Cervejarias internacionais de olho na cevada brasileira
Cervejarias internacionais de olho na cevada brasileira
Nos últimos 18 meses, representantes dos maiores grupos cervejeiros e malteiros mundiais viajaram para a cidade gaúcha de Passo Fundo no norte do estado com o mesmo objetivo: conhecer a cevada desenvolvida pela Embrapa Trigo, sediada naquele município.
Desde a década de 1970, quando foram iniciadas as pesquisas com melhoramento de cevada no Brasil, lideradas pela Embrapa, o rendimento médio das lavouras passou de 1.700 quilos por hectare para quatro mil kg/ha. O baixo teor de proteínas, indicativo de qualidade para a indústria, encolheu de 14% para 10%, e o teor de extrato de malte subiu de 80% para 84%. Os dados foram levantados por Noemir Antoniazzi, pesquisador da Cooperativa Agrária, que tomou como base as sete cultivares mais plantadas no estado do Paraná entre 1973 e 2012.
O desempenho despertou a atenção de cervejarias e maltarias internacionais. A AB InBev, conglomerado oriundo da fusão da brasileira AmBev com a belga Interbrew e posteriormente com a norte-americana Anheuser-Busch, enviou seu coordenador do programa global de pesquisa de cevada, Gary Hanning, para conhecer o material genético da Embrapa. Recentemente, ele veio discutir as possibilidades de ampliar a parceria, e viabilizar o teste do germoplasma brasileiro também em outros países onde a empresa opera como Argentina, Uruguai, Estados Unidos, Rússia e China. O grupo empresarial detém cerca de 70% do mercado brasileiro de cerveja.
Outra corporação do ramo que avalia a possibilidade de testar a cevada brasileira em outras partes do mundo é a Soufflet, empresa francesa controladora acionária da Malteria do Vale (Taubaté, SP), parceira da Embrapa desde 2000. O grupo pretende testar as cultivares da Embrapa em países como a Índia que, como o Brasil, possui clima tropical, o que proporciona boas chances de adaptação ao germoplasma brasileiro.
Na Colômbia, cultivares da Embrapa estão em testes há mais de dois anos por meio da parceria com a cervejaria Bavária. E a Malteria Oriental visitou o centro de pesquisa de Passo Fundo com vistas a licenciar o teste de cultivares Embrapa no Uruguai. "A discussão com pesquisadores brasileiros permitiu ver as semelhanças do processo produtivo nos dois países. A união dos representantes da produção de cevada na América Latina é importante caminho para atender à crescente demanda por malte de qualidade em volume estável de produção", avalia a pesquisadora da malteria, Fernanda Pardo.
Na última década, cerca de 70% da área plantada de cevada contratada no Brasil foi formada por cultivares da Embrapa, segundo estimativa do pesquisador Euclydes Minella, da Unidade da Empresa em Passo Fundo. "A cadeia produtiva da cevada utiliza, em média, quatro cultivares em cada safra visando a produzir blends específicos de maltes em atendimento às demandas de qualidade das cervejarias. No momento, estão nas lavouras da região Sul as cultivares Embrapa BRS Cauê, BRS Elis e BRS Brau", informa Minella. "Já os materiais BRS Sampa, BRS Manduri e BRS Itanema compõem o blend de cultivares da produção irrigada em São Paulo", detalha o especialista, informando que o programa de melhoramento genético de cevada opera desde 1978 e já gerou milhares de novas linhagens entre as quais mais de 20 foram lançadas como cultivares para uso comercial.
