superpastejada e não se utilize mais do que a vegetação pode oferecer. "Assim, é possível manter um equilíbrio, fundamental para a sustentabilidade não só do ambiente, mas também desses sistemas de produção animal que têm a Caatinga como a base", destaca.

Outra alternativa para minimizar os riscos de degradação da Caatinga é a oferta de alimentação complementar, especialmente na época seca. Tadeu Voltolini, pesquisador da Embrapa Semiárido, explica que "a ideia é usar a pastagem nativa, em uma taxa de lotação que causa menos dano, e utilizar outras áreas da propriedade para produzir alimentos para fornecer aos animais no período em que a Caatinga perde força de aporte alimentar".

Seguindo este conceito, a Caatinga é explorada somente no período chuvoso. No restante do ano, a área nativa fica reservada, diminuindo o tempo de pastejo e, consequentemente, a pressão sobre a vegetação. "Nosso pensamento hoje é de se ter uma pequena área, cercada, em que seja intensificada a produção de alimentos para manter um nível de rebanho capaz de gerar uma renda complementar para as famílias, considerando que a grande maioria das áreas é de pequeno tamanho e de base familiar, envolvendo ainda outras atividades produtivas", observa Tadeu.

A produção complementar pode ser feita com cultivos exóticos, mas há também uma grande diversidade de plantas nativas da Caatinga com potencial forrageiro. De acordo com a pesquisadora Rafaela Priscila Antônio, da Embrapa Semiárido, espécies já estudadas demonstram boa qualidade nutricional para compor a dieta dos rebanhos. Ela ressalta que "essas plantas apresentam ainda outras vantagens para a região, como a tolerância à seca, à alta temperatura e à salinidade do solo, que são primordiais para o cultivo comercial de baixo custo e de elevada produtividade".

É o caso de plantas como o feijão-bravo e da jureminha, que mantêm as folhas mesmo no período seco. A pustumeira é rústica e produz folhas bastante palatáveis, com ramos finos e tenros que também são aproveitados pelos animais. Já a camaratuba apresenta grande tolerância à seca, e é uma excelente fonte de proteína.

Uma das plantas que já vêm sendo cultivadas na região é a maniçoba, porém ainda subutilizada. Também conhecida como mandioca-brava, a espécie apresenta alta produção de forragem, quando comparada com as demais plantas nativas, podendo ultrapassar cinco toneladas de matéria seca por hectare por ano. Seu uso para alimentação animal, no entanto, tem uma peculiaridade, pois as folhas in natura podem provocar intoxicação nos animais. Por isso, devem ser oferecidas apenas na forma de feno ou após passar pelo processo de silagem, fazendo com que o material perca as propriedades tóxicas.


De olho nas abelhas

Além de ser uma boa fonte de alimentação para os rebanhos criados neste ambiente, a vegetação da Caatinga também serve de sustento e abrigo para outros animais de importante potencial econômico. Trata-se das abelhas nativas, que habitam a região muito antes da chegada dos colonizadores e da introdução das conhecidas produtoras de mel (abelhas melíferas).

As espécies nativas são significativamente diferentes das melíferas, desde os aspectos biológicos até o comportamento e produção. As mais importantes são as abelhas sem ferrão, que ao longo da evolução perderam a função desta parte do seu corpo – o que não significa, porém, que sejam indefesas. Elas desenvolveram outras estratégias: a irapuá, por exemplo, se enrosca nos cabelos, a jandaíra e a mandaçaia podem morder a pele, e a abelha-branca coloca resina na pele de quem representar ameaça.

Porém, o principal diferencial dessas abelhas é o mel que produzem. Se por um lado é mais aquoso e ácido, por outro apresenta mais propriedades medicinais. Além disso, tem um valor de mercado maior: enquanto o mel comum é vendido na região pelo preço de R$ 10 a 12 o quilo, o de abelha sem ferrão pode ter um valor em torno de R$ 100 a 150.

A Caatinga tem um número menor de abelhas nativas sem ferrão, em comparação com biomas como a Amazônia. Das cerca de 250 espécies existentes no Brasil, somente em torno de 15 são encontradas no Nordeste, mas com grande potencial para exploração comercial. Entre elas está a jandaíra, muito criada no Rio Grande do Norte, e a uruçu do Nordeste, comum em diversas regiões da Bahia, com grandes colônias e bastante produtiva. No polo de fruticultura irrigada de Petrolina (PE) e Juazeiro (BA), a mais criada é a mandaçaia, mas também é comum encontrar a abelha-branca, que coleta grandes quantidades de pólen, mas ainda é pouco explorada.

Para a pesquisadora Márcia de Fátima Ribeiro, da Embrapa Semiárido, o principal potencial das abelhas nativas da Caatinga é para a produção de mel. No entanto, ela avalia que "ainda são poucos os produtores na região do polo Petrolina (PE) – Juazeiro (BA), eles não trabalham de forma associada, normalmente não comercializam o mel e não tem hábito de utilizar as boas práticas de fabricação".

Tendo em vista essa realidade, a Embrapa Semiárido está iniciando um estudo da cadeia produtiva do mel de abelha sem ferrão, visando subsidiar os arranjos produtivos locais e promover a criação como atividade econômica para a região. Além disso, pretende desenvolver ainda uma dieta proteica suplementar, que não existe para essas espécies, para atender às suas necessidades alimentares nos períodos de seca.

Há ainda potencial de uso dessas abelhas para melhorar o desempenho de culturas, como, por exemplo, aquelas que só podem ser polinizadas por vibração, a exemplo de algumas variedades de tomate, berinjela e pimentão. Nessas plantas, o pólen só é liberado quando a abelha se prende na antera com suas pernas e produz um som vibrando a musculatura das asas. Esse trabalho é feito por espécies de abelhas sem ferrão, a exemplo da mandaçaia.

Algumas abelhas que ocorrem na Caatinga já foram identificadas com possibilidade de uso em determinadas culturas, como é o caso da jandaíra na polinização no pimentão. "Potencial com certeza elas têm, mas existem alguns entraves, como a técnica de produção de colmeias em larga escala, de que ainda não dispomos, e também precisaríamos de mais estudos em relação aos sistemas de polinização e adequação das espécies de abelhas às culturas", observa a pesquisadora.

Para aprimorar as técnicas de criação, no entanto, é necessário saber como essas abelhas vivem na natureza, quais os alimentos adequados e em que quantidade, quais são as pragas que as atacam, como combatê-las, entre outras informações. Por essa razão, a Embrapa tem se empenhado na investigação sobre ecologia e comportamento das abelhas nativas.

Além disso, a Empresa vem trabalhando na conservação da biodiversidade das abelhas nativas da Caatinga, tanto mantendo criação em laboratório quando georreferenciando e fazendo o acompanhamento em campo de ninhos de espécies ameaçadas de extinção em algumas regiões, como é o caso da abelha-branca, manduri, mandaçaia e abelha-mosquito. 

Navegue:
Livro Plantas Ornamentais da Caatinga – Livraria Embrapa

Árvore do Conhecimento do Bioma Caatinga
Ministério do Meio Ambiente (MMA)
Recaatingamento
Associação Caatinga
Instituto Nacional do Semiárido (INSA)

 

Fernando Sinimbu
Embrapa Meio-Norte

Mais informações sobre o tema
Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC)
www.embrapa.br/fale-conosco/sac/

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