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Entrevista - Bactérias intestinais podem ser causa de autismo e outras doenças

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Foto: Cláudio Norões

Cláudio Norões -

Quadros clínicos bem diferentes, como depressão, autismo e obesidade, podem partilhar de uma origem comum: as bactérias do intestino. Para o professor Gabriel Vinderola, do Instituto de Lactología Industrial da Universidad Nacional del Litoral da cidade de Santa Fé, na Argentina, a microbiota intestinal está por trás de males que vão além do sistema digestivo. 

Doutor em química, Vinderola esteve no Brasil ministrando cursos sobre pró-bióticos, e divulgando os mais recentes resultados de pesquisas, como a que observou traços de autismo em um camundongo originalmente saudável após o animal receber a microbiota de um paciente autista.

Dedicado à investigação de aspectos microbiológicos, tecnológicos e funcionais de bactérias benéficas à saúde humana e animal, o cientista argentino considera o Brasil um país privilegiado para o desenvolvimento de produtos pró-bióticos e defende a busca por organismos locais, naturalmente adaptados à população.

XXI - O que é pró-biótico e quais são seus impactos na saúde do indivíduo?

Vinderola - Geralmente, quando se fala em bactérias, as pessoas pensam em algo ruim, negativo, em patógenos. O pró-biótico é uma bactéria que tem efeito positivo e muitas delas são encontradas no intestino. Também estão presentes em alguns alimentos fermentados naturais. Naturalmente o intestino tem bactérias positivas e negativas. Mas pode haver desequilíbrios – quando, por exemplo, devido ao uso de um antibiótico, as bactérias negativas que causam diarreia e inflamação se sobressaem no intestino do indivíduo. Como o pró-biótico é uma bactéria positiva e conseguimos administrá-la, teremos no intestino um maior número delas e será possível balancear novamente essa situação intestinal.

XXI - Quais são as expectativas da pesquisa em relação a essa área?

Vinderola - Os pró-bióticos são microrganismos que têm que ser consumidos com certa frequência e estão incorporados principalmente nos laticínios. Aqui no Brasil, as pessoas consomem muitas frutas e sucos, no café da manhã, o que gera uma grande oportunidade para inserir os pró-bióticos nesse tipo de alimento, para levar à população os microrganismos que beneficiam a saúde. De modo a aproveitar o dinheiro investido em instituições públicas de pesquisa, e para que o resultado não seja apenas a publicação de um artigo científico, os benefícios apurados nas investigações devem chegar à sociedade. É interessante quando a pesquisa fecha o círculo, quando algum benefício volta para o consumidor. Pesquisas básicas são muito importantes, pois descrevem os microrganismos, mas as pesquisas com pró-bióticos têm grande potencial para gerar produtos e isso está muito perto de acontecer.

XXI - Por que é importante que as instituições científicas produzam pró-bióticos regionalizados?

Vinderola - Depois de cerca de 20 anos, a presença de pró-bióticos no mercado, principalmente por meio de laticínios, ainda se dá pela produção das principais cepas por grandes empresas internacionais. Essas cepas, que são microrganismos produzidos em laboratório, foram isoladas em outros países, em outros lugares, a partir de outras pessoas, de outros ambientes intestinais e, por isso, podem não estar completamente adequadas ao Brasil. Com o desenvolvimento do conhecimento, surgiram estudos indicando que talvez se devesse, para diversificar, isolar microrganismos do mesmo ambiente onde moramos. Isso porque pessoas que vivem em diferentes lugares geográficos aparentemente apresentam variações na microbiota intestinal, devido aos hábitos alimentares, aos alimentos que consomem, entre outros fatores. Então podemos pensar que os pró-bióticos, quando isolados a partir da população do país e colocados em um alimento que as pessoas desse lugar estão acostumadas a consumir, também poderiam ter um efeito diferente, pois eles [os pró-bióticos] estariam mais bem adaptados a esse ecossistema intestinal.

XXI - A imunomodulação estuda a relação dos pró-bióticos com a saúde. Há trabalhos que mencionam a perda dessas bactérias, relatam os fatores que levam a essa perda, como o caso do parto cesárea, e as dificuldades de repor essas bactérias. É possível, com o consumo de pró-bióticos, repor os microrganismos que foram perdidos ao longo da vida?

