Ferramenta de diagnóstico agiliza combate à tuberculose bovina
Ferramenta de diagnóstico agiliza combate à tuberculose bovina
Um novo teste desenvolvido pela Embrapa vai ampliar a cobertura do diagnóstico da tuberculose bovina em rebanhos de gado leiteiro e de corte. Batizado de Elisa, sigla em inglês para ensaio de imunoadsorção enzimática, o teste sorológico fornece informações adicionais aos métodos tradicionais de detecção, os quais podem fornecer reações falso- positivas e falso-negativas devido às características do bacilo e condições do animal. Sua eficácia garante o isolamento e abate de bovinos doentes, poupando o restante do rebanho, já que a enfermidade é infectocontagiosa e ainda não tem cura. A ferramenta será eficiente para os serviços oficiais de defesa sanitária e para o produtor rural, com a garantia da sanidade na propriedade. Em fase final de terminação, o Elisa será disponibilizado em breve por meio de uma parceria com a iniciativa privada. O segredo da maior acurácia é o emprego de partes de três proteínas recombinantes, enquanto o kit comercial em uso possui apenas duas proteínas.
O Elisa foi obtido após tentativas com mais de dez composições em estudos iniciados em 2009 e, em testes a campo, conseguiu identificar bovinos infectados que o produto disponível não havia sinalizado, com 83,2% de sensibilidade e 86,5% de especificidade. O pesquisador da Embrapa Flábio Ribeiro de Araújo explica que os anticorpos contra as proteínas são produzidos em tempos distintos dependendo do estágio de infecção em bovinos e bubalinos, e o kit Elisa consegue detectar a doença em diferentes níveis. Durante as pesquisas, foi possível detectar, corretamente, 88,7% dos animais doentes e 94,6% dos sadios. Outra vantagem é quanto à fabricação, na qual somente um processo de purificação é realizado, reduzindo os custos para a indústria.
A ferramenta de diagnóstico padrão adotada no Brasil, a tuberculinização, é feita por meio do uso de testes de imunidade celular in vivo, mais especificamente provas intradérmicas com PPD (derivado proteico purificado). A tuberculina é injetada sob a pele do animal e após 72 horas efetua-se a leitura da reação inflamatória. O procedimento detecta a chamada resposta imune celular dos animais à infecção por M. bovis. No entanto, essa não é a única resposta produzida diante de uma infecção, esclarece Araújo. "Os animais também respondem produzindo anticorpos contra a bactéria e parte deles, sobretudo em estágios avançados, com lesões extensivas, podem não responder aos testes intradérmicos. Nessa situação, a doença não é detectada e os animais permanecem infectados dentro das propriedades". Fatores como infecções recentes, final de gestação, desnutrição e tratamentos com anti-inflamatórios esteroides igualmente ocasionam falso-negativos.
O médico-veterinário Rodrigo Nestor Etges, fiscal agropecuário da Secretaria de Agricultura do Rio Grande do Sul, está aplicando o novo método em fazendas com surtos de tuberculose. Ele confirma que muitas vezes animais reagentes não conseguem responder ao tuberculínico gerando falso-negativos, o que dificulta o saneamento. A equipe da Divisão de Defesa Sanitária Animal, da qual o especialista faz parte, acompanha os soros positivos por meio da prova elaborada pela Embrapa em busca de falso-negativos. De acordo com o profissional, as amostras sanguíneas obtidas até o momento são animadoras. Com o kit, Etges acredita que os procedimentos sanitários serão agilizados, o que deve gerar importantes avanços no combate à doença.
O bacilo afeta a produção da pecuária de corte, porém, atinge predominantemente gado leiteiro e isso gera um drama social, segundo o técnico. "Os criadores de gado leiteiro do Rio Grande do Sul são pequenos produtores, que têm uma média de 15 vacas em lactação por propriedade. Um surto pode ser dramático e a eliminação de animais implicará perda diária de produção e de renda", preocupa-se Etges. "A situação se agrava quando o produtor tem de fazer o vazio sanitário, descartando seu rebanho para, posteriormente, reconstituí-lo. Muitas vezes o leite é a única fonte de renda da família", completa Araújo.
Um alerta à saúde pública
A tuberculose é uma enfermidade de evolução crônica causada pela bactéria Mycobacterium bovis e acomete bovinos, caprinos, ovinos, suínos, animais silvestres e também humanos, o que a caracteriza como zoonose. Sua via de transmissão mais usual, correspondendo a cerca de 90% das infecções, é aerógena.
O cenário preocupa quando relacionado à segurança biológica dos alimentos. Em algumas provas de Flábio Araújo e Rodrigo Etges, o leite contaminado com M. bovis era consumido, normalmente, pelos proprietários de algumas fazendas e seus familiares, que desconheciam a presença do microrganismo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que todos os anos surjam no mundo 500 mil casos novos de tuberculose multirresistente (MDR-TB), os quais representam 5% dos nove milhões de casos anuais. A OMS acredita que a infecção por M. bovis em humanos contribui para o aumento dos casos de MDR-TB.
