Produção de brássicas no verão: velhos desafios e novas oportunidades
Produção de brássicas no verão: velhos desafios e novas oportunidades
Foto: Raphael Melo
Planta normal. Mesma época de plantio e cultivar. Apenas alguns dias de diferença (de ciclo) entre as plantas e exposição a altas temperaturas no período, passando de folhas para a formação de "cabeça" (inflorescência), explicam os sintomas acima apresentados.
Couve-folha, manteiga, mineira, brócolis, ramoso, de cabeça, de cabeça única, ninja, japonês, americano, de Bruxelas, couve-flor, romanesco, repolho verde, roxo, crespo, rábano; são tantos nomes dados a apenas seis plantas diferentes. Reflexo de nossa diversidade regional e da criatividade brasileira? Para alguns, talvez seja falta de padronização da nomenclatura...
Celebradas na culinária moderna, essas hortaliças consistem em variedades botânicas da espécie Brassica oleracea. São originárias da região da costa do Mediterrâneo, onde começaram a ser cultivadas e selecionadas há séculos pelo homem. Nos processos migratórios dos europeus tornaram-se cosmopolitas e de grande importância econômica nos diversos continentes.
Apesar de estarem presentes corriqueiramente na mesa dos brasileiros, sobretudo no verão, são grandes os desafios e oportunidades que trilham o mercado das brássicas.
O desempenho produtivo dessa espécie, especialmente em condições de temperaturas acima de 25ºC e umidade alta, é afetado pela ocorrência de doenças, insetos-praga e defeitos de ordem fisiológica. Em consequência disso, nas regiões produtoras, o cenário no período apresenta-se com preços elevados e oscilação do volume comercializado. O consumidor se depara com um produto de menor tamanho, peso, coloração mais clara, botões florais maiores, folhas frouxas ou abertas e de menor conservação, seja em geladeira ou temperatura ambiente
Para os produtores fica sempre o questionamento: devo me arriscar no estabelecimento de uma área nessa época, quando os preços são mais altos e com volumes de produção menos expressivos, ou plantar em condições mais favoráveis?
Em resposta a esses desafios, a partir de 1945, o professor Marcílio de Souza Dias e colaboradores, da ESALQ/USP, iniciaram um projeto de pesquisa futurista para a época. O programa de melhoramento genético dessa espécie, especificamente para o verão, gerou as cultivares de brócolis Ramoso Piracicaba, couve-flor Piracicaba Precoce, repolho Louco, entre outras. Esses produtos obtidos a partir do programa desenvolvido permitiram a ampliação das regiões de cultivo e da época de plantio, perdurando até os dias atuais e sendo utilizados como base genética para obtenção de híbridos modernos.
Hoje, estão disponíveis cultivares de diversas empresas que não são tão exigentes em relação às temperaturas elevadas, tolerando variações que extrapolam a faixa ideal, sem comprometer o potencial produtivo. Além disso, algumas cultivares ainda apresentam resistência a algumas das doenças problemáticas nessas condições, como a podridão-negra (Xanthomonas campestris pv. Campestris).
No entanto, ainda é notória a falta de adaptabilidade e de resistência às diferentes raças de patógenos das principais cultivares em alguns segmentos (Figura 1).
A fim de superar esses obstáculos e tantos outros que ainda estão por vir, a variabilidade genética da espécie pode ser explorada pelos programas de melhoramento genético para que possam ser selecionadas cultivares com melhor adaptação aos mais diversos ambientes de cultivo.
Diversas linhas de pesquisa, como na área de biotecnologia aplicada ao melhoramento genético, têm sido utilizadas para o desenvolvimento de cultivares adaptadas às condições de cultivo tropicais e principalmente aos teores de enzimas antioxidantes, chegando a superar de duas a três vezes o conteúdo das cultivares disponíveis no mercado.
Técnicas de manejo, complementarmente ao trabalho de melhoramento genético, são primordiais para confrontar essas adversidades, visando o aumento da produtividade, qualidade e rentabilidade das culturas.
A utilização de insumos e estruturas que auxiliem na modificação ou adequação do ambiente deixou de ser tendência e evidencia mudanças de patamar tecnológico no cultivo de hortaliças, reflexo da exigência do mercado e mais recentemente de mudanças climáticas locais. O cultivo protegido talvez seja a tecnologia mais promissora nessa linha.
Com o incremento da área sobre proteção, as brássicas certamente farão parte da lista das espécies produzidas nesse ambiente, mesmo ocupando uma área por planta significativa.
Novas tecnologias como plásticos difusores de luz, telas ou malhas de diferentes colorações e materiais mais leves para sustentação de arcos e construção de telados são amplamente divulgadas comercialmente, mas ainda carecem de pesquisa para prover respostas sólidas. Contudo, já é possível cultivar brócolis em uma estrutura simples do tipo "guarda-chuva" em plena Amazônia, como acontece no município de Presidente Figueiredo/AM, que abastece a capital do Estado.
Assim como em Manaus, onde o padrão de consumo vem mudando, é comum nas grandes regiões metropolitanas vermos hortaliças processadas, congeladas, baby ou mini. Esse nicho consiste em uma excelente oportunidade no verão, tanto que alguns agricultores estão produzindo brotos para salada, mini repolho liso ou crespo, floretes de couve-flor e brócolis congelados/embalados, entre outras novidades no mercado.
O que pode parecer um encarecimento de um produto comum, em face da diminuição de seu tamanho ou colheita precoce, além do processamento de uma quantidade grande de matéria-prima para atingir pequenas porções, na verdade, se traduz como agregação de valor e abre espaço para o cultivo em condições controladas, com menor manuseio e consequentemente maior qualidade e higiene do produto final.
Outro exemplo é o Sistema Plantio Direto de Hortaliças (SPDH). Consagrado no cultivo de grãos, sua adoção nas mais diversas hortaliças é crescente, por atenuar os efeitos das temperaturas elevadas na superfície do solo e auxiliar a manutenção da umidade, criando um microclima favorável ao desenvolvimento das plantas, entre outras vantagens para a produção em meses mais quentes.
Na região serrana do Rio de Janeiro, produtores que sofrem com as enchentes e deslizamento de encostas, contam com outro fator positivo do SPDH que é a diminuição da erosão. Esse sistema, a depender das condições, pode até permitir o retorno da produção em áreas que foram inviabilizadas pelo excesso de chuvas e transporte de sedimentos, comuns nesse local durante o verão.
Finalmente, são necessários esforços multidisciplinares no sentido de congregar as técnicas citadas para o desenvolvimento de sistemas de produção sustentáveis. Assim, incrementos produtivos serão obtidos e certamente resultarão na redução de custos e melhoria da disponibilidade e qualidade do produto final, tanto no aspecto visual, quanto em seu teor nutricional.
Raphael Augusto de Castro e Melo
(Fitotecnista - Pesquisador da Embrapa Hortaliças)
Embrapa Hortaliças
Larissa Pereira de Castro Vendrame
(Melhorista - Pesquisadora da Embrapa Hortaliças)
Embrapa Hortaliças
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