Vinderola - Há dois momentos-chave durante o nascimento do bebê. O primeiro é o próprio nascimento. No caso de parto natural, o bebê recebe os lactobacilos que a mãe possui naturalmente na vagina. O outro momento é na amamentação, quando a mãe passa pelo seu leite bifidobactérias, que são outros microrganismos importantes. Sabemos que muitas vezes o parto cesárea é indicado. Uma oportunidade para recuperar aquelas bactérias positivas, que a mãe não pôde passar pelo parto ou porque não amamentou, é pela administração de um pró-biótico. Há estudos desenvolvidos na Espanha que mostram que, quando colocamos um pró-biótico na alimentação de um bebê, o risco de alergias e infecções diminuirá durante sua vida.

XXI - E como é a atuação dessas bactérias no organismo do bebê?

Vinderola - Nesse primeiro momento, quando o bebê nasce, o sistema imunológico do seu intestino, principalmente, ainda não está educado. Então são essas bactérias que vão amadurecer, vão ajudar a educar o sistema imunológico. Se não colocamos bactérias benéficas, podemos ter como resultado uma situação inflamatória que vai durar muito tempo. Então é uma oportunidade de intervir no caso. Agora se o bebê nasce por parto vaginal e a mãe o amamenta, é provável que o uso de um pró-biótico não traga muitos resultados. Mas não é o que acontece. Eu vi que em clínicas privadas no Brasil o percentual de cesarianas chega a 60-70%. Então nesses casos poderíamos intervir com um pró-biótico para compensar o que não ocorreu naturalmente.

XXI - E se a pessoa nasceu de parto cesárea e já é um adulto, é possível repor as bactérias?

Vinderola - Estudos indicam que aquilo que não foi feito em um determinado momento dificilmente conseguiremos corrigir totalmente, o que se chama “janela de oportunidades” dos 1.000 primeiros dias de vida. Mas o pró-biótico poderá ajudar. Para isso, é aconselhado o consumo contínuo, porque o pró-biótico não fica para sempre no intestino. Com o consumo frequente, a pessoa pode conseguir ajudar seu sistema imunológico em parte. Mas a forma correta de cada 
um cuidar de sua microbiota é consumindo alimentos com fibras, como verduras e frutas, para alimentar as bactérias do intestino.

XXI - Você falou que existem muitas bactérias no nosso corpo. Quais são as principais espécies?

Vinderola - Às vezes ficamos surpresos, mas na verdade o ser humano é composto por mais bactéria do que por células próprias. Existem no nosso corpo, no intestino e na pele, mais bactérias do que pessoas que habitam o mundo. São milhões e milhões. Essas bactérias têm uma ação de proteção no nosso organismo, não poderíamos viver sem elas e são herdadas principalmente da mãe e do ambiente. O conhecimento sobre elas aumentou muito nos últimos dez anos. Há estudos que demostram que temos algumas bactérias no intestino que consomem uma substância chamada Gaba que estabiliza o humor, a ansiedade. Essa pode ser uma das causas da depressão. Isso significa que as bactérias regulam toda a nossa vida.

XXI - Quais são os estudos mais avançados que associam essas bactérias à saúde das pessoas?

Vinderola - A área que conta com mais estudos está relacionada à obesidade. O perfil das bactérias do intestino de uma pessoa obesa é diferente do de uma pessoa magra. As pesquisas da parte cognitiva ainda estão começando, mas foram feitos alguns estudos que mostraram que, quando a microbiota de uma criança autista foi transferida para um camundongo que não tinha essas bactérias, esse camundongo ficou com algum comportamento do autista. Aparentemente as moléculas que essa bactéria produz no intestino e que chegam ao cérebro determinam o comportamento do ser humano. Toda patologia envolve diferentes fatores, mas as bactérias do intestino estão ganhando cada vez mais importância na identificação da origem e nas consequências dessa patologia. 

XXI - Quais os desafios de pesquisa mais urgentes nessa área?

Vinderola - Nosso grupo está trabalhando também com uma bactéria isolada do leite materno. Uma das principais barreiras é a produção do pró-biótico em grande quantidade para que chegue à população. Para isso, são necessárias tecnologias disponíveis e economicamente viáveis, como a secagem em spray, que requer um custo dez vezes menor que o outro processo – a liofilização. Então, se conseguirmos cepas que possam ser secadas em spray, poderíamos produzir esse microrganismo com um custo muito baixo utilizando essa tecnologia que a Embrapa já possui.

XXI - Na Embrapa Agroindústria Tropical, há uma coleção de microrganismos isolados de alimentos. Qual a importância de uma empresa contar com uma coleção como essa?

