A mosca dos vírus
01/05/14
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Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação
A mosca dos vírus
A mosca-branca é uma praga que não faz distinção de alimento e devido ao alto grau de polifagia, mantê-la sob controle é uma tarefa que tem mobilizado esforços de diversas cadeias produtivas que se preocupam com o impacto negativo na produtividade. Grandes culturas como soja e algodão hospedam a praga e sentem os danos ocasionados pela sucção da seiva, porém, eles são secundários frente aos prejuízos da ferrugem e do bicudo, principais pragas dessas culturas, respectivamente.
No caso do tomate, além de agir como um inseto sugador que compromete o desenvolvimento da planta e injeta toxinas capazes de estragar os frutos, a mosca-branca também transmite viroses que afetam a produtividade das lavouras e geram perdas de até 50%. Algumas regiões produtoras adotaram o vazio sanitário, que prevê um período sem plantas vivas de tomate no campo, para tentar controlar o nível populacional da mosca-branca. Contudo, para garantir o sucesso no controle dessa praga, mais do que contar com políticas públicas implantadas por órgãos de defesa vegetal, é preciso propor aos agricultores um manejo racional a fim de manter a sustentabilidade de todo o sistema e, nesta parte, entra a pesquisa científica.
Acredita-se que a mosca-branca originou-se no Oriente Médio e, dali, expandiu-se para regiões da África e da Europa até cruzar o oceano e chegar às Américas no início da década de 90. A explosão populacional da praga foi praticamente simultânea nos Estados Unidos e no Brasil e, no nosso País, encontrou condições muito favoráveis ao desenvolvimento. Os vírus transmitidos pelo inseto para o tomate, por exemplo, são oriundos da flora brasileira. "A mosca-branca facilitou a transferência de vírus nativos que antes eram restritos às plantas daninhas. Antes não havia um inseto-vetor que fosse eficiente em adquirir o vírus da planta daninha e transmiti-lo para o tomate", explica o pesquisador Miguel Michereff Filho, da área de Entomologia da Embrapa Hortaliças.
Por isso, as áreas do entorno do cultivo devem merecer atenção especial quanto ao manejo adequado para retardar a entrada da praga e, consequentemente, do vírus na lavoura. Produzir tomates em áreas mais isoladas e distantes de outras plantas hospedeiras como batata e feijão, bem como criar barreiras físicas que dificultem a entrada no inseto na plantação, são medidas simples e eficientes que vão permitir que as plantas ultrapassem a fase inicial de desenvolvimento sem serem infectadas. Desse modo, ainda que a praga alcance a lavoura mais tarde, por volta de 40 dias após o transplantio das mudas as plantas de tomate possuem maior tolerância ao vírus e os danos não são severos a ponto de inviabilizar a produção.
Devido ao manejo inadequado, em meados da década de 90, a tomaticultura no polo agrícola de Petrolina/PE foi muito prejudicada pela mosca-branca e, com isso, a indústria processadora teve que migrar a produção para o Centro-Oeste. Atualmente, Goiás é o maior produtor de tomate para processamento industrial do País, com mais de 80% da produção nacional do fruto, e para evitar que a praga comprometa a sustentabilidade do sistema produtivo na região, assim como aconteceu no Nordeste, o órgão de defesa agropecuária estadual aprovou uma instrução normativa que prevê a implantação do vazio sanitário para o tomate entre os meses de novembro e janeiro.
"Esse período do ano é problemático porque existem outros cultivos que são hospedeiros da mosca-branca, por exemplo, a soja. Por isso, quanto mais o produtor de tomate atrasar o plantio para não coincidir com a colheita da soja, que é quando a mosca-branca se desloca em busca de outras culturas, menores serão as chances de haver uma alta população de insetos no início do estabelecimento da lavoura de tomate rasteiro, quando as plantas são mais vulneráveis", analisa o pesquisador que recomenda os meses de março e abril para início do plantio do tomate.
