Uma lupa para encontrar touros mais resistentes ao carrapato
Uma lupa para encontrar touros mais resistentes ao carrapato
A genômica pode ser um caminho mais rápido para o melhoramento animal de características em que as ferramentas tradicionais não são eficazes, principalmente pela baixa herdabilidade, custo elevado e/ou demora para obtenção de informações, possibilitando ao setor produtivo formar rebanhos mais produtivos em menor tempo. A seleção de bovinos mais resistentes ao carrapato, um ectoparasita responsável por grandes perdas na pecuária, especialmente na região Sul do País, é um exemplo de como a biologia molecular pode contribuir com o melhoramento genético dos animais. Por meio da genômica, a Embrapa está identificando touros de raças taurinas mais resistentes ao carrapato, com o objetivo de criar linhagens de animais com essa característica.
Num primeiro trabalho, pesquisadores no Rio Grande do Sul analisaram mais de três mil animais das raças Hereford e Braford com o objetivo de identificar os indivíduos com fatores genéticos que os tornam menos suscetíveis ao carrapato. Realizado pela Embrapa Pecuária Sul e Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em parceria com a associação de produtores Conexão Delta G e com a empresa GenSys, e com o apoio da Associação Brasileira de Hereford e Braford, o trabalho utilizou informações de milhares de marcadores moleculares para identificar animais mais resistentes ao ectoparasita. A pesquisa possibilita também com uso de marcadores moleculares prever a transmissão de genes associados ao mecanismo de resistência que, a partir de uma equação, pode ser aplicada na seleção de animais das mesmas raças.
Liderado pelo pesquisador da Embrapa Pecuária Sul Fernando Flores Cardoso, o trabalho resultou na elaboração e na publicação em 2012 de um sumário com os touros analisados mais resistentes ao carrapato, documento que pode ser considerado como o primeiro do mundo nessa área. Uma terceira edição do sumário, com informações de 3.750 touros foi lançado em setembro de 2016, na última Expointer, em Esteio (RS). Além da resistência ao carrapato, foram incorporadas na publicação novas características, como a pigmentação ocular (um dos fatores capazes de causar câncer nos animais), o tipo de pelagem e a caracterização racial. Para essa edição do sumário, foram considerados dados de 12.513 contagens de carrapatos em 5.252 animais.
Segundo Cardoso, na condução do trabalho, os touros passaram por genotipagem de marcadores moleculares do tipo SNP, por meio de painéis de alta densidade. Os SNPs podem estar associados a um polimorfismo do gene relacionado a características de difícil mensuração. Paralelamente à genotipagem, foram realizadas até três contagens de carrapatos nos animais. Os dados, juntamente com informações de pedigree, resultaram na atribuição de valores genômicos, em forma de DEPG (Diferença Esperada na Progênie aprimorada pela Genômica) para resistência ao carrapato. Esse indicador prediz com maior precisão a habilidade de transmissão genética de cada animal, conforme a característica buscada.
Além da publicação do sumário, a pesquisa gerou outro resultado importante: a elaboração de uma equação que pode ser aplicada em outros animais das mesmas raças que foram inicialmente avaliadas. A equação de predição de valores genéticos é uma ferramenta que possibilita a identificação de animais geneticamente mais resistentes sem a necessidade de coletar informações sobre contagem de carrapato, ou seja, o fenótipo ajudando os produtores a selecionar touros reprodutores que tenham mais resistência ao parasita, possibilitando a formação de linhagens menos suscetíveis. “Essa equação em breve estará disponível para os produtores. A Embrapa está estudando modelos de negócio para disponibilizar no mercado e será mais uma ferramenta que o pecuarista terá para melhorar seu rebanho”, ressalta Fernando Cardoso.
Concluído esse primeiro trabalho, pesquisadores das áreas de melhoramento animal e sanidade da Embrapa Pecuária Sul iniciaram um novo projeto, o Sanigene. Além de dar continuidade à seleção para diminuir a suscetibilidade dos animais ao carrapato, a pesquisa está aplicando a seleção genômica para avaliar animais resistentes a outros problemas de sanidade que afetam os bovinos. Entre os objetivos está a busca, por exemplo, de mecanismos de resistência e o desenvolvimento de testes genômicos para selecionar bovinos de raças taurinas puras e cruzadas com zebuínos mais resistentes à tristeza parasitária bovina (TPB), cujos agentes transmissores são passados aos animais pelo carrapato, à ceratoconjuntivite e ao carcinoma ocular.
