Agricultura, Ecologia e os três “erres”
Agricultura, Ecologia e os três “erres”
A Assembleia das Nações Unidas proclamou este ano de 2014 como o Ano Internacional da Agricultura Familiar. Estimativas atuais da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) revelam que dos 570 milhões de agricultores distribuídos no planeta, 500 milhões são considerados agricultores familiares. Eles são responsáveis por quase 60% da produção de alimentos mundial e, do total, 475 milhões ocupam áreas com menos de dois hectares. No Brasil, este tipo de agricultura é muito importante, visto seu papel de destaque tanto na produção de alimentos, devido à forma de utilização do solo e dos recursos naturais, quanto na ocupação de mão de obra.
A agricultura tem sido apontada como grande causadora de impactos negativos sobre a ecologia. De fato, a alteração e a supressão de ecossistemas em áreas de agricultura ao longo do tempo vêm deteriorando uma boa proporção da superfície do planeta. A agricultura vem alcançando o objetivo de produção de alimentos com relativo sucesso, porém possui um grande desafio: reduzir os impactos sobre o ambiente. Este dilema vem ao encontro do próprio caráter da agricultura moderna que, por sua vez, opõe-se à distribuição e abundância de organismos, bem como suas interações, estudados pela Ecologia. No entanto, a produção de alimentos não necessariamente precisa contrapor-se à manutenção da biodiversidade. É possível haver agricultura ao mesmo tempo em que os chamados serviços ambientais são mantidos, ainda em que em menor nível quando comparados ao ecossistema em seu estado natural. Neste quesito, a agricultura familiar sob sistema orgânico possui grande potencial.
Os resultados apresentados por diferentes artigos publicados em revistas científicas de alto impacto apontam para um caráter regenerativo do sistema de produção orgânico, onde há maior fixação de carbono no solo, menor emissão de gases e menor consumo de energia para produção vegetal. A seguir, um breve relato de alguns dos trabalhos científicos que chegaram a tais conclusões. O trabalho publicado na revista Science, em 2002, por Paul Mader e colaboradores, resultado de um experimento de 21 anos, indicou que: sistemas orgânicos utilizam 53% menos energia e 97% menos agrotóxicos, com produtividade 20% menor do que o sistema convencional. Os autores verificaram incrementos na fertilidade do solo e biodiversidade das áreas estudadas na Suíça. Os benefícios ambientais do sistema orgânico podem compensar a menor produtividade observada em alguns casos. O resultado da valoração dos serviços ambientais demonstrará que o sistema é superavitário.
Outro estudo que vale a pena mencionar é o publicado pela revista Biology Letters, em 2005, de Rob Fuller e colaboradores, que demonstrou na Inglaterra uma maior diversidade de plantas, invertebrados, pássaros e morcegos nas áreas de produção orgânica quando comparadas às áreas convencionais. Interessante notar que este estudo em larga escala baseou-se em 89 pares de áreas orgânicas e convencionais, pareadas conforme proximidade geográfica, tipos de cultivo e épocas de plantio com coletas durante três anos seguidos.
Em 2012, foi publicado na revista Nature um trabalho de Seufert e colaboradores que confirmou que, em média, a produtividade da agricultura orgânica é 25% menor do que a convencional (média composta de produção de frutas, oleaginosas, cereais e hortaliças). Os autores observaram que, no caso da produção de frutas, a produtividade dos sistemas convencional e orgânico pode ser equivalente, mas que justamente no caso de hortaliças haveria as maiores discrepâncias.
Este ano, foram divulgados os resultados de 30 anos de experimentação lado a lado de cultivos convencionais e orgânicos no Instituto Rodale, nos Estados Unidos. O que mais chama a atenção neste estudo é a equivalência das produtividades dos cultivos orgânicos em relação aos convencionais, mas com um gasto energético 45% menor, emissão de gases 40% menor e lucro quase três vezes maior no sistema orgânico de produção.
"Reduzir, Reutilizar e Reciclar" formam os três "erres" que fundamentam uma atitude ecológica nas cidades e que parece muito "familiar" à agricultura familiar. Os três "erres" podem auxiliar a agricultura a ser menos dependente de insumos de fontes não renováveis e, assim, melhorar sua interação com o ambiente. É possível que os resultados alcançados até o momento no sistema orgânico apontem para uma direção promissora na produção de alimentos de forma mais ecológica. A agricultura orgânica Reduz o consumo de fertilizantes sintéticos e agrotóxicos; Reutiliza os materiais úteis na propriedade e; Recicla os resíduos da propriedade e de outras atividades agropecuárias por meio da compostagem, da vermicompostagem e da fabricação de biofertilizantes.
Com o aumento das pesquisas em agricultura orgânica no Brasil, será possível contribuir para a solução dos desafios da agricultura familiar e para a criação de tecnologias importantes para o país.
Referências
Mäder, P., Fliessbach, A., Dubois, D., Gunst, L., Fried, P., & Niggli, U. (2002). Soil fertility and biodiversity in organic farming. Science, 296(5573), 1694-1697.
Fuller, R. J., Norton, L. R., Feber, R. E., Johnson, P. J., Chamberlain, D. E., Joys, A. C., ... & Firbank, L. G. (2005). Benefits of organic farming to biodiversity vary among taxa. Biology letters, 1(4), 431-434.
Seufert, V., Ramankutty, N., & Foley, J. A. (2012). Comparing the yields of organic and conventional agriculture. Nature, 485(7397), 229-232.
Farming systems trial 30 year report Disponível: http://rodaleinstitute.org/our-work/farming-systems-trial/farming-systems-trial-30-year-report/
Daniel Zandonadi
(Engenheiro Agrônomo - Analista da Embrapa Hortaliças)
Embrapa Hortaliças
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