20/04/15 |   Mudanças climáticas

Produção de Hortaliças & Crise Hídrica

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Foto: Fabio Enrique Torrezan

Fabio Enrique Torrezan -
As águas de março que marcaram o fim do verão talvez tenham sido a razão de as notícias acerca da crise hídrica - vivenciada com maior intensidade nos estados do Sudeste, notadamente em São Paulo -, com forte presença na mídia durante os meses de janeiro e fevereiro de 2015, terem arrefecido. Mas com a chegada das estações do outono e do inverno, a perspectiva é de aumento do número de dias sem chuva com consequência direta nos níveis dos reservatórios e na disponibilidade hídrica para as populações, geração de energia e irrigação, dentre outros usos. Se confirmadas as projeções, é esperado o recrudescimento das discussões sobre o problema da escassez de água, assim como as medidas que vêm sendo, ou deveriam ser, adotadas para o seu enfrentamento. 
 
 Em tempos de bonança, com a água disponível para seus múltiplos usos, a vida segue o seu curso e, poucas vezes, a exemplo de eventos sobre o meio ambiente e sustentabilidade, o tema ocupa certa projeção. Com significativa relevância nessas ocasiões, a questão da importância da preservação da água, enquanto recurso finito, volta a ocupar espaço reduzido na mídia em geral e, tudo leva a crer, nas agendas dos formuladores de políticas públicas. 
 
Os tempos são outros e não há mais como trabalhar com cenários futuros. A escassez de água que vem atingindo com maior visibilidade os quatro estados do Sudeste brasileiro, acentuada a partir do segundo semestre de 2014, não dá sinais de tratar-se apenas de uma questão sazonal, que exigiria basicamente iniciativas voltadas para identificar os pontos críticos seguidas por ações pontuais de curto e de médio prazos. A lógica de que, após a estação das chuvas, a normalidade voltaria, não encontra mais fundamento na atual conjuntura. 
 
Com o quadro real de escassez mapeado, tem-se procurado, tardiamente, na opinião de alguns especialistas, alternativas para administrar os efeitos (racionamento, por exemplo) em alguns casos, e em outros discutir a adoção de medidas mais estruturantes (transposição de bacias). A situação tem dado margem à busca dos "vilões da crise hídrica", ou seja, as entidades, físicas e/ou jurídicas, responsáveis por atividades que exigem uma maior demanda por água. No afã de nomear e cobrar respostas, medidas compensatórias e posicionamentos, a agricultura tem sido apontada como a candidata ideal para desempenhar o papel de protagonista na questão do alto consumo de água. 
 
Dessa forma, num possível ordenamento dos que seriam os maiores culpados, a agricultura estaria em primeiro lugar na lista dos candidatos a vilões, a partir de ilações que apontam o uso de 70% de toda água captada no Brasil na produção agrícola. E por seu papel institucional, como indutora do desenvolvimento da agricultura no País, por meio de de tecnologias geradas pelas pesquisas, a Embrapa tem sido demandada a fornecer respostas a essa equação – escassez hídrica versus agricultura.
 
 Para o presidente da Embrapa, Maurício Lopes, que tratou do assunto em artigo recente, seria um equívoco atribuir exclusivamente à agricultura essa carga de responsabilidade, e "demonizar a produção de alimentos em função da crise hídrica só traria mais problemas". 
 Mais que buscar vilões, segundo o presidente, o mais sensato e urgente a fazer seria "ampliar os canais de comunicação, em busca do diálogo e do entendimento sobre as melhores práticas na gestão dos recursos hídricos".
 
Hortaliças x Escassez Hídrica
 
Para especialistas e estudiosos no assunto, a relação entre a escassez da água e as mudanças no clima situa-se ainda dentro de um cenário difuso: não há consenso se seria um fenômeno cíclico, previsto para ocorrer de tempos em tempos, ou se teria relação estreita com a questão mais ampla das mudanças climáticas globais, irreversíveis e inexoráveis.
 
