29/09/14 |   Produção vegetal

Artigo: O inoculante para gramíneas

Informe múltiplos e-mails separados por vírgula.

Foto: Ana Lucia Ferreira

Ana Lucia Ferreira - Milho inoculado no campo experimental da Embrapa Agrobiologia

Milho inoculado no campo experimental da Embrapa Agrobiologia

Voce sabe o que é um inoculante para aplicação em gramíneas?
Esta pesquisa é legitimamente uma inovação brasileira. Diferentemente da soja, que se beneficia do rizóbio, o Brasil começou a estudar a possibilidade de ter um inoculante para milho, trigo, arroz e, principalmente, cana de açúcar no século passado. Foi no km 47 da antiga Rio-SP que um grupo de pesquisadores, liderado pela cientista Johanna Döbereiner, descreveu que nas raízes destas plantas o processo de fixar nitrogênio também ocorria, mesmo na ausência de nódulos.

Uma das primeiras publicações científicas do ano de 1966 descrevia uma espécie nova de bactéria fixadora de nitrogênio que habitava raízes da grama batatais (Paspalum notatum), sendo então descrita a espécie Azotobacter paspali. Dez anos depois, usando novos meios de cultivo, foi descoberto um novo gênero de diazotrófos nos solos tropicais e, desta vez, as amostras foram coletadas em diversos países e de amostras de raízes de cereais. Nascia o gênero Azospirillum  e uma das espécies descritas recebeu o sobrenome em homenagem ao berço de sua descrição: Azospirillum brasilense. O outro grupo de isolados recebeu o nome de Azospirillum lipoferum. Este gênero revolucionou o entendimento sobre a contribuição da fixação biológica de nitrogênio em plantas que não apresentavam nódulos e abriu as portas para muitas outras novas espécies e estudos em diferentes países. 

Por que será que levamos 35 anos para que o Brasil comercializasse o primeiro produto inoculante para cereais, utilizando esta espécie? A ausência de nódulos foi o primeiro fator limitante. O que não se vê não se acredita (dizia São Tomé!). Bem, podemos ver claramente que uma raiz de planta inoculada com Azospirillum brasilense cresce mais. Mas isto é fixação biológica de nitrogênio? Foi com o estudo feito com esta espécie que observou-se o grande efeito na produção de fito-hormônios capazes de modificar a taxa de crescimento de raízes. Daí o termo mais genérico hoje utilizado: bactérias promotoras de crescimento de plantas (BPCP).  Continuando, por que não temos inoculante de milho desde 1976? Naquela época, nosso maior concorrente era o adubo nitrogenado. Os agrônomos recebiam na escola o pacote tecnológico denominado "Revolução Verde", que preconizava a utilização de fertilizantes. Nossa produtividade cresceu linearmente e hoje somos exemplo de agricultura tropical para o mundo. Mas a pesquisa de insumos biológicos só foi lembrada recentemente, com a chamada "Agricultura de Baixo Carbono". Produzimos mais, mas emitimos mais gases de efeito estufa. Foi neste novo cenário que alternativas viáveis, guardadas nas pesquisas científicas, voltaram a ser ponto prioritário para o Brasil.

E no mundo, como foi a aceitação desta pesquisa notadamente inovadora e aplicada aos trópicos, onde os solos são mais pobres? Por que ter mais raízes significa mais produtividade? Nestes 35 anos, vimos a pesquisa que começou no km 47 ser citada mais de 1689 vezes (em publicações iniciadas em 1978) em apenas um site de pesquisa bibliográfica, tornando esta espécie a mais estudada na agricultura. Instituições do Brasil e do mundo receberam estirpes (comumente chamadas de cepas, no Brasil) para testes de inoculação de diversas culturas, especialmente o milho e o trigo, e, mesmo usando esta capacidade de produzir mais raízes, o Azospirillum é usado em conjunto com o rizóbio. Países como Egito, Índia, México, Argentina, Colômbia e muitos outros fizeram uso desta espécie de bactéria e possuem produtos utilizados na agricultura há vários anos.

Mas também descobrimos que ela não estava sozinha. Outras bactérias promotoras de crescimento co-habitam as raízes. Descobrimos que algumas aparecem dentro dos tecidos da parte aérea. Descobrimos que este efeito se estende a modificações na absorção de nutrientes, como na absorção de fósforo por maior interação com micorrizas.

Mas o que a pesquisa quer realmente levar ao campo? A possibilidade de utilizar racionalmente os insumos para que o agricultor ganhe mais dinheiro por área plantada e para que o País economize na dose de fertilizantes, principalmente o nitrogenado. 

Quanto podemos reduzir de nitrogênio fertilizante e onde? Azospirillum é a nossa primeira versão de BPCV. Temos outras, como o Herbaspirillum seropedicae, outra espécie também descrita pelo mesmo grupo de cientistas da Embrapa Agrobiologia, cujo nome é uma homenagem ao seu local de descobrimento. Nossos estudos confirmaram que a inoculação desta espécie em milho, com a aplicação de doses medianas de N-fertilizante (40 kg N/ha), produziu quantidades de grãos similares à aplicação do dobro dessa dose de nitrogênio e sem a inoculação de Herbaspirillum aplicado uma unica vez sobre a semente. Estes resultados são mais evidentes no milho plantado na segunda safra (também conhecida como safrinha). Sabemos que o melhoramento de novas variedades podem aumentar estes efeitos benéficos. Estamos trabalhando nessa direção.

Só não podemos esquecer que essas bactérias são aplicadas vivas e seu efeito é dependente da qualidade do produto inoculante. Estamos cientes de que a pesquisa com a utilização de insumos biológicos foi edificada por uma equipe de pesquisadores dedicados a levar ao campo o melhor resultado. Por isso, 35 anos foram necessários para viabilizar a aplicação dessas bactérias no Brasil. Vamos tornar os próximos 35 uma revolução literalmente verde, baseada na interação da pesquisa e do campo, permitindo que o agricultor tenha acesso a produtos de qualidade e certificados por aqueles que mais conhecem essas bactérias "do BEM". 

Verônica Massena Reis - pesquisadora
Embrapa Agrobiologia

Contatos para a imprensa

Telefone: (21) 3441-1500

Mais informações sobre o tema
Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC)
www.embrapa.br/fale-conosco/sac/