14/08/14 |   Gestão ambiental e territorial

Texto na íntegra: Nota Técnica CAR MS - Pantanal 2014

Informe múltiplos e-mails separados por vírgula.

Este é o texto completo da Nota Técnica emitida pela Embrapa Pantanal em agosto de 2014 a pedido do Instituto de Meio Ambiente do Mato Grosso do Sul - Imasul para subsidiar a legislação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) no Pantanal.

 

Referência: Recomendação Técnica para o Artigo 17° do Decreto Estadual Nº 13.977, de 5 de junho de 2014, que dispõe sobre o Cadastro Ambiental Rural de Mato Grosso do Sul e dá outras providências, em conformidade com a Lei Federal 12.651, de 25 de maio de 2012.
 
Esta Nota Técnica constitui a proposição de uma alternativa para estabelecer limites para a substituição da vegetação nativa no Pantanal visando à formação de pastagens cultivadas, em consonância com as premissas do Artigo 10º do Código Florestal.
 
 
 
A Nota Técnica da Embrapa Pantanal, de 18 de outubro de 2013, encaminhada ao IMASUL, discorreu sobre os princípios que nortearam as análises, incluindo proposição específica para Áreas de Preservação Permanente (APP), Áreas de Uso Restrito (AUR) e aspectos relevantes para a sustentabilidade ecológica das atividades humanas, como hidrologia, limpeza de pastagens, uso de fogo para o manejo da vegetação, entre outros.
 
Para AURs, um aspecto central foi a definição de uma estratégia para licenciamento da substituição de vegetação nativa para formação de pastagens cultivadas, uma vez que este tipo de intervenção nas paisagens tem efeito direto sobre a biodiversidade e os processos ecológicos relevantes, além de ser uma demanda de dimensão econômica para as fazendas localizadas no Pantanal.
 
Da mesma forma que a Nota Técnica de outubro de 2013, a presente proposta se baseia na consideração do que está preconizado no Artigo 10° do Código Florestal. Neste sentido, é necessário entender claramente o que este Artigo determina quando confere ao Pantanal o regime de AUR e o que é admitido como "exploração ecologicamente sustentável" para estas áreas. A sustentabilidade ecológica implica em parâmetros de natureza bioecológica como base para a definição de formas, limites e regulamentos para o exercício das atividades econômicas, sem que isso inviabilize a economia. Por esta vertente, a sustentabilidade ecológica se apoia em três princípios fundamentais e norteadores das eventuais abordagens a serem adotadas: a conservação da biodiversidade, a manutenção dos processos ecológicos e da resiliência (capacidade de recuperação dos ecossistemas). Neste sentido, é preciso que as exigências da lei, bem como os recursos que ela disponibiliza (as facilidades por ela permitidas), sejam aderentes a estes três princípios, os quais devem ser estritamente obedecidos.
 
Neste caso, o embasamento científico deve incluir parâmetros indicadores do nível adequado de manutenção da diversidade biológica e dos processos ecológicos-chave, juntamente com a definição de critérios para a quantidade e localização das áreas de vegetação nativa a serem substituídas, bem como determinar os tipos de vegetação mais indicados em cada caso.
 
Considerando que a biodiversidade está diretamente ligada com a diversidade de habitats em uma paisagem, não se constitui medida efetiva proteger determinados tipos de vegetação em detrimento de outros que, por conseguinte, estariam passíveis de supressão e substituição. O importante, com base na abordagem da sustentabilidade ecológica, é a manutenção da diversidade de habitats (ou unidades de paisagem) através de amostras significativas de todos os tipos presentes em determinada área ou propriedade rural. 
 
Numa paisagem complexa, as espécies e as comunidades animais e vegetais, as quais compõem a biodiversidade, não ocorrem de maneira homogênea em todos os ambientes, havendo muitas especificidades. Para plantas, por exemplo, as espécies endêmicas do Pantanal ocorrem em áreas de campo, cerrado e ambientes inundáveis, e não nas florestas protegidas pela legislação Brasileira. Também é relevante que a aplicabilidade do critério a ser adotado deve ser tal que permita seu uso em qualquer região do Pantanal, em diferentes condições de paisagem, além de ser coerente na definição de limites para esta prática. Para isso, a recomendação da Nota Técnica anterior foi que se adotasse a diversidade da paisagem como parâmetro de manejo visando à definição dos critérios para a substituição da vegetação nativa, já que existem conhecimentos técnicos suficientes para justificar seu uso. Neste sentido, foi indicado um Índice de Diversidade da Paisagem como parâmetro, o qual deveria ser calculado com base em mapas de vegetação das fazendas. Sobre esta base de informação, cenários de formação de pastagens poderiam ser elaborados e o cálculo do quanto da diversidade original da paisagem fica mantido nas propriedades rurais em cada cenário. Assim, foi sugerido que seja permitido reduzir em até 15% da diversidade da paisagem original através de substituição da vegetação nativa por pastagens cultivadas.
 
