Artigo: Qual a natureza da crise na citricultura sergipana?
Artigo: Qual a natureza da crise na citricultura sergipana?
Márcio Rogers Melo de Almeida*
Em conversa com citricultores sergipanos, escuto com atenção um discurso saudosista que nos remete aos anos 80. Época que, segundo eles, "as vacas eram gordas" e "dava para sair de carro novo em cada nova safra anual". Hoje, continuando na escuta, "estamos muito ruins e mal conseguimos pagar os custos de manejo da lavoura para produzirmos", afirmam.
Os citros em Sergipe tem sua importância incontestável na economia agrícola quando levamos em conta que representa algo em torno 47% da produção total das lavouras permanentes. Ademais, com aproximadamente 10 mil estabelecimentos agrícolas envolvidos diretamente na produção, deduz-se daí os efeitos dessa cultura na geração de emprego e renda no estado e na fixação do homem no campo em contraponto ao inchaço nas periferias das grandes cidades.
À primeira vista, analisando-se no longo prazo os dados da produção sergipana de citros, podemos achar que não existe crise da citricultura sergipana. Vejamos: a participação de Sergipe em 1990 era 3% de todo valor da produção nacional, variando para 4% em 2000 e chegando em 2013 com 3,9%. Regionalmente, se em 1990 representávamos 21,5% do valor da produção nordestina, em 2013 representávamos 34%.
Se tivermos em conta a representação nacional da quantidade produzida de citros no estado, torna-se ainda mais complexa a análise, pois se em 1990 produzíamos 4% da produção nacional, no final da primeira década do século nossa participação não se altera. Atentando-se também para área destina a colheita em Sergipe, temos que em 1990 representavam 3,8% da área nacional destinada a essa cultura, elevando-se para 7,9% em 2013. Esses números descortinam um cenário de mudança negativa quase inexistente em relação ao quadro nacional e regional. Como explicar o discurso uníssono sobre a decadência da citricultura sergipana?
A explicação é que a produção do fruto in natura vem se fragilizando acentuadamente, se comparada às outras etapas, na distribuição da renda gerada ao longo da cadeia produtiva da citricultura, tais como a fabricação de insumos e implementos, processamento do fruto e finalmente a comercialização ao consumidor final. A estrutura de mercado característica da etapa processamento do fruto, com grau elevado de concentração, integração vertical e privilégio de informações de mercado, implica em transformar o dono do estabelecimento rural em mero tomador de preço, pressionando suas margens de lucratividade para baixo e lhe imputando todos os riscos de variações de preço na indústria.
Outra questão, e ainda mais importante, é que a situação sergipana segue uma tendência verificada nacionalmente. A crise não é sergipana, é nacional. No estado de São Paulo, maior produtor de citros brasileiro com 60% da produção nacional e com a maior produtividade por hectare, as organizações coletivas de produtores vêm alertando para o desequilíbrio dos elos da cadeia e a penalização do produtor rural em face da sua relação com a indústria. Demandam um fórum permanente de negociação sobre a repartição dos ganhos no setor com representantes dos setores público e privado, materializada numa câmara de arbitragem para minimizar os efeitos das disparidades de poder de barganha entre os agentes e promover maior governança em toda cadeia. A criação da CONSECITROS (Conselho dos produtores de Citros do Estado de São Paulo), nos mesmos moldes da CONSECANA (Conselho dos produtores de Cana-De-Açúcar, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo), serviria para estabelecer parâmetros claros de negociação com indicadores de formação de preços dos produtos finais e divisão de riscos equilibrada no setor.
Se a crise é nacional, a característica da estrutura produtiva de cada estado torna seu efeito mais ou menos intenso. Em Sergipe, 80% dos estabelecimentos são menores que 10hac (em São Paulo, 35% dos estabelecimentos estão na faixa de 10 a 20hac) impondo alguns limites operacionais na escala de produção, na capacidade de redução de custos, na absorção de inovações tecnológicas e na capitalização da unidade produtiva. Em adição, o sistema de cooperativas sergipano entrou numa crise profunda no final do século passado enfraquecendo o poder da ação coletiva dos produtores.
Esses fatores estreitam ainda mais as margens de lucro impostas ao produtor pela indústria, impondo-lhe conviver num ambiente de fragilidade permanente que o impossibilita melhorar seus tratos culturais, alargar a base genética dos pomares, enfrentar de modo correto os problemas fitossanitários, custear o aumento dos valores pagos à mão de obra e ampliar seus investimentos em tecnologia. De tudo isso, concluímos que a permanência da representatividade e importância da cultura em Sergipe mais se dá pelo somatório do risco com o elevado custo de oportunidade de mudança de atividade agrícola do que pela atratividade da cultura citrícola. Sem uma orquestração capitaneada pelo estado para harmonizar os conflitos e disparidades de ganhos nos elos da cadeia, a tendência é que a intensidade da crise se agrave e os discursos positivos fiquem esquecidos em algum lugar do passado.
* Márcio Rogers Melo de Almeida, analista da Embrapa, mestre em Sociologia do desenvolvimento pela Universidade Federal de Pernambuco.
Márcio Rogers Melo de Almeida
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