Em meio a esse contexto, a Embrapa Hortaliças antecipou as discussões com a realização de dois workshops – "Efeitos das Mudanças Climáticas na Produção de Hortaliças", em 2010 e 2013, respectivamente -, quando foram postas em destaque as questões relacionadas a iniciativas voltadas para minimizar os efeitos das altas temperaturas sobre a produção de hortaliças. Ações que continuam na pauta, como a importância da adoção de manejos agrícolas sustentáveis, a exemplo do plantio direto, práticas agroecológicas e rotação de culturas, entre outras.
 
O pesquisador Carlos Pacheco, da área de Mudanças Climáticas – Avaliação, Monitoramento, Mitigação e Adaptação dos Impactos Ambientais -, assinala que as primeiras abordagens sobre as mudanças, em geral, traziam como principal foco o aquecimento global e não tratavam de maneira mais incisiva das consequências que teriam sobre diversos ecossistemas, seja nas zonas rurais ou urbanas. Na sua opinião, essa visão pontual pode ter sido a causa de algumas ações, que já se faziam necessárias, não terem recebido a necessária atenção.  Como exemplo, ele aponta o caso da escassez hídrica no estado de São Paulo, localizado na região mais urbanizada do País.
 
"Nesse aspecto, vê-se que a situação não envolve apenas a questão climática, mas agrega outros elementos, como a falta de planejamento e de percepção sobre o fato de que o sistema atual é por si só insustentável", anota o pesquisador, para quem não há como apontar um fato isolado e desencadeador de todo esse processo. "Na verdade, há um somatório de fatores envolvidos, e a mudança do uso da terra seria um deles, com a redução da vegetação natural, no campo, e a urbanização desordenada, nas cidades, além da questão climática, que exerceria severa influência no regime das chuvas".
 
Sobre esse último fator, ele chama a atenção para a falta do que considera um embasamento científico em dados que comprovem a associação entre a escassez hídrica atual e as mudanças climáticas. 
 
Adoção de Tecnologias
 
Existem tecnologias já disponíveis para a redução do uso da água na produção de hortaliças, como o Sistema de Plantio Direto (SPD), que consiste no cultivo sem revolvimento da terra, com a manutenção sobre a superfície do solo de uma camada de resíduos (palha) ou de vegetação para protegê-lo. Por aumentar o tempo e a capacidade de infiltração da água no solo e reduzir as perdas de água por evaporação, o SPD é visto pelo pesquisador como um grande aliado à economia de água, mas não para todas as hortaliças.
 
"Algumas hortaliças reagem bem ao plantio direto, como abóbora, melão, melancia, cebola, e a maioria das folhosas. Por outro lado, existem trabalhos com o cultivo de tomate, alguns bem sucedidos, outros não, e acredito que algumas das reações à tecnologia podem ser atribuídas às características próprias de cada cultivar", anota Pacheco. "Para algumas culturas que já têm resultado prático, o recomendável seria replicar a adoção da tecnologia", acrescenta.
 
O cultivo protegido é outra tecnologia recomendada pela Embrapa Hortaliças, por representar uma alternativa comprovada de aumento da eficiência do uso de água pelas plantas e diminuição do uso de defensivos, além de um maior controle ante às variações climáticas. Apesar da eficiência comprovada, o uso do cultivo protegido apresenta, de acordo com o pesquisador, algumas condicionantes para o seu sucesso, e que exigiriam uma maior presença da extensão rural junto ao produtor. "Como a tecnologia não se resume apenas na cobertura às plantas, é preciso oportunizar ao produtor conhecimentos sobre um manejo adequado", observa.
 
Crise hídrica: como fica a irrigação de hortaliças?
 
 Dentro do universo agrícola, as hortaliças estão situadas no topo da lista no que se refere à necessidade de água para produção, tendo em vista que dependem tanto do regime de chuvas quanto da irrigação. E apesar da dependência hídrica, comum às  olerícolas, existem as mais e as menos vulneráveis à redução da água disponível. 
 
