07/03/17 |   Melhoramento genético

Genômica promove seleção mais veloz

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Foto: Keke Barcelos

Keke Barcelos -

Dobrar a velocidade do melhoramento genético dos rebanhos leiteiros com custos menores. Isso será possível quando as informações geradas a partir do DNA dos animais forem incorporadas aos programas tradicionais de melhoramento genético. Futuro? Não. Essa é uma realidade presente por meio da “seleção genômica”. A tecnologia já foi desenvolvida e será incorporada, em breve, aos programas de melhoramento dos rebanhos bovinos das raças Gir Leiteiro e Girolando.

Mas, para entender o presente, é preciso voltar um pouco no passado: em 2009, a revista Science noticiou o sequenciamento do genoma bovino, ação que envolveu cerca de 300 pesquisadores (inclusive da Embrapa) do mundo inteiro. Aquele havia sido um dos maiores feitos da pesquisa em genética molecular no mundo, mas que trouxe uma série de outros desafios. Para o Brasil, o principal deles foi adaptar os conhecimentos gerados pelo sequenciamento às características da pecuária nacional.

O animal objeto do estudo publicado na Science foi uma vaca da raça Hereford, que pertence à subespécie Bos taurus taurus, de origem europeia, assim como as raças Holandesa, Jersey e Pardo Suíço. Esse sequenciamento representou um importante passo para o entendimento da genética bovina, mas não era uma obra acabada, considerando as grandes diferenças existentes entre as raças. 

Nas regiões tropicais, por exemplo, o gado de melhor adaptabilidade é o zebuíno, da subespécie Bos taurus indicus. De origem indiana, o zebu inclui as raças Gir, Guzerá, Nelore, Indubrasil, Tabapuã e Sindi, além da raça sintética Girolando, com características genéticas das duas subespécies (o girolando é o resultado do cruzamento do holandês com o gir). “O Bos taurus indicus é de grande importância para o Brasil por sua rusticidade e boa adaptação às temperaturas mais elevadas, além de maior resistência a ectoparasitas, como os carrapatos”, explica o pesquisador da Embrapa Gado de Leite Marco Antônio Machado, que esteve envolvido no projeto do genoma bovino divulgado pela Science.

A maioria do gado bovino no Brasil é formada pelo Zebu e seus mestiços com raças europeias. “Descobrir as diferenças genéticas entre as raças europeias e indianas é fundamental para os estudos de melhoramento genético dos rebanhos brasileiros”, afirma Marcos Vinícius Barbosa da Silva, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, que também participou do projeto internacional de sequenciamento do genoma bovino.

Logo após a divulgação feita pela Science, a comunidade científica nacional buscou compreender o genoma do Bos taurus indicus. Os esforços de Silva nos estudos do genoma bovino renderam-lhe em 2010 o prêmio Honor Awards, conferido pelo United States Department of Agriculture (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos – equivalente ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, no Brasil). Silva coordenou o projeto do genoma das raças zebuínas para leite, o primeiro trabalho de sequenciamento realizado totalmente no Brasil, que teve a participação de Machado e das também pesquisadoras da Embrapa Gado de Leite Marta Martins e Maria Gabriela Peixoto. Estiveram envolvidos ainda pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) e os Polos de Excelência do Leite e de Genética Bovina (Governo de Minas Gerais).

Marcadores moleculares e SNPs
Os marcadores moleculares são sequências de DNA que diferenciam dois ou mais indivíduos. Eles têm ampla aplicação em estudos biológicos como avaliação e caracterização e recursos genéticos, estudos de variabilidade e diversidade genética. Especificamente no melhoramento genético animal, os marcadores vêm sendo utilizados na confirmação de pedigrees, estimativas da relação de parentesco entre indivíduos e também na seleção de animais mais produtivos.
O SNP é um tipo de marcador molecular, cuja sigla traduzida para o português significa “polimorfismo de um único nucleotídeo”. Esses polimorfismos são as mais frequentes formas de variações genéticas observadas nos genomas dos animais e determinam se um indivíduo será mais ou menos susceptível a alguma doença, por exemplo. Estima-se que o bovino tenha cerca de seis milhões de marcadores moleculares do tipo SNP.

Os primeiros resultados, divulgados em 2012, mostraram diferenças significativas entre animais taurinos (europeus) e zebuínos em relação a alguns genes de importância econômica. “O sequenciamento do DNA permitiu identificar mais de cinco milhões de SNPs específicos para as raças zebuínas”, informa Silva.

As pesquisas tiveram como objetivo identificar SNPs vinculados às características de interesse econômico para a pecuária de leite: tolerância a parasitas e ao estresse térmico; produção de sólidos (proteína, gordura e lactose); persistência da lactação etc. Isso reduziu o número de SNPs a serem analisados para cerca de 30 mil, tornando mais objetivos os procedimentos de seleção. O passo seguinte foi desenvolver equações de predição que permitissem identificar os efeitos dos SNPs dos indivíduos e selecioná-los de acordo com os interesses econômicos.

