Restauração ecológica para o retorno das matas ripárias no Cerrado
13/10/14
|
Biodiversidade
Restauração ecológica para o retorno das matas ripárias no Cerrado
Foto: Lidiamar Albuquerque
Mata ripária no Bioma Cerrado (Rio Jardim, no DF) que fora degradada e passou por processo de restauração ecológica
Pesquisadores da Embrapa trabalham para gerar o primeiro protocolo para a restauração ecológica de matas ripárias do Cerrado, bioma que abriga nascentes de oito das 12 bacias hidrográficas brasileiras e ocupa 24% do território nacional. As matas ripárias são as ciliares e de galeria que margeiam os cursos d'água. Elas mantêm o equilíbrio térmico dos ecossistemas aquático e terrestre, a conservação do solo e da biodiversidade. A restauração da mata ripária permite controlar a erosão nas margens dos cursos d'água, evitando o assoreamento. Também minimiza os efeitos das enchentes e mantém a quantidade e a qualidade das águas. Outra grande vantagem da presença de matas ripárias é que elas auxiliam na proteção e preservação da fauna local.
Com o resultado do trabalho, em até 10 anos, haverá indicadores que orientarão as estratégicas de manejo que poderão ser utilizadas para acelerar o processo de restauração. Para obter resultados mais precisos da avaliação dos indicadores de restauração é necessário o monitoramento por um período longo, em média de 5 a 10 anos, dependendo do grau de degradação da área pesquisada e da presença ou não de fragmentos florestais próximos.
Alguns dos resultados das pesquisas desenvolvidas no Distrito Federal serão úteis em outras regiões. Por exemplo, com os dados sobre comportamento hidrológico, hidrossedimentológico e de fluxo de nutrientes em água nas áreas de vegetação ripária e de pastagem degradada em estudo, os pesquisadores irão definir parâmetros de referência que lhes permitam extrapolar as informações para escala de bacias hidrográficas.
O mesmo acontecerá com os estudos que avaliam o fluxo da matéria orgânica produzida pela vegetação ripária para o solo e águas e a influência da decomposição da matéria orgânica para a diversidade do ecossistema aquático. O professor José Francisco Júnior, da Universidade de Brasília (UnB), informa que uma rede de pesquisa formada por diversas universidades irá avaliar esses dois processos com a perspectiva de modelar o funcionamento da mata ripária das bacias hidrográfica brasileiras visando à recuperação e mitigação de degradações ambientais.
"Este é seguramente o estudo mais amplo sobre este tema no Brasil e na América Latina. Atualmente, a rede está em expansão com a inserção de novos parceiros em um novo protocolo que terá como objetivo a avaliação desses processos em uma escala temporal de cinco anos", diz Júnior.
As informações geradas pelos projetos, chamados Aquaripária e Ecovolaração, estarão disponíveis para intercâmbio de dados. Para isso está sendo gerado pela Universidade de Brasília um banco de dados. A ideia, segundo o professor Carlos Henke, é partir de uma experiência prévia, chamada Saphira (Sistema de Aquisição, Processamento, Hospedagem de Informações sobre Recursos Naturais), para gerar um segundo banco de dados – o Saphira 2, que permita propiciar avanços científicos e tecnológicos, sem que haja comprometimento dos direitos dos autores dos dados.
Já existem resultados que permitem subsidiar a elaboração do protocolo. Os pesquisadores testaram, entre 2010 e 2013, diferentes métodos de restauração ecológica nas cabeceiras das bacias dos rios São Francisco e Paraná em diversos pontos no Distrito Federal. Nesse período , o trabalho consistiu na seleção de espécies com base nos grupos funcionais, no uso de espécies facilitadoras, na diversidade genética, na sustentabilidade econômica e na autossustentação do ecossistema em processo de recuperação. Unidades da Embrapa, universidades e institutos de pesquisa desenvolvem, também, o Projeto Ecovaloração. Os objetivos deste projeto são caracterizar, monitorar e valorar os serviços ecossistêmicos de matas ripárias do bioma Cerrado, visando subsidiar a formulação de políticas públicas voltadas à remuneração desses serviços e ao estabelecimento da agricultura sustentável.
"Não queremos simplesmente fazer uma restauração florestal. O objetivo é propiciar o retorno, quando possível, do ecossistema anterior. Por exemplo, selecionamos espécies que atraem a fauna, para que esta retorne e exerça funções fundamentais, algumas delas que chamamos de serviços ecossistêmicos", diz a pesquisadora Lidiamar Albuquerque. Ela explica que são considerados serviços ecossistêmicos os prestados pela natureza que beneficiam, direta ou indiretamente, a vida humana.
A presença desses fragmentos florestais, de acordo com Lidiamar Albuquerque, facilita o retorno dos serviços ecossistêmicos ao longo do processo de restauração. Em alguns casos, pode-se concluir, em virtude do grau da degradação, que a opção seja a reabilitação de áreas isoladas para determinados usos e não a restauração ecológica.
A importância de restaurar
As matas ripárias fornecem serviços ecossistêmicos como a manutenção do equilíbrio térmico dos ecossistemas aquático e terrestre, a conservação do solo e da biodiversidade, o provimento de inimigos naturais para o controle de pragas, o fornecimento de abrigo e alimentos para animais polinizadores e dispersores de sementes, dentre outros.
