03/09/14 |   Agricultura familiar  Agroecologia e produção orgânica

Camponeses compartilham saberes agroecológicos em territórios sergipanos

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Foto: Saulo Coelho

Saulo Coelho - 'Círculo de cultura' representa medos e esperanças dos agricultores

'Círculo de cultura' representa medos e esperanças dos agricultores

Acolhido pelo silêncio e a paz eclesiásticos de um retiro religioso às margens do rio Vaza-Barris, no litoral sul da capital sergipana, um mosaico simbólico repousa sobre o chão, representando a dualidade de um campo acometido pelas práticas insustentáveis de grandes corporações que visam o lucro acima de tudo, e um campo sustentável, no qual famílias aplicam boas práticas de base ecológica e garantem alimentos saudáveis e variados, sem destruir a natureza.

À sua volta, uma grande roda de pessoas, pela qual circulam e se cruzam relatos, impressões, questionamentos, preocupações, orgulhos, vontades, medos. O que as une? O senso de comunidade, de partilha, de desenvolvimento coletivo, a vontade de aprender ensinando e de ensinar aprendendo, porque só assim "todo mundo cresce junto".

Este foi o cenário em que agricultores participantes do projeto ‘Construção do Conhecimento Agroecológico para os Territórios Rurais de Sergipe', batizado pelos próprios produtores de Rede Camponês a Camponês, liderado pela Embrapa Tabuleiros Costeiros (Aracaju, SE), compartilharam suas experiências, nos dias 28 e 29 de agosto.

Dona Maria relata com altivez uma experiência inusitada. Pela primeira vez, depois de algum tempo, seu filho, que migrou para a cidade, ultimamente tem voltado ao seu lote para poder enfim "comer uma comida decente". Seu Ivanilson ‘Negão', uma referência para os demais, segue orgulhoso com sua "Roça do Futuro" lá em Estância, no Sul Sergipano, onde ele e sua família plantam espécies florestais, frutíferas, leguminosas e hortaliças. Tudo cultivado e manejado à luz dos conceitos de ‘jardinagem florestal' e ‘berço ideal', desenvolvidos pelo pesquisador Ernst Goetsch em parceria com o engenheiro agrônomo e consultor baiano Henrique Souza e compartilhados em oficinas do projeto.

No lado "mau" do mosaico por eles montado, amostras e representações do que causa medo, preocupação e tristeza a essas pessoas simples e determinadas – o fogo, os monocultivos de eucalipto, o lixo, os agrotóxicos e a fuga dos seus filhos em busca de uma vida mais "consumista" na cidade. Na metade que têm como ideal, o lado "bom", pairam viçosas fruteiras, agroflorestas sucessionais, alimentos sadios e resíduos reaproveitados, num círculo virtuoso próspero e sustentável, além de desenhos de pessoas mais felizes e folhetos com imagens e testemunhos de muitos participantes – esses relatos no papel ajudam a espalhar as boas notícias a quem não pôde comparecer. Entre as palavras-chave entoadas como mantra por todos na roda estão "alimentação saudável", "união" e "diversidade".

Durante todo o segundo dia, os parceiros do projeto contam para os outros na grande roda – e para gente de fora também (Incra – Sede e Superintendências Regionais de estados do Nordeste, Associação Brasileira de Agroecologia – ABA, assistentes técnicos e universidades) – como a adoção de práticas de base ecológica aprendidas entre eles mesmos trouxeram melhorias nos seus lotes e nas suas vidas. Tudo ouvido com atenção por seus pares e pelos pesquisadores e agentes de transferência de tecnologia da Embrapa – que vêm sistematizando e adaptando a metodologia às realidades locais, além dos visitantes interessados em repetir a experiência em seus estados.

O projeto
Idealizada para estas redondezas na metade da década passada, a rede Camponês a Camponês teve suas sementes plantadas em Sergipe com base em duas grandes fontes de inspiração. A primeira foram as experiências positivas da metodologia ‘Campesino a Campesino', aplicada com excelentes resultados em países da América Central, como a Guatemala, segundo a qual os pequenos agricultores ensinam uns aos outros como proteger o meio ambiente e ao mesmo tempo garantir uma vida abastecida de produtos saudáveis em seus lotes. Elas foram descritas em livro de 2006 por Eric Holtz-Giménez.

O segundo alicerce de conceitos veio com a política de territorialização adotada pelo governo brasileiro. "Na verdade, a ‘mosquinha me mordeu mesmo'", conta o pesquisador e líder do projeto, Edmar Siqueira, "quando assistia a uma palestra do ex-ministro da fazenda de Itamar Franco, Paulo Haddad, em 2006" [Haddad foi idealizador de importantes políticas públicas e programas de desenvolvimento comunitário endógeno]. Norteada pelos profundos conhecimentos da cientista pernambucana Tânia Bacelar, as políticas de desenvolvimento com recorte em territórios de identidade se consolidaram no novo milênio, e tomaram forma os Territórios da Cidadania, em concomitância com o Plano de Desenvolvimento Territorial Participativo de Sergipe [veja aqui publicação do IICA citando o plano como referência de política pública], capitaneado pela então secretária do Planejamento do Estado, Lúcia Falcón.

