Pesquisa fortalece agricultura indígena no Acre
06/10/14
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Transferência de Tecnologia
Pesquisa fortalece agricultura indígena no Acre
As pesquisas com povos indígenas demonstram que fazeres tradicionais podem se reconfigurar e originar novos conhecimentos e novas práticas cotidianas. Nas Terras Indígenas (TI) Kulina (Madija) e Kaxinawá de Nova Olinda, na região do Alto Rio Envira, Município de Feijó (AC), essa produção de conhecimento, baseada na troca de saberes, contribuiu para fortalecer a produção agrícola, a segurança alimentar e a organização comunitária. O espaço das aldeias transformou-se com a diversificação dos plantios e com os roçados mais próximos das casas, entre outras iniciativas.
Desde 2008, esse trabalho tem gerado resultados práticos para a ciência e para as comunidades tradicionais, como explica o pesquisador Moacir Haverroth, coordenador das pesquisas com povos indígenas no Acre. "De um lado, esse conhecimento se traduz em novas informações para o campo científico, abre novas possibilidades de pesquisas que podem gerar outros benefícios para as comunidades; de outro, se expressa em novas formas de melhorar os sistemas de produção, a organização social, a alimentação e a renda das famílias nas aldeias", afirma.
O primeiro projeto, desenvolvido com o povo Kulina (Madija), buscou conhecer os cultivos e as práticas agrícolas e etnobotânicas, com foco em plantas medicinais, envolvendo três Terras Indígenas. Na TI Kaxinawá de Nova Olinda, as pesquisas buscaram conhecer e ampliar a agrobiodiversidade para melhorar a segurança alimentar.
O que fica para as aldeias
Os Kaxinawá de Nova Olinda e os Kulina (Madija) são povos com forte tradição agrícola, principalmente com cultivos de banana, mandioca e amendoim, bastante consumidos nas aldeias de forma in natura e no preparo de diversos pratos. Mas, a ausência de critérios importantes para o desenvolvimento das atividades agrícolas afetava o desempenho produtivo dos plantios. De acordo com Haverroth, isso não significa que o sistema tradicional indígena, baseado nessa forma intuitiva de conduzir as atividades agrícolas, não produza, entretanto, os resultados são reduzidos e demoram mais a aparecer. "A incorporação de técnicas simples e de fácil adoção, como o espaçamento adequado entre as plantas, potencializou a capacidade produtiva das culturas nas aldeias e melhorou a produção em termos de quantidade e qualidade", diz.
Uma das atividades que chamou a atenção foi o trabalho com fruticultura, que envolveu os agentes agroflorestais indígenas das quatro aldeias da TI Kaxinawá de Nova Olinda. Na última viagem da equipe do projeto, em agosto deste ano, os resultados eram visíveis tanto em relação à produção de mudas com sementes nativas como na produção de frutas. "Aprendemos novas formas de plantio e melhorou a produção de alimentos. Alguns produtos podem ser fornecidos para a merenda na escola indígena. Antes a gente plantava e, às vezes, não dava. Com mais esse conhecimento, nossa agricultura se fortaleceu", afirma o líder indígena Ninawá Kaxinawá.
No início da pesquisa na TI Kaxinawá de Nova Olinda, a figura do agente agroflorestal era algo simbólico porque existia apenas um agente para atuar nas quatro aldeias. Com o tempo, cada comunidade escolheu o seu agente e o governo do Estado passou a remunerar essa atividade. A partir daí, os agentes agroflorestais focaram em necessidades específicas, especialmente o aumento da produção com variedades resistentes a doenças.
Os conhecimentos adquiridos também facilitaram a identificação de pragas e doenças como a broca-da-bananeira, a sigatoka-negra, além de pragas comuns nos roçados, e a adoção de medidas simples para controle desses problemas. Essas práticas modificaram a forma de lidar com os cultivos. Antigos bananais foram recuperados e novos plantios foram implantados com variedades resistentes a doenças. "Antes a gente via os ‘ovinhos' do percevejo e não retirava porque não sabia que esses insetos destroem a planta. Agora a gente cata os ‘ovos", comenta Issaá Kaxinawá.
Nos roçados também foram introduzidas novas variedades de mandioca. Além disso, a implantação de três casas de farinha, em parceria com o governo do Estado, por meio da Secretaria de Extensão Agroflorestal e Produção Familiar (Seaprof), ajudou a melhorar as condições de produção entre os Kaxinawá. Essas estruturas, construídas em conjunto com os indígenas, em um modelo adaptado à realidade das aldeias, são utilizadas de modo compartilhado. A farinha produzida é consumida e utilizada como moeda de troca entre as famílias para adquirir produtos como carne, peixe e grãos.
Outro resultado importante do projeto foi a mudança na organização dos cultivos agrícolas. Antes, devido à criação de pequenos animais, para evitar danos aos cultivos, os roçados eram construídos em áreas distantes, o que exigia longas caminhadas por dentro da mata. Por orientação dos pesquisadores, as famílias deslocaram a criação de animais para locais isolados e começaram a construir os roçados mais próximos das casas. Esse novo arranjo no sistema espacial dos roçados facilitou o acesso a essas áreas e o transporte de produtos, com impactos no sistema de trabalho e na logística de produção de farinha.