Após várias reuniões com técnicos do Imasul, pesquisadores da Embrapa e proprietários rurais, visando esclarecer sobre os detalhes desta proposta, percebeu-se uma certa dificuldade de entendimento do Índice de Diversidade de Paisagem pelo público não especializado, bem como uma relativa complexidade na implantação e operacionalização deste procedimento. Apesar disso, seu mérito técnico é inquestionável, uma vez que não requer conhecimentos prévios sobre a biodiversidade em cada propriedade, nem sobre os processos ecológicos. Estes conhecimentos, ainda muito limitados no Pantanal, apresentam uma complexidade tal que seria virtualmente impossível acessá-los com vistas a uma legislação. Neste sentido, o uso do Índice de Diversidade da Paisagem corresponde a um excelente substituto destes complexos conhecimentos, daí advindo sua sugestão técnica para servir de base da legislação. Além disso, esta abordagem tem uma relação consistente com o Artigo 10° do Código Florestal, desde que sejam obedecidas as premissas relativas às APPs e ao regime hidrológico, conforme recomendado pela Embrapa Pantanal na Nota Técnica de outubro de 2013.
 
Assim, na presente Nota Técnica a Embrapa Pantanal apresenta um parâmetro alternativo, de entendimento mais fácil. Este parâmetro se baseia na estimativa da relevância ecológica de tipos de vegetação (ou unidades de paisagem) como base para definir os limites para substituição da vegetação nativa. A motivação para estimar a relevância ecológica advém da tradicional incidência de formação de pastagens cultivadas sobre campos altos (não inundáveis) e cerrados, por serem de baixo custo e mais facilmente removidos para formação, além de constituírem de pastagem nativa com capacidade de suporte relativamente baixa para o gado. Entretanto, é nestas áreas que se encontra a maioria das espécies endêmicas terrestres do Pantanal, bem como são os habitats de várias espécies ameaçadas e migratórias específicas destes ambientes. Assim, considera-se inadequado eliminar ou reduzir substancialmente estes ambientes em detrimento de outros, visando à formação de pastagens cultivadas. 
 
Discriminar a relevância ecológica por categorias de habitat ou de vegetação, baseando-se em informações disponíveis, permite escalonar a substituição de vegetação nativa de acordo com sua relevância para a manutenção da biodiversidade e dos processos ecológicos, ao invés de manejar apenas duas categorias. A estimativa da relevância ecológica requer informações sobre diversos aspectos ecológicos, os quais, em grande parte, não estão ainda estudados. Por outro lado, uma análise com base em aspectos já conhecidos pode ser feita, utilizando para isso critérios diretamente relacionados com a biodiversidade e processos ecológicos, discriminados por categorias de tipos de vegetação no Pantanal.
 
Para tanto, a Embrapa Pantanal adotou uma análise multicritério para suporte à tomada de decisões, elencando critérios para os quais as informações podem ser acessadas. A abordagem de análise multicritério adotada foi o modelo MACBETH (Bana e Costa & Vansnick, 1999), que mede a atratividade de diversas opções para a tomada de decisões. As opções analisadas corresponderam às categorias de habitat mais gerais, que incluem uma variedade de habitats mais específicos. Esta estratégia foi necessária para equilibrar o nível de detalhamento, evitando-se uma análise pouco discriminatória dos diversos tipos de vegetação, ou ainda uma análise excessivamente discriminatória, a qual poderia reduzir a capacidade de síntese e dificultar a elaboração da legislação.
 
Neste sentido, foram usadas, como categorias de vegetação, as florestas (que incluem cerradões, matas secas e matas semidecíduas), matas ripárias (matas ciliares, matas galeria e outras formações que margeiam cursos d'água), cerrados (as diversas fisionomias de cerrado ou de savanas, incluindo formações arbóreas abertas com dominância de uma ou poucas espécies), campos altos (campos não inundáveis), campos inundáveis (campos inundáveis incluindo vazantes, bordas de baías), campos úmidos (habitats abertos que passam boa parte do ano inundados ou úmidos, incluindo os brejos e brejões), ambientes aquáticos e pastagens cultivadas.
 