“São doenças que causam muitas perdas econômicas para os produtores, especialmente quem cria raças taurinas. Mantendo linhagens mais resistentes a esses problemas, é possível aumentar a rentabilidade da pecuária e diminuir a presença de resíduos químicos na carne com a redução do uso de medicamentos”, explica Cardoso. Além das raças Hereford e Braford, o projeto também está avaliando animais angus e brangus e conta com a parceria das associações de criadores dessas raças.
PREJUÍZOS
Estudos apontam que o carrapato causa um prejuízo superior a 3,2 bilhões de dólares para a pecuária brasileira por ano. Uma das responsáveis por essas perdas é a tristeza parasitária bovina (TPB) que é causada por hemoparasitas transmitidos pelo carrapato. Além disso, a doença leva à perda de peso nos animais, baixa conversão alimentar, redução na produção de leite, perdas na qualidade do couro, toxicoses, lesões de pele que favorecem a ocorrência de miíases e anemia.
No Sul, a incidência da TPB é maior que em outras regiões do País, principalmente em decorrência do clima. Isso ocorre porque em temperaturas muito baixas, como as do Sul, a população de carrapatos diminui consideravelmente nos campos. Isso faz com que se abra uma janela na imunização natural dos bovinos. “Sem contato com o carrapato, os bovinos não desenvolvem mecanismos de imunidade contra os agentes que causam a doença. Com isso, aumentam os surtos de TPB nos períodos mais quentes levando à morte vários animais”, explica a pesquisadora da Embrapa Pecuária Sul Claudia Gulias Gomes.
Outro problema apontado pela cientista é o aumento da resistência dos carrapatos aos antiparasitários disponíveis no mercado. Há mais de uma década, não é lançado um princípio ativo para seu combate. Por seleção natural, sobrevivem os parasitas que não são afetados pelos medicamentos, criando linhagens resistentes aos produtos disponíveis. “Os relatos em relação à resistência têm crescido nos últimos anos e a tendência é que aumente a população de carrapatos não afetados pelos medicamentos existentes”, complementa Gomes.
Nesse sentido, a seleção genômica pode ser o diferencial para o melhoramento dos rebanhos. Com a formação de linhagens mais resistentes ao parasita, é possível diminuir as perdas econômicas, bem como o uso de medicamentos. “A seleção de reprodutores mais resistentes se mostra uma excelente alternativa para quem busca animais mais adaptados e produtivos para formação de rebanhos competitivos em regiões de maior infestação dos campos e com menor dependência de uso de carrapaticidas químicos”, ressalta Cardoso.
VANTAGENS DA SELEÇÃO GENÔMICA
A utilização da genômica para o melhoramento animal é voltada principalmente para características de importância econômica de mensuração cara e/ou tardia. De acordo com a pesquisadora da Embrapa Bruna Sollero, as ferramentas tradicionais são eficazes para melhorar aspectos mais facilmente transmitidos pelos pais para seus descendentes. “Características como maior ganho de peso, precocidade e crescimento, entre outras, podem ser buscadas com informações disponíveis, como parentesco e avaliações de fenótipos, o que é observado no reprodutor”, diz. Por outro lado, a biologia molecular permite atingir ganhos relacionados a questões que não são facilmente identificadas e, por isso, apesar de alta importância produtiva e econômica, não tem sido melhorada com uso de processos tradicionais.
Segundo Fernando Cardoso, as possibilidades de utilização de marcadores moleculares para o melhoramento são muito grandes, principalmente por ser uma tecnologia relativamente nova. O uso da genômica foi intensificado depois da publicação do sequenciamento genético de bovinos, em 2009. Com isso, a disponibilidade de painéis de SNP aumentou, e o preço para a aquisição caiu. Houve também um incremento no número de informações nos painéis, sendo que atualmente existem no mercado equipamentos capazes de analisar mais de um milhão de polimorfismos de base única, que são diferenças encontradas no genoma entre animais e que podem estar relacionadas a determinadas características.
A exemplo da área de sanidade, Cardoso aponta que um dos pontos que estão sendo focados com a seleção genômica é desenvolver linhagens de animais mais produtivos. Ou seja, aumentar a eficiência alimentar dos animais, que vão precisar de menos comida e menos tempo no ciclo de produção. “Um dos efeitos desse tipo de trabalho é diminuir a emissão de metano pelo uso de animais mais eficientes, dando maior sustentabilidade para a pecuária nacional”, lembra o pesquisador. Cardoso acredita que, além de melhorar a renda do produtor, diminuir a emissão de gases que provocam o efeito estufa vai ajudar a melhorar a imagem da atividade, principalmente no exterior.
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Fernando Goss
Embrapa Pecuária Sul
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