Cevada e ração animal
O comércio internacional de cevada é de, aproximadamente, 16 milhões de toneladas anuais. O Brasil ocupa atualmente a 16ª posição entre os produtores mundiais do cereal, com média de 300 mil toneladas por ano na última década, mas sobe para o 7º lugar no quesito importações, com a produção nacional suprindo apenas cerca de 35% da demanda das maltarias instaladas. Na projeção de cenários do relatório Outlook Brasil da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a demanda doméstica de cevada deverá crescer 53% até 2022. Minella prevê que o consumo de cevada deverá aumentar a cada ano, principalmente para o consumo animal na forma de silagem e ração. Segundo ele, indiferentemente da qualidade de malte, a cevada tem sido importante alternativa nos momentos de alta no preço do milho e da soja utilizados para alimentação animal. "Empregada para produção de cerveja ou de ração, a cevada tem mercado certo sempre", avalia o pesquisador.
O Brasil é o terceiro maior produtor mundial de cerveja, com consumo de 57 litros per capita ao ano. De olho neste mercado, as principais indústrias cervejeiras do mundo buscam aproximação com a pesquisa nacional para aumentar a área de produção da cevada no Brasil.
Mais de três décadas de pesquisa
A pesquisa com cevada no Brasil avançou definitivamente com a criação da Embrapa Trigo na década de 1970. O programa de melhoramento de cevada cervejeira da Embrapa é conduzido em parceria com as indústrias de malte do País e está constituído atualmente por três grupos que atuam em regiões distintas: Agrária, no Paraná; AmBev, no Rio Grande do Sul; e Malteria do Vale, no estado de São Paulo. A iniciativa privada é responsável pelo aporte de recursos financeiros na pesquisa, avaliação de qualidade e incorporação imediata das cultivares no sistema produtivo. A integração da cadeia produtiva garante liquidez ao produtor com a produção contratada pela indústria e promove o fomento ao fornecer semente das cultivares. É essa integração do complexo agroindustrial da cevada no País que desperta o interesse dos maiores conglomerados internacionais do universo cervejeiro e atrai cientistas na formação de redes de pesquisa.
"A forma como pequenos grupos orientam a produção, controlando o crescimento da área e a escolha das cultivares, é um exemplo para garantir maior liquidez na venda dos grãos, padronizando a qualidade do malte brasileiro", ressalta o pesquisador Jason Eglinton, da Universidade de Adelaide, na Austrália, que esteve no Brasil, em 2013, para discutir projetos em parceria e conhecer o modelo produtivo brasileiro.
Euclydes Minella explica que o considerável avanço na competitividade veio com a aplicação de combinação de técnicas de melhoramento convencionais e inovadoras como a da duplo-haploidização por meio da cultura de anteras ou micrósporos, que proporciona a obtenção de novas linhagens em dois anos, equivalente a um terço do tempo empregado no processo convencional que demora seis anos.
Por meio dessa biotecnologia, foi possível a obtenção de cultivares melhoradas tanto em rendimento como em qualidade de malte, tornando a cevada brasileira competitiva em relação ao produto importado. "Hoje atingimos, sob o ponto de vista genético, um patamar competitivo em qualidade e em rendimento, mas precisamos produzir cultivares que tenham melhor perfil de resistência a doenças, tanto para reduzir os custos de produção, quanto para gerar uma produção mais limpa, com menos agroquímicos na lavoura", analisa o pesquisador.
Desde o começo dos trabalhos de pesquisa com cevada cervejeira no Brasil, o aumento no rendimento médio nas lavouras comerciais de cevada foi superior a 30 quilos por hectare ao ano.
"A cevada do Brasil não fica atrás de qualquer cevada do mundo. Nós temos excelente produtividade, qualidade e produção de malte. O grande limitador continua sendo o clima. Gostaríamos de não precisar importar cevada da Europa, e sim gerar divisas aqui, na América Latina", afirma o técnico da AmBev, Mauri Botini. Ele lembra que os três principais países produtores na América Latina são Brasil, Argentina e Uruguai, responsáveis por 70% da produção de malte da AmBev. A expectativa da empresa, líder mundial no segmento de cervejas, é crescer 20% ao ano na área de cevada cervejeira no Brasil, especialmente nas regiões onde a qualidade dos grãos é mais estável.
Joseani M. Antunes (MTb 9396/RS)
Embrapa Trigo
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