A pesquisa também possibilitou a integração dos Kaxinawá de Nova Olinda com outros povos indígenas. As atividades de intercâmbio permitiram a troca de conhecimento sobre fruticultura e manejo de pequenos animais, mas, principalmente, a aproximação com outros povos indígenas. Uma dessas atividades, a participação na Feira de Sementes dos Krahô, realizada em Tocantins, em outubro de 2013, despertou novas iniciativas em termos culturais, mas com reflexos também na produção agrícola e nas práticas cotidianas. O intercâmbio de sementes, incorporada como foco de eventos importantes nas aldeias, permitiu aos Kaxinawá recuperar espécies tradicionais da sua cultura e ampliar a diversidade agrícola.
Essa ideia de diversidade também está presente nos sistemas agroflorestais implantados durante o projeto. Cada aldeia construiu o seu viveiro para produção de mudas e junto com técnicos do projeto desenhou e implantou um modelo de SAF, a partir da ideia do que são esses sistemas.
Todos esses resultados chamam a atenção tanto de instituições governamentais como de outros povos indígenas, que buscam a Embrapa para propor trabalhos em parceria. Por um lado, surgem novas demandas de pesquisa, por outro, as aldeias estão se tornando referência para ações de outras instituições. "Nós tínhamos poucas ações do governo, mas essa realidade mudou", afirma o professor indígena Roberto Kaxinawá.
Mobilização social
As ações do projeto também impactaram a organização social nas aldeias Kaxinawá. Desde a sua implantação os indígenas buscam fortalecer suas entidades representativas para atuar em outras iniciativas de captação de recursos para atendimento de demandas das comunidades. As aldeias já contam com três projetos aprovados. Um deles, por meio de edital do Sistema de Incentivos por Serviços Ambientais do Estado do Acre (SISA), elaborado com auxílio de pesquisadores da Embrapa e do setor de Extensão Indígena da Seaprof, se articula também ao fortalecimento da produção artesanal, antes concentrada em apenas uma pessoa e na elaboração de artigos encauchados (couro vegetal à base de látex de seringueira).
Com a reorganização da cadeia do artesanato, os Kaxinawá buscam expandir a atividade. O intercâmbio com outras comunidades tem possibilitado recuperar o conhecimento da tecelagem com algodão, com uso de desenhos (kene - /kanã/) tradicionais dessa cultura. Além de mobilizar as comunidades para o atendimento de demandas prioritárias, essa nova percepção contribui para reforçar a cultura indígena, de acordo com o pesquisador.
Resultados para a Ciência
Os resultados das ações de pesquisa trouxeram visibilidade para as aldeias e contribuíram para fortalecer a imagem da Embrapa junto aos povos indígenas. Com o primeiro projeto, nas Terras Indígenas Kulina, a Embrapa chegou a locais onde a pesquisa nunca havia chegado. A experiência com os Kaxinawá de Nova Olinda ampliou a participação de pesquisadores e técnicos.
Entre os resultados científicos desse trabalho estão os conhecimento gerados sobre os perfis dos solos e da vegetação da TI Kaxinawá, com comparação entre o conhecimento científico e o conhecimento indígena. As informações estão sistematizadas em uma publicação na língua Kaxinawá e na linguagem científica, em português. Uma das conclusões dessa comparação é que esses sistemas são equivalentes, em grande parte, ou seja, a classificação de solos tradicional dos Kaxinawá (etnopedológica) se aproxima muito da classificação da ciência (pedológica), mesmo os critérios sendo diferentes. Os conhecimentos gerados servirão como ferramenta para atualização do plano de gestão da TI, que integra as políticas estadual e federal e serve de base para o trabalho nas aldeias.
A interação entre profissionais da Embrapa e de instituições parceiras e os indígenas produziu resultados práticos, mas também simbólicos, com novas percepções tanto por parte da equipe do projeto quanto dos próprios Kaxinawá, essenciais para quebrar o distanciamento entre as partes, revelar interesses recíprocos e gerar resultados práticos.
Essa aproximação também modificou a visão dos indígenas em relação ao trabalho de pesquisa, muitas vezes recebido com desconfiança. "Hoje entendemos pesquisa como algo que traz benefícios para a comunidade. Percebemos que, com participação, podemos modificar a nossa realidade", afirma o agente agroflorestal Antônio Banê Kaxinawá.
Do trabalho inicial derivaram muitas outras iniciativas que se traduziram em resultados mensuráveis como a organização social dos Kaxinawá e a incorporação por este povo de novas formas de aproveitamento dos recursos naturais com propostas que buscam gerar renda e, ao mesmo tempo, conservam a floresta e ajudam a fortalecer as comunidades.
A temática indígena é um rico espaço para atuação da pesquisa pela infinidade de demandas e pela possibilidade de uma construção conjunta. Na Embrapa Acre uma terceira proposta de projeto já está em andamento. Na opinião de Haverroth, além do conhecimento, o que fica mais claro para a Ciência é a experiência humana proporcionada por este tipo de trabalho e a mudança de mentalidade depois dessa convivência.
Diva Gonçalves (MTb 0148/AC)
Embrapa Acre
Priscila Viudes (MTb 030/MS)
Embrapa Acre
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