Nesse cenário, em 2007, o projeto ‘Redes Sociais de Aprendizado para o Desenvolvimento Agrícola do Território Sul Sergipano' é submetido por Edmar e aprovado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Plantou-se então a primeira semente, com a articulação dos primeiros agricultores interessados, a realização de diagnósticos rurais participativos rápidos, oficinas para proposição de soluções nos cinco eixos de desenvolvimento levantados por eles (a construção de um estilo de sistema de produção familiar, de base ecológica; restauração florestal; recuperação de áreas degradadas; plano de assistência técnica e extensão rural (ATER) e implantação dos princípios da economia solidária), e implementação das experiências-piloto em seus lotes para posterior partilha de resultados e impressões.

O projeto durou até 2010, e em 2011 o Sistema de Gestão Embrapa aprovou na sua plataforma de agricultura familiar e agroecologia o projeto ‘Construção de conhecimento agroecológico em territórios de identidade rural por meio de intercâmbios em redes sociais', que foi então batizado de Camponês a Camponês. Nesse momento, as redes articuladas e estimuladas desde 2007 já ganhavam força e se tornavam uma nova realidade local (hoje são quatro redes no território Sul Sergipano, com 30 famílias cada), e aconteceram diversas visitas a lotes de parceiros para conhecer de perto como as coisas mudaram pra melhor.

As ações seguem até o primeiro semestre de 2015, quando se encerra o projeto. Mas, como toda ideia forte e coletivamente aclamada dificilmente morre, uma proposta de novo projeto será apresentada ano que vem, dessa vez já num formato mais robusto de ações de pesquisa articuladas em núcleos regionais – a Embrapa Tabuleiros Costeiros será ponto focal de um desse núcleos. E assim, as redes de aprendizado coletivo seguirão em frente, ganhando adeptos além-fronteiras e nutrindo esperanças cada vez mais fortes de um mundo verdadeiramente sustentável.

As impressões
Seu Marinho Nascimento, que possui um lote no assentamento Roseli Nunes, em Estância, faz parte da rede há dois anos. Para ele os ganhos mais importantes de participar dessa integração foram o resgate do diálogo com as famílias, a divisão de trabalho em grupos e as práticas agroecológicas.

Dona Silvanira Santos, assentada do 17 de Abril, também em Estância, destacou o fato da interação em rede ter resgatado saberes que estiveram quase esquecidos, como técnicas de combate a pragas das hortaliças sem uso de veneno. Tudo isso reativado em oficinas e vivências engrandecedoras.

Ouça os depoimentos de Seu Marinho e Dona Silvanira no SoundCloud clicando aqui.

A coordenadora do Plano Nacional de Agroecologia do Incra, Débora Guimarães, veio ver de perto como a assistência técnica estava sendo prestada em campo e como estavam se dando os relacionamento entre técnicos, agricultores e instituições. "A impressão mais marcante para mim ultrapassa até mesmo os critérios técnicos, pois tem a ver com a autoestima deles, como o intercâmbio os tem feito se reconhecer como parte do processo e detentores de saberes, pessoas que nos encaram de igual para igual", revelou, destacando que ações desse tipo não são caras e podem ser replicadas sem muita dificuldade e outros estados, pois envolvem muito mais vontade de fazer e mudança de atitude.

Vandilson Silva, coordenador do programa de assistência técnica e extensão rural do Incra na Paraíba, pretende replicar a abordagem para iniciar processos de transição agroecológica por lá. Ele saiu de Sergipe com as melhores impressões possíveis. "Apesar de já termos um pouco de conhecimento do processo por conta de nossa relação com a Superintendência daqui, a construção coletiva com base na troca de saberes e experiências vista de perto nos deu provas do grande envolvimento dos participantes", afirmou.

Grande incentivadora da iniciativa, a professora da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e presidente da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), Irene Cardoso, participou mais uma vez da roda de partilha – ela é membro do projeto de pesquisa, ouvindo atentamente os relatos e trazendo novas perguntas e provocações estimulantes. Para ela, um ponto importante é que hoje as pessoas têm uma confiança muito grande na metodologia. "É possível reconhecer o conhecimento do agricultor, trazer esse saber para a roda, priorizar as ações de acordo com os desejos deles e buscar a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Quem trabalha com agroecologia tem a necessidade e vontade de entender o agroecossistema de uma forma integrada, e isso está presente neles", conta.

Ouça aqui, no SoundCloud, a fala de Irene Cardoso sobre a metodologia e os resultados alcançados.

Mais imagens
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Saulo Coelho (MTB/SE 1065)
Embrapa Tabuleiros Costeiros

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