Ela pode ser recuperada em áreas que foram desmatadas e, com isso é possível retornar a saúde dos ecossistemas aquático e terrestre que existia no ambiente antes de sua degradação. Para que isso ocorra, é necessário que essas áreas, que em grande parte se encontram em propriedades rurais, sejam submetidas a uma série de técnicas de restauração ecológica.
A restauração ecológica pode levar, dependendo do grau de degradação da área, de 20 a 30 anos. Para acelerar esse processo, é preciso utilizar métodos que garantam maior eficiência econômica e ecológica.
Processo inverso ao da abertura do Cerrado
O produtor Francisco Cupertino, do Núcleo Rural Tabatinga, está no caminho inverso ao que trilhou há mais de 40 anos, quando chegou ao Distrito Federal. "A mentalidade naquela época era derrubar tudo para formar pastagem e depois para a lavoura. As árvores atrapalhavam e as poucas que não foram derrubadas, não sobreviveram. Primeiro, fiz piquetes para os animais até a borda do rio e depois foi o cultivo. Hoje sei que é preciso manter as reservas para proteger as nascentes e afastar as lavouras para evitar assoreamento e o carreamento do solo", afirma.
Grande parte da vegetação às margens do rio Jardim, na propriedade de Cupertino, já está recuperada, seja pelo processo de restauração ou pela regeneração natural. Uma faixa verde, de pomar, isola a área de plantio da nascente do rio. Atualmente, a atividade econômica é a lavoura de grãos (principalmente milho e soja, em sistema de rotação de culturas) e fruteiras, como limão e tangerina poncã .
Ao todo, foram plantadas, em diferentes etapas, cinco mil mudas de plantas nativas, de 43 espécies. Segundo Cupertino, a restauração exige acompanhamento e medidas para acelerar o processo. Os cuidados mais importantes são o coroamento das mudas, a irrigação na época seca e o controle das formigas. Mas, mesmo seguindo as orientações à risca, em uma área em que foram plantadas 300 mudas, a taxa de sobrevivência não chegou a 15%. Na opinião de Cupertino, como o retorno econômico com plantas nativas é lento, uma alternativa seria a utilização de maior número de espécies com potencial para aproveitamento alimentar ou uso medicinal.
Serviços ecossistêmicos
Para saber qual o papel da mata ripária no fornecimento de serviços ecossistêmicos, os pesquisadores comparam as funções ambientais nas áreas de mata natural, em áreas degradadas e em processo de restauração. Alguns resultados preliminares já apresentam indicativos. Esse é o caso das análises da função da vegetação ripária nos ciclos hidrológicos. Segundo o pesquisador Jorge Werneck, há indicativo de que a mata ripária, em comparação com a área de pastagem degradada, tem potencial maior de prestação de serviço ecossistêmico de controle de cheias.
"Um dos fatores para que isso ocorra é a interceptação da água da chuva pelas copas das árvores. No entanto, ainda precisam ser realizados mais estudos para que os dados sejam comprovados cientificamente", ressalta Werneck. As pesquisas analisam também o fluxo de nutrientes em água e em seus escoamentos, a geração do escoamento superficial e os processos erosivos.
Nos experimentos também são avaliados o armazenamento de carbono e nitrogênio no solo, na serapilheira (camada formada pela deposição de matéria orgânica morta, como folhas e galhos) e na fitomassa aérea das plantas, assim como as propriedades físicas e químicas do solo. Em uma das áreas pesquisadas, a do Núcleo Rural Tabatinga, está sendo possível analisar dois sistemas de restauração em comparação à área de mata natural e à de pastagem degradada.
A pesquisadora Eloísa Belleza explica que como as áreas de sistemas de restauração estão em diferentes estágios (um deles foi implantado há mais de 10 anos e o outro há três anos), será possível realizar estudos em cronossequência, ou seja, levando-se em conta tempo e espaço. "A cronossequência nos possibilitará uma amostragem muito maior. Nesse caso, vamos além do estoque de carbono e nitrogênio, vamos avaliar os seus fluxos. Vamos saber o que está acontecendo no espaço e no tempo", diz.
Em outra área em estudo, às margens do córrego Ponte Alta, no Gama, foram instaladas, em 2013, três estações meteorológicas para caracterização e monitoramento das variáveis microclimáticas. Os pesquisadores irão verificar como se comporta a temperatura do solo e do ar, chuva, radiação solar, vento e umidade do ar em três ambientes (área de mata natural, de pastagem degradada e em restauração).
Junto aos dados desses ambientes serão incorporadas informações de outras estações meteorológicas do Distrito Federal, ampliando, dessa forma, a análise sobre os elementos meteorológicos. Em fase seguinte, será feita a correlação das variáveis climáticas com a dinâmica de retorno dos serviços ecossistêmicos. A pesquisadora Alexsandra Duarte ressalta que esses resultados são importantes para determinar a inserção do clima como um dos indicadores de prestação de serviços ecossistêmicos das matas ripárias.
Saiba mais:
Site do projeto Aquaripária
Conexão Ciência - Recuperação de matas ciliares
Liliane Castelões (MTb 16.613/RJ)
Embrapa Cerrados
Contatos para a imprensa
Cerrados.imprensa@embrapa.br
Telefone: (61) 3388-9945
Mais informações sobre o tema
Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC)
www.embrapa.br/fale-conosco/sac/