Para garantir a efetividade do vazio sanitário, os órgãos de defesa supervisionam os viveiros de produção de mudas, que devem apresentar relatórios com informações sobre os compradores, volume comercializado e época da venda. Outro aspecto da fiscalização é a amostragem de polos de produção para checar se, na entressafra, há cultivo de tomate no campo ou tigueras, ou seja, restos vegetais que não são colhidos e ficam no campo até brotar novamente. Essas plantas preocupam porque elas podem servir como fonte de vírus e prejudicar a quebra no ciclo da doença, que é o principal objetivo do vazio sanitário. De acordo com Michereff, a pesquisa identificou que a taxa de transmissão de vírus entre plantas de tomate é muito mais alta do que de plantas daninhas para tomate, daí a importância de eliminar qualquer planta verde do campo.
Durante os meses de plantio, o método utilizado pelos agricultores para manter estável o nível da população da praga é o controle químico que, se feito de forma equivocada e sem outros controles simultâneos, perde eficiência com o tempo. Os erros mais comuns são misturas de produtos e dosagens exageradas, que causam uma pressão de seleção muito grande em cima da praga para selecionar indivíduos e, então, populações resistentes aos produtos. "Há uma linha de pesquisa com objetivo de detectar quais são os focos de resistência a inseticidas e também estabelecer a relação da eficiência entre o controle da praga e a redução da incidência de viroses na lavoura, que são fatores diretamente proporcionais", esclarece.
Outra opção para reduzir os danos ocasionados pelas viroses é utilizar cultivares com algum grau de tolerância ao vírus para que, assim, a necessidade de utilizar produtos químicos seja reduzida e, por consequência, o custo de produção e a contaminação ambiental. Segundo Michereff, mesmo infectadas, as cultivares tolerantes, devido a um mecanismo imunológico, conseguem se desenvolver ao isolar o vírus e emitir novas folhas sadias que vão manter a produção.
O monitoramento da praga dentro da lavoura ao longo do ano também é ponto-chave para obtenção de bons resultados no controle, visto que vai gerar informações que vão subsidiar as decisões do agricultor. "O monitoramento vai permitir que o produtor organize o calendário de plantio de modo que o início da lavoura não coincida com os períodos críticos de maior infestação por mosca-branca", pontua o pesquisador ao explicar que a inspeção periódica também vai dizer qual é a fase de desenvolvimento da praga predominante naquele momento e, assim, otimizar o uso de produtos químicos em uma espécie de aplicação cirúrgica voltada para ovos, ninfas ou adultos.
Com enfoque diferente, a pesquisa utiliza o monitoramento para gerar informações que aperfeiçoem o Manejo Integrado da Praga (MIP), mas há também o propósito de refinar as técnicas de monitoramento para que elas possam ser utilizadas em grande escala pelos produtores que cultivam vastas áreas. Estima-se que um monitoramento bem feito pode reduzir em até 40% a frequência de aplicação de inseticidas, o que tem impacto positivo no custo de produção, na preservação ambiental e na qualidade do produto.
Quanto maior a área de adoção do manejo integrado da mosca-branca, melhor o retorno quanto à redução da incidência do inseto-vetor e do vírus. Para isso, pesquisa, extensão rural, órgãos públicos e agricultores têm que estar sensibilizados para o problema que, em situações extremas, pode ocasionar quebra de safra e desabastecimento. "Há necessidade de mobilização de todos os elos da cadeia produtiva para levantar demandas de pesquisa relacionadas à seleção de produtos e de cultivares e detecção de resistência para que, desta forma, possamos vencer o desafio que a mosca-branca impõe à tomaticultura nacional", conclui o pesquisador.
Os danos da mosca
A mosca-branca é um inseto sugador de seiva e transmissor de vírus. Além de prejudicar o desenvolvimento normal da planta, o que naturalmente reduz a produção, no processo de alimentação, a mosca-branca injeta toxinas que, no caso do tomateiro, ocasionam o amadurecimento desuniforme e a isoporização dos frutos. Quanto aos vírus, a praga pode transmitir para o tomate o begomovírus, o crinivírus ou, ainda, ambos, o que é chamado de mistura viral. Esta possibilidade preocupa a pesquisa, que já questiona se a combinação pode interferir no manejo de outros vírus do tomateiro, como o tospovírus, transmitidos pelos tripes. Com mecanismos que favorecem a adaptação em condições extremas, a mosca-branca apresenta alta taxa de fecundidade, além de ter como característica a partenogênese, ou seja, a fêmea é capaz de produzir clones que vão manter possíveis genes de resistência a produtos químicos, o que facilita o estabelecimento da população da praga.
Paula Rodrigues (61.403/SP)
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