"No Brasil não se tem uma noção exata da incidência da tuberculose zoonótica. Um estudo da Embrapa encontrou casos em 2014, publicados pelo Instituto Oswaldo Cruz", comenta o pesquisador da Empresa Márcio Roberto Silva. A presença em rebanhos nacionais também é um empecilho para a produção de produtos artesanais feitos com leite cru, como queijos. Um pré-requisito básico para produzi-los é a certificação negativa de propriedades tanto para tuberculose como para brucelose. "Entretanto, atingir essa condição para as duas doenças, prová-la e, principalmente, mantê-la não é simples", afirma Silva, frisando que os novos testes colaboram para o avanço das etapas de diagnóstico da situação, erradicação e monitoramento. Em seu doutorado, o pesquisador comprovou a existência de casos humanos associados ao consumo de queijos artesanais, em Juiz de Fora (MG).
A coordenadora da Comissão de Tuberculose da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Eliana Matos, explica que Mycobacterium tuberculosis, o bacilo de Koch, e Mycobacterium bovis pertencem ao mesmo complexo de micobatérias, sendo semelhantes entre si, geneticamente, o que dificulta a distinção diagnóstica, pesando a prática diária de um estabelecimento hospitalar. "Temos 70 mil novos casos de tuberculose humana a cada ano no Brasil, precisaríamos de exames altamente especializados para o sequenciamento genético e diferenciação, que não são feitos na rotina. Isso seria inviável e caro, do ponto de vista prático".
Entretanto, para as ocorrências com links epidemiológicos, como a ingestão de leite in natura e logo após o aparecimento de sintomas, a pneumologista atenta para os laboratórios de referência no País, como o Centro de Referência Professor Hélio Fraga (RJ) e Instituto Adolfo Lutz (SP), aptos para o reconhecimento preciso, individualizando a situação. Atuando em saúde pública, Eliana considera fundamental o monitoramento, o controle dos produtos de origem animal e a prevenção. Para Márcio Roberto Silva, ao se pensar em zoonoses, o caminho a seguir é focar no conceito "One Health" de abordagem global dos diferentes aspectos do problema. Vários centros de pesquisa da Embrapa já atuam nessa vertente para o combate ao M. bovis.
Prevenção é a melhor forma de combater a tuberculose
Flábio frisa que o novo kit possui limitações, porém fornecerá informações adicionais, identificando animais que o exame padrão não detecta, aumentando a cobertura do diagnóstico, para o qual o ideal seria adotar tecnologias complementares, a prova de tuberculinização juntamente com a sorológica, como o Elisa.
Um risco para o mercado
No Brasil, Mato Grosso ruma para a erradicação da tuberculose. Todavia, a perspectiva não é a mesma em outros estados e, em consonância com as organizações supranacionais das quais o País é signatário, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) adota Programas Nacionais de Controle e Erradicação de Doenças de impacto em saúde animal. "A tuberculose e a brucelose bovinas encontram-se entre as doenças incluídas na lista da OIE e tem características como ampla difusão, importância econômica e ainda para a saúde pública", destaca Jorge Caetano Júnior, fiscal federal agropecuário do Mapa e membro da Comissão de Normas Sanitárias para os Animais Terrestres da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE).
"Em 1978, restos de alimentos de bordo originários de um voo com destino ao Rio de Janeiro permitiram o ingresso da peste suína africana em território nacional causando prejuízo para a produção e comercialização de produtos de origem suína em âmbito nacional e consumindo dezenas de milhões de dólares em recursos públicos para a sua erradicação, concluída três anos mais tarde", relembra Caetano. Para o especialista, "a perda, ainda que temporária, da condição sanitária de animais ou seus produtos pode resultar em enorme prejuízo para o patrimônio pecuário nacional, com reflexos econômicos e sociais de grande magnitude que podem não restringir-se ao setor."
Flábio Araújo ressalta que a estratégia principal para o produtor é o monitoramento, com diagnósticos periódicos, ação que "minimizará o risco, mas não o abolirá da propriedade. Um animal infectado, mesmo não apresentando reação intradérmica positiva, permanece contaminando os demais", alerta o médico-veterinário. As medidas preventivas começam pelo manejo, higiene, transporte, cuidados extras com a entrada de novos lotes no estabelecimento rural e seguir a regulamentação descrita na normativa do Plano Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose Animal (PNCEBT).
O Brasil possui o segundo maior rebanho bovino mundial, com cerca de 200 milhões de cabeças e, desde 2004, assumiu a liderança nas exportações, com um quinto da carne comercializada internacionalmente e vendas em mais de 180 países.
Dalizia Aguiar (MTb 28/03/14/MS)
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