Comunidades rurais do DF e de MG aprendem a cocriar tecnologias sociais inovadoras e sustentáveis
Comunidades rurais do DF e de MG aprendem a cocriar tecnologias sociais inovadoras e sustentáveis
Agricultores orgânicos e de base agroecológica se reuniram no Distrito Federal e em Paracatu (MG) para exercitarem sua capacidade criativa, levantarem desafios e demandas locais e aprenderem a construir, juntos, tecnologias que vão contribuir para ampliar a segurança hídrica, alimentar e energética das comunidades. Ao lado de estudantes, professores, técnicos e pesquisadores, eles participaram da Oficina Internacional de Desenho e Cocriação de Tecnologias com Comunidades, realizada nos meses de setembro e outubro, e construíram, após seis encontros, os primeiros protótipos de equipamentos de baixo custo para facilitar e melhorar o trabalho no campo.
Os eventos nas duas regiões tiveram a participação de cerca de 50 pessoas e foram promovidos pelo Núcleo de Agroecologia da Universidade de Brasília, que envolve professores e estudantes da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária (FAV/UNB) e pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS), com recursos de projetos de pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF). Também contaram com o apoio da Embrapa Cerrados e a parceria do Instituto de Tecnologias Apropriadas para a Sustentabilidade (Invento) e do Centro de Innovación de Tecnologías Apropiadas Y Educación (C-Innova), instituição colombiana de inovação e sustentabilidade associada ao D-LAB, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), dos Estados Unidos.
No DF, a Oficina foi realizada na sede da Associação dos Produtores Orgânicos do Alto São Bartolomeu (Aprospera). Participaram representantes do Projeto de Assentamento (PA) Oziel Alves. Em Paracatu, a Cooperativa Mista de Agricultores Familiares e Assentados do Noroeste de Minas (Cooperfan) recebeu os participantes dos PA Tiro e Queda, Nova Lagoa Rica, Herbert de Sousa e Santa Rosa.
Integrante do Núcleo de Agroecologia da UnB, a equipe de pesquisa em agricultura familiar da Embrapa Cerrados tem colaborado, em parceria com o Instituto Invento, com a implementação de estratégias de inovação baseadas na metodologia CCB (sigla para Creative Capacity Building ou Construção da Capacidade Criativa) de desenho e inovação desenvolvida pelo D-LAB junto a comunidades rurais e urbanas de diversos países latino-americanos, africanos e asiáticos.
O pesquisador Zaré Soares, que já havia participado de uma capacitação em Desenho e Inovação com Comunidades na Colômbia em 2017, promovido pelo C-Innova, colaborou na organização dos eventos e integrou um dos grupos da Oficina no DF. Ele acredita que esse modelo de interação com as organizações dos agricultores é uma referência importante para colaborar com os processos de desenvolvimento de tecnologias e inovação para a agricultura familiar desenvolvidos por instituições de pesquisa como a Embrapa, já que permite entender os problemas e desafios enfrentados pelos agricultores e produzir, junto com os eles, inovações mais adequadas ao contexto em que vivem.
“Temos visto situações em que há uma distância grande entre as instituições de pesquisa e as comunidades rurais, e quando conseguimos desenvolver um processo que efetivamente fortaleça as trocas de conhecimento e interações entre agricultores, pesquisadores e estudantes, podemos produzir resultados muito interessantes”, afirma.
Ciclos de desenho
Durante a Oficina, as etapas dos ciclos de desenho dos projetos foram ensinadas pelos instrutores Alexander Freese e Liliana Murcia, do C-Innova, e Carolina Alzate, do Núcleo de Agroecologia da UNB, e pelo diretor-executivo do Instituto Invento, Odair Scatolini Junior. O ciclo de desenho de uma tecnologia social é iniciado pela identificação e demarcação de um problema relevante para a comunidade, em seguida vem a etapa do “conhecimento”, com a busca de informações sobre o problema identificado. Em seguida, vem a etapa de “geração de ideias”, na qual o grupo de trabalho gera ideias que são experimentadas até que seja escolhida a melhor delas, cujos detalhes passam, então, a ser trabalhados. A fase seguinte é a da “experimentação”, em que o protótipo da tecnologia é fabricado e testado. O protótipo é então apresentado a outras pessoas, que vão opinar sobre o projeto, levando o grupo a buscar novas informações, reiniciando, assim, o ciclo de desenho.
Além de interagirem nas sessões de construção de diferentes habilidades, os participantes foram divididos em grupos e aprenderam a utilizar ferramentas e materiais de construção, desenvolvimento e apropriação e adaptação social de tecnologias, com a finalidade de construir projetos e tecnologias sustentáveis e de baixo custo que atendam aos interesses das comunidades.
Para auxiliar na discussão e definição dos projetos, estudantes da UnB que participam do Núcleo de Agroecologia da FAV/UnB apresentaram diagnósticos iniciais com base em entrevistas com agricultores das comunidades envolvidas na Oficina. Foram destacados os principais problemas a serem enfrentados, como pragas agrícolas, oferta insuficiente de energia elétrica para o uso de máquinas, necessidade de adquirir determinados alimentos na cidade, defasagem no recolhimento dos resíduos sólidos, dificuldade de inserção em mercados, falta d’água, entre outros.
Os primeiros protótipos foram construídos com peças de madeira, plástico e metal. Os participantes da Oficina no DF montaram uma máquina motorizada que descasca, rala, corta e lava mandiocas, favorecendo o aproveitamento integral das raízes; uma semeadora manual de hortaliças como cenoura, beterraba e rabanete que pode ser operada com o agricultor em pé ou sentado; e um coletor e carregador de capim roçado para canteiros de hortas, implemento que pode ser acoplado a um pequeno trator.
As tecnologias sociais foram apresentadas à comunidade e a parceiros externos no dia 11 de outubro, na sede da Aprospera. Além de descreverem as funções dos equipamentos, os participantes apontaram os desafios e o aprendizado obtido durante a montagem, além dos ajustes e melhorias a serem feitos no próximo ciclo de desenho. Durante as apresentações, os demais presentes puderam opinar sobre os protótipos.
Em Paracatu, os participantes construíram uma bomba d’água eólica, uma prensa de queijo, um descascador de baru, um biodigestor e um sistema de captação de água da chuva com descarte da primeira água. Os protótipos foram expostos no dia 25 de outubro na sede da Cooperfan.
Cocriação
Alexander Freese, do C-Innova, apontou como razões para a realização de oficinas de