Para a avaliação da relevância ecológica usou-se como critérios: A) a riqueza de espécies (anfíbios, répteis, aves e mamíferos), B) o número de espécies migratórias, C) o número de espécies endêmicas, D) o número de espécies dispersoras de sementes com grande mobilidade na paisagem, e E) a diversidade de guildas tróficas, por categoria de vegetação. Os itens D e E são aqueles que mais refletem a complexidade das interações ecológicas dentro de cada categoria, enquanto os demais refletem aspectos ligados à diversidade biológica e à conservação. A elaboração das listas e sua revisão foi feita em workshops e consultas a especialistas em cada grupo taxonômico. A análise foi conduzida com o estabelecimento de pesos, níveis de atratividade de critérios e análises de sensibilidade durante estas reuniões técnicas, conforme requerido pela abordagem MACBETH.
 
A análise resultou uma escala de atratividade de cada categoria de vegetação para a biodiversidade, ou seja, sua relevância ecológica nas paisagens do Pantanal, como mostra a tabela a seguir:
 
 
 
 
Figura 1. Relevância ecológica de categorias de vegetação no Pantanal obtida através da abordagem MACBTEH com base nos critérios riqueza de espécies, número de espécies migratórias, número de espécies endêmicas, número de espécies dispersoras de semente com grande mobilidade na paisagem, e diversidade de guildas tróficas.
 
 
Com base nestes resultados, estabeleceu-se a porcentagem de cada categoria de vegetação passível de substituição para formação de pastagem cultivada. Partiu-se do princípio de que, se todos as categorias apresentarem performance máxima para os critérios utilizados (Tudo Superior, na Tabela 1), nenhuma intervenção pode ser feita na vegetação. Por outro lado, se a performance das categorias de vegetação tiver a pontuação mais baixa possível para os critérios de análise, tudo poderia ser substituído (Tudo Inferior, na Tabela 1). Por esta lógica, a porção manejável de cada categoria de vegetação é a diferença entre a teórica relevância máxima e a relevância calculada. Desta forma, o montante passível de substituição por pastagem cultivada, para cada categoria de vegetação, é:
 
             • 35% dos cerrados
             • 36% das florestas
             • 45% dos campos altos
             • 45% dos campos inundáveis*
 
Os ambientes inundáveis e os aquáticos não são recomendados para substituição de vegetação nativa uma vez que a qualidade destes habitats em termos de pastagem é superior, na grande maioria dos casos, à das pastagens cultivadas. As pastagens naturais de ambientes sazonalmente inundados são a base da pecuária tradicional no Pantanal, dada sua qualidade como forragem. Para os campos inundáveis (*), ainda será necessário desenvolver estratégias para definir em quais condições a substituição poderá ser permitida. Por outro lado, as matas ripárias, por se localizarem em áreas de APP, não são passíveis de substituição. Os habitats aquáticos são conservados com base à indicação feita na Nota Técnica da Embrapa Pantanal, de outubro de 2013, que preconiza não-intervenção no fluxo, distribuição e duração das cheias.
 
A porção de cada categoria de vegetação não passível de substituição, por esta abordagem, fica destinada ao uso pecuário sob o regime de uso restrito, nas quais a limpeza de pastagem (remoção de espécies invasoras) e uso controlado do fogo podem ser desenvolvidos conforme portarias e normas já estabelecidas pelos órgão estaduais responsáveis.
 
Desta forma, nenhuma categoria de vegetação será drasticamente reduzida ou mesmo eliminada, favorecendo assim a manutenção da biodiversidade e dos processos ecológicos, além de permitir um incremento na capacidade de suporte nas fazendas do Pantanal. Até o presente, a região ainda não atingiu 15% de sua área cobertura por pastagens cultivadas, estando as mesmas concentradas em poucas regiões, principalmente em sua borda leste, noroeste e extremo sul do Pantanal. Com as propostas desenvolvidas pela Embrapa Pantanal, será possível dobrar a quantidade de pastagem cultivada na região, com um impacto positivo tanto regional como estadual, mas com uma distribuição mais uniforme destas áreas na região.
 
As porcentagens de áreas passíveis de substituição incidirão nas fazendas de forma variável, dependendo da composição da paisagem em cada uma delas. Finalmente, dado o montante final de área total a ser substituída em cada propriedade, a proposta caracteriza o uso restrito da propriedade como um todo. 
 
Recomenda-se que seja estabelecido um prazo de 5 anos para reavaliação dos parâmetros da legislação, com base em estudos sobre biodiversidade a serem desenvolvidos neste período.
 
Corumbá, MS, 14 de agosto de 2014.
 
 
Referência citada:
 
Bana e Costa C.A.; Vansnick J.C. 1999. The MACBETH approach: Basic ideas, software, and an application. In: Advances in Decision Analysis, N. Meskens, M. Roubens (eds.), 1999, Kluwer Academic Publishers, Book Series: Mathematical Modelling: Theory and Applications, vol. 4, pp. 131-157.
 
 

Embrapa Pantanal

Mais informações sobre o tema
Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC)
www.embrapa.br/fale-conosco/sac/