Quando a tecnologia estiver disponível ao produtor, o procedimento para a seleção genômica do bovino ocorrerá da seguinte forma: o produtor retira amostra de tecido biológico do animal (amostra de sangue ou pelo), enviando-a aos laboratórios comerciais credenciados que irão extrair o DNA e realizar a genotipagem para os marcadores de SNP. Com os genótipos em mãos, uma equipe utilizando a tecnologia desenvolvida pela Embrapa Gado de Leite irá proceder às avaliações genômicas. Em seguida, o produtor recebe um relatório com o perfil genético do animal. Com base nesse perfil, ele tomará decisões sobre as estratégias de cruzamento e decidirá se utiliza ou não um touro jovem em programas de teste de progênie, por exemplo.

Segurança nas apostas

O melhoramento genético implica selecionar os indivíduos que serão os pais da próxima geração. Isso é algo que o ser humano faz desde o surgimento da pecuária. Até então, a seleção ocorria com base no fenótipo dos animais. Fenótipo são as características observáveis ou mensuráveis, que incluem morfologia, fisiologia e comportamento. Pressupõe-se que um touro dócil e resistente a carrapatos, por exemplo, terá filhas dóceis, com a mesma resistência. Com o desenvolvimento da genética molecular, a ciência passou a relacionar o fenótipo com a constituição genética do animal: o genótipo. Há grande possibilidade de que uma característica observável, como maior produção de leite, seja um traço genético, que possa ser herdado pelas filhas e potencializado pelo manejo e alimentação do rebanho.

Em um teste de progênie tradicional, para que o criador tenha algum nível de certeza quanto à capacidade de um touro transferir a característica genética de produção de leite com maior teor de sólidos, ele precisa conhecer as filhas desse touro, identificando nelas tal fenótipo. Dessa forma, o touro precisa ser adulto e ter produzido muitas filhas para que se obtenha seu valor genético. Isso implica tempo, que, em melhoramento genético, significa dinheiro. Silva explica: “Pense em um criador que paga cerca de R$ 10.000,00 para colocar um touro em teste de progênie. Pela seleção tradicional, desde que o touro nasce até que se obtenha seu valor genômico por meio da produção das filhas, passaram-se sete anos. Supondo que os resultados das filhas não sejam favoráveis, o criador terá levado um bom tempo para descobrir que seu investimento foi em vão”. É uma aposta alta.

“A seleção genômica vem racionalizar essa aposta, tornando o melhoramento genético um jogo menos arriscado”, conclui Machado. Supondo que o criador tenha vários tourinhos com o mesmo grau de parentesco (irmãos completos), caso o criador possua recursos para inscrever apenas um indivíduo para o teste de progênie, como escolher o melhor? A aposta mais segura é conhecer o valor genômico do animal, ranqueando-os de acordo com seu genótipo. Machado completa dizendo que a seleção genômica democratiza as oportunidades do melhoramento genético, na medida em que reduz os custos do processo. O mesmo trabalho que levaria sete anos pode ser feito em apenas dois com maior grau de certeza.

Células embrionárias

A genética molecular também permite que a seleção seja feita antes de o animal nascer. É possível retirar uma pequena amostra (dez células) de um embrião após sete dias da fecundação in vitro (no laboratório) e analisar seu genoma, por meio dessas poucas células. Caso o embrião possua as características desejáveis, ele será transferido para a vaca (barriga de aluguel) que irá desenvolver a gestação. Esse procedimento também economiza tempo e otimiza as barrigas de aluguel, pois a vaca passará a gerar somente os embriões que foram selecionados como os melhores. Na Embrapa Gado de Leite, o pesquisador Luiz Sérgio Camargo, por meio de diferentes estudos, confirmou que o procedimento não prejudica a gestação.

Agora, está-se pesquisando se há concordância genômica entre o bezerro nascido e o material retirado do embrião. “O material genético que retiramos do bezerro é muito maior (cerca de dez mil células) do que aquele coletado do embrião. É possível que haja algumas variações, mas, de maneira geral, espera-se que isso não aconteça”, explica Camargo.

A seleção genômica embrionária vem atender um importante nicho de mercado. O Brasil é o maior produtor de embriões bovinos do mundo (cerca de 400 mil embriões por ano). Esse contingente ainda não é selecionado pelo valor genômico. Quando isso ocorrer, haverá maior confiabilidade dos produtos, acarretando maior velocidade do melhoramento genético dos rebanhos. Aliás, velocidade é a nova tônica no processo de seleção genética. Pelo método tradicional, Silva estima que o ganho genético com o processo de melhoramento seja de até 2% por ano. A revolução que a genética molecular implementou, associada à evolução dos métodos estatísticos e à introdução de modelos computacionais ao processo, irá mais do que dobrar esse ganho.

 

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Rubens Neiva
Embrapa Gado de Leite

Mais informações sobre o tema
Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC)
www.embrapa.br/fale-conosco/sac/

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