Vinderola - O Brasil ainda tem uma grande tarefa a fazer porque possui uma enorme diversidade biológica de microrganismos. Para além de conservar essa diversidade, é preciso conhecê-la. Para isso são necessários muitos estudos, como os que já estão sendo desenvolvidos na Embrapa, com a finalidade de identificar os microrganismos de queijos artesanais, mas também os das frutas. Há um grande potencial biotecnológico para o desenvolvimento de novos alimentos no futuro, e a Embrapa, que está diretamente envolvida na produção de alimentos, está há muito tempo isolando, conservando, caracterizando e estudando as bactérias para desenvolver diferentes produtos, não só alimentos, mas também produtos medicinais, fitossanitários e outros.

XXI - Que tipo de produtos podem ser gerados, por exemplo?

Vinderola - Há possibilidade em toda essa área de pró-bióticos, mas também existem microrganismos que podem produzir composto polímero para desenvolver plásticos biodegradáveis e uma grande quantidade de outros tipos de produtos em diferentes áreas a partir de moléculas biológicas ativas. 

XXI - Como é esse mercado? É possível estimar seu tamanho e o quanto se pode investir em pesquisa?

Vinderola - Toda empresa tem por fim o lucro. Mas algumas, como a Danone,  além de ter esse objetivo, estão interessadas em chegar ao consumidor com um produto mais saudável, o que pode ser feito pela incorporação de um pró-biótico. O tamanho desse mercado, na verdade, não conseguimos dimensionar, mas podemos ver que os produtos como os laticínios estão em importante crescimento. Apesar de não conhecer o tamanho real desse mercado, pensamos que ele tem bom potencial, porque as pessoas estão cada vez mais cientes de que uma alimentação saudável pode prevenir muitas doenças ao longo da vida, e isso faz com que o mercado continue se expandindo.

XXI - Outro problema é a questão da conservação dos pró-bióticos, que podem ser liofilizados, com apresentação em sachês. A indústria diz que eles duram seis meses, mas talvez, devido ao nosso clima quente, sua viabilidade fique comprometida. Esse é um problema tecnológico? Como pode ser resolvido?

Vinderola - É de fato um problema tecnológico, porém possível de se resolver. Qualquer microrganismo, mesmo que esteja liofilizado por secagem em spray, continua sendo um microrganismo e precisa de temperaturas baixas. Aqui no Brasil, as temperaturas giram entre 25ºC e 30ºC o ano todo. Para garantir essa viabilidade a longo prazo, é preciso, no mínimo, colocar o produto na geladeira. Eu não concordo em manter o sachê à temperatura ambiente. No caso de se fazer algum controle, é possível que alguns deles apresentem problema. Em vários países, é comum guardar o cereal à temperatura ambiente. Mas já está se examinando o desenvolvimento de cereais com pró-bióticos e, a partir daí, esses produtos terão que ir para a geladeira. É preciso educar o consumidor, ele deve saber que quando o produto tem um microrganismo em sua composição, mesmo que esteja liofilizado, ele precisa de frio para manter sua viabilidade. As autoridades sanitárias deveriam controlar isso e exigir o registro dessa indicação no rótulo, pois os pró-bióticos são como vacina, que é conservada em geladeira porque se trata de um produto vivo. 

XXI - Você revelou que também vai trabalhar com pró-bióticos para cavalos. Como é o campo de aplicação dos pró-bióticos na agropecuária?

Vinderola - Há muito tempo eles são utilizados na produção animal, para gado, frango e há equipes de pesquisa, mesmo aqui no Brasil, trabalhando em materiais para camarão. Sempre que se consegue modificar beneficamente a microbiota de um 

animal, ele estará mais saudável, produzirá mais e adoecerá menos. Os estudos com cavalo estão menos desenvolvidos, mas, se é possível alterar a microbiota do gado, do camarão e do frango, da mesma forma pode ser possível fazer o mesmo com o cavalo para melhorar sua saúde intestinal. Em geral, esses animais têm muitos problemas de diarreia, o que poderia ser evitado de forma natural com o uso de um pró-biótico.

XXI - No futuro, todos esses estudos caminharão para o estabelecimento de uma medicina preventiva que incorpore o alimento como tratamento?

Vinderola - Exatamente! O uso de alimento não tem o mesmo objetivo que a medicina ou que a farmácia. Eu sempre falo que quando alguém tem uma doença não deve ir ao supermercado, deve ir ao médico. Mas se você se alimenta de uma forma mais saudável e incorpora um pró-biótico no seu dia a dia, provavelmente terá menos doenças, sempre pensando de forma preventiva. A parte terapêutica tem que ser feita pela medicina, pela farmácia. Mas com o alimento, pode-se prevenir seguramente muitas doenças.

Verônica Freire
Embrapa Agroindústria de Alimentos

Juliana Miura
Secretaria de Comunicação - Secom

Mais informações sobre o tema
Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC)
www.embrapa.br/fale-conosco/sac/

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