Conforme o pesquisador Waldir Marouelli, que atua na área de Irrigação na Embrapa Hortaliças, as hortaliças mais prejudicadas em decorrência de qualquer limitação hídrica são aquelas mais exigentes em água – folhosas, brócolis e couve-flor, por exemplo –, exatamente aquelas mais cultivadas próximas aos grandes centros. "Essas hortaliças demandam irrigações muito frequentes e são produzidas perto das cidades, nos chamados "cinturões verdes", porque são muito perecíveis", salienta o pesquisador. 
 
Em momentos críticos de limitação hídrica, como a ocorrida em 2014, e tendo parte da mídia e da sociedade elegido a agricultura irrigada como uma das principais "vilãs" da crise, diversas propostas são lançadas como possíveis soluções para enfrentar o desabastecimento. No entanto, segundo o pesquisador, várias propostas carecem de embasamento teórico, social ou econômico, além de uma ampla discussão com os principais usuários de água. Ele destaca, por exemplo, que uma das propostas difundidas seria proibir o cultivo de hortaliças nas bacias hidrográficas próximas às zonas urbanas com problemas de abastecimento, o que resultaria no deslocamento das áreas de plantio para outras regiões. Além de vários outros fatores envolvidos, o pesquisador explica que as hortaliças folhosas são normalmente colhidas no final da tarde e já comercializadas e, muitas vezes, consumidas no dia seguinte. "Se as áreas de cultivo são deslocadas para muito além dos centros consumidores, como ficaria, por exemplo, a logística de produção, comercialização e consumo?", questiona Marouelli.
 
Integrante do Comitê Gestor do Portfólio de Agricultura Irrigada da Embrapa, constituído por pesquisadores de diversas Unidades, ele destaca a Nota Técnica (NT) elaborada pelo Comitê Gestor do Portfólio em resposta à demanda da diretoria da Embrapa sobre o tema "Impactos da Crise Hídrica na Agricultura Brasileira".
 
No caso das hortaliças, a NT recomenda o cruzamento de dados dos polos de produção agrícola irrigada com os dados de disponibilidade hídrica das respectivas bacias. Com isso, poderia ser feita uma estimativa sobre a redução necessária das áreas cultivadas em função da disponibilidade hídrica. Ainda segundo a NT, se as cidades do entorno demandarem a água usada nesses polos, também seria possível inferir sobre os impactos na redução da área irrigada. 
 
Na opinião de Marouelli, seja qual for o horizonte perscrutado, não há perspectivas que possam trazer soluções a curto prazo. "No caso do horticultor, em sua maioria pequenos produtores, a adaptação e simplificação de tecnologias já existentes para uso racional da água de irrigação seria um caminho", sugere o pesquisador. "Para o pequeno produtor adotar e usar de forma efetiva tem que ser uma tecnologia simples, de fácil manuseio, e com assistência técnica", complementa.
 
Com foco justamente no pequeno produtor, já há ferramentas simplificadas que indicam como irrigar na medida certa, a exemplo do Irrigas®. Criado pelo pesquisador Adonai Calbo - hoje na Embrapa Instrumentação Agropecuária -, o sistema foi desenvolvido pela Embrapa Hortaliças para ajudar o produtor a irrigar com menos gasto de água e energia, e em muitas situações produzir mais e com melhor qualidade.
 
Apesar do manuseio bastante simplificado, pode ocorrer de algum produtor sentir uma certa dificuldade na ocasião de verificar o momento de se irrigar e decidir a quantidade da água a ser aplicada a cada irrigação ou o tempo em que o sistema de irrigação deve permanecer em funcionamento. Como ferramenta de orientação para pequenos produtores, Marouelli elaborou o "Guia Prático para o Uso do Irrigas® na Produção de Hortaliças", que pode ser obtido no endereço www.embrapa.br/publicacoes ou diretamente na Embrapa Hortaliças. Informações pelo sac@embrapa.br ou pelo telefone (61)3385-9110.
 
 

Anelise Macedo (2.749/DF)
Embrapa Hortaliças

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Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC)
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