Cadeia produtiva do algodão orgânico debate estratégias para aumentar produção
Cadeia produtiva do algodão orgânico debate estratégias para aumentar produção
Foto: Edna Santos
Menos de 1% do algodão produzido no mundo é orgânico, mas a demanda por esse tipo de pluma é crescente
Representantes da indústria têxtil e do varejo de moda, organizações nacionais e internacionais ligadas à cadeia produtiva do algodão orgânico, além de pesquisadores e técnicos de extensão rural, estiveram reunidos no final de setembro, em João Pessoa, PB, para definir estratégias para aumentar a produção da pluma cultivada sem agrotóxicos, durante o I Workshop sobre Algodão Orgânico da Paraíba. Menos de 1% do algodão produzido no mundo é orgânico, mas a demanda por esse tipo de pluma é crescente. No ano passado o consumo de algodão orgânico cresceu 15% nos Estados Unidos e 30% na Europa, segundo dados da Textile Exchange, organização global com sede nos EUA que trabalha para tornar a indústria têxtil mais sustentável. No Brasil, foram colhidas apenas 22 toneladas na última safra, mais da metade dessa produção foi em solo paraibano. A expectativa dos participantes do evento é triplicar a produção de algodão orgânico na próxima safra e servir de modelo para outros estados.
Para o agrônomo Sílvio Moraes, representante para a América Latina da Textile Exchange, a produção de algodão orgânico no Brasil se assemelha ao “namoro de dois tímidos”. “O produtor não planta porque não tem a quem vender e a indústria não compra porque não tem a quem comprar. Nós precisamos alinhar essas expectativas para desenvolver a cadeia produtiva do algodão orgânico de forma consistente e planejada”, diz.
Moraes apresentou um panorama da produção orgânica no mundo. No ano passado, 200 mil agricultores produziram algodão orgânico numa área certificada de mais de 350 mil hectares. A Índia e a China são os maiores produtores. “O Brasil ainda tem uma representação muito pequena. Ano passado nós tínhamos 112 produtores de algodão certificado, numa área de 160 hectares, que produziram 22 toneladas de fibra. Algo muito pequeno se comparado ao mercado global”, analisa.
Segundo ele, a expectativa é que em 2017 esses números cresçam em função de iniciativas como o projeto Algodão Paraíba e o incentivo ao algodão sustentável do Instituto C&A. “Nosso objetivo é ter o algodão orgânico não apenas como um mercado nicho, mas como algo bem representativo no mercado de fibras no Brasil e na América Latina”, declara.
O diretor executivo do IBD Certificações, Alexandre Harkaly, acompanha o mercado de orgânico há mais de 20 anos e avalia que o País está atrasado no desenvolvimento da sua cadeia produtiva de algodão orgânico. “Infelizmente o Brasil está demorando a enxergar o enorme potencial que ele tem como fornecedor nacional de algodão orgânico. É um desafio totalmente viável produzir algodão orgânico em um hectare ou dois, com a tecnologia que se dispõe hoje. A população rural necessita dessas tecnologias amigas e viáveis para o ser humano”, defende.
O diretor executivo da Associação Brasileira do Varejo Têxtil – ABVTEX, entidade que reúne 22 grupos de grandes varejistas de moda, que gerenciam mais de 50 marcas, Edmundo Lima, reforçou a necessidade de ampliar a escala de produção do algodão certificado. “Nossa intenção é democratizar cada vez mais o algodão orgânico. As grandes marcas estão desenvolvendo produtos mais sustentáveis para um consumidor cada vez mais consciente e demandante desse produto. E para atender esse público de classe média e classe média-baixa, invariavelmente nós precisamos de escala. Se juntássemos toda a produção de algodão orgânico do Brasil hoje, não daria para atender sequer uma linha de produtos de um dos nossos varejistas, como a linha de roupas para bebês, por exemplo”, revela.
É o que confirma o diretor da Norfil, indústria têxtil sediada em João Pessoa, Ariel Horovitz, “Nós poderíamos comprar 100 vezes o que compramos hoje, mas como essa produção não existe, nós estamos contribuindo para organizar a produção a preços definidos e que possam ser interessantes ao produtor”, conta o empresário.
Mas o diretor da ABVTEX prevê uma mudança radical na forma de consumo nos próximos 10 anos. “A sustentabilidade é um caminho sem volta. Essas novas gerações que vêm por aí, vêm com uma demanda de automaticidade e de sustentabilidade, querem saber de onde veio o produto, se foi produzido de maneira adequada, segundo os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU); é uma geração que se comunica muito pelas redes sociais e isso tem um poder de alastramento muito grande na sociedade”, avalia.
Algodão que produz alimento
À frente do projeto Algodão Paraíba, o diretor técnico da Emater, Vlaminck Saraiva, destaca que o algodão orgânico não tem como competir com o algodão commodity e que os objetivos do projeto são outros. “Nós queremos desenvolver a cadeia produtiva na perspectiva da agricultura familiar, produzindo em consórcio com culturas alimentares. A ideia é ter o algodão produzindo alimento e o alimento produzindo algodão”, afirma.
Para Saraiva, outro diferencial do projeto é a integração da cadeia produtiva – agricultor, assistência técnica e indústria. “Depois de algumas tentativas malsucedidas de trazer o algodão de volta à Paraíba, nós resolvemos mudar a estratégia, fizemos um estudo de mercado, a negociação prévia para formação de preço para dar maior segurança ao produtor e a empresa Norfil está comprando toda a pluma produzida pelos produtores que fazem parte do projeto”, diz.
É possível conviver com as pragas
O pesquisador da Embrapa Algodão, entomologista Fábio Aquino Albuquerque, reforça que o convívio com as pragas é crucial para a produção desse tipo de algodão. “Esse sistema de cultivo parte da premissa de que para um bom convívio com pragas é necessário a diversificação do roçado. Essa diversificação propicia um maior equilíbrio entre as espécies e um melhor aproveitamento dos recursos. Nesses sistemas, a disposição e consorciação das espécies vegetais favorece a presença e permanência de inimigos naturais das pragas do algodoeiro, além de evitar a concentração do algodão numa determinada área”, explica.
Conforme o pesquisador, a diversificação serve como uma barreira contra a dispersão de pragas. “Isso não evita que ocorra, mas compromete a o padrão de dispersão. O uso de vazio sanitário (período compreendido entre o final de um ciclo produtivo e início de outro em que não deve haver plantas vivas na lavoura para evitar a proliferação de pragas e doenças) é outra medida simples e eficaz para convivência com o bicudo. O plantio com datas determinadas e com pouco intervalo entre o primeiro e o último plantio é outra técnica fácil e eficaz para o manejo do bicudo”, orienta.
Uma preocupação dos produtores de algodão convencional é que o cultivo orgânico possa promover a proliferação do bicudo, infestando as lavouras convencionais. Contudo, o pesquisador observa que pela lei, a produção orgânica não pode ocorrer próximo ao algodão convencional para evitar contaminação dos orgânicos. “A convivência entre o orgânico e o convencional não será próxima, pois para efeitos legais a produção orgânica deve respeitar limites para que não haja contaminação dos seus produtos. Assim, é falho o argumento de que uma área de algodão orgânico vizinha a uma área de algodão convencional será fonte mantenedora de bicudo para área convencional. Essa vizinhança não poderá ocorrer, sob risco de a área orgânica ser contaminada pela deriva de produtos utilizados no convencional”, esclarece.
Outra medida que merece atenção é a destruição dos restos culturais, principalmente nas áreas onde houve ataque de praga, mesmo que em baixa infestação. Essa medida visa quebrar a permanência e reprodução da praga no ambiente. Albuquerque assegura que se o produtor seguir as recomendações técnicas, o bicudo não causa sérios problemas. “O bicudo só é um fator limitante quando não é manejado, mas se deixar a primeira geração do bicudo avançar no campo, aí pode esperar o prejuízo”.
Outros desafios
A escassez de mão de obra no campo é apontada pelo pesquisador como um dos principais entraves para aumentar as áreas de produção. “Com a colheita manual, um produtor não consegue plantar mais que dois hectares. A Embrapa está trabalhando no desenvolvimento de uma máquina colheitadeira para pequenas propriedades que poderá contribuir para superar esse gargalo”, adianta.
Como levar assistência técnica sobre o manejo adequado da cultura para um número maior de produtores foi outro ponto levantado pelos presentes ao evento. Para a próxima safra, a Embrapa e a Emater/PB implantarão de Unidades Demonstrativas nas áreas produtoras para facilitar a troca de conhecimentos sobre o manejo orgânico da cultura junto aos agricultores.
O supervisor de Transferência de Tecnologia da Embrapa Algodão, José Geraldo Di Stefano, adianta que o manejo dos solos visando à sua conservação ou recuperação, além do aproveitamento da água de chuva será um dos temas centrais das Unidades Demonstrativas para o cultivo de algodão orgânico no Semiárido. “Antes de pensar em plantar mais algodão nós precisamos pensar em que solo nós vamos plantar esse algodão. Nós precisamos compor um perfil adequado de solo, utilizar plantas de cobertura com sistemas radiculares diversificados para que o algodoeiro possa expressar todo o seu potencial produtivo e tenha mais resiliência à escassez de chuva”, afirma.
Os participantes do workshop se comprometeram a realizar um fórum permanente dos atores da cadeia produtiva do algodão para trabalhar em prol do aumento da oferta de algodão orgânico. Promovido pela Gestão Unificada (Emepa/Interpa/Emater), vinculada à Secretaria do Desenvolvimento da Agropecuária e da Pesca da Paraíba, em parceria com a Embrapa Algodão e a Norfil, o evento contou com a participação da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Textile Exchange, ABVTEX, Coopnatural, Comitê Estadual de Orgânico, Instituto Biodinâmico (IBD), Organic Cotton Colours, Vertshoes, Linking Dotz e Centro de Pesquisa e Assessoria do Ceará (Esplar).
Edna Santos (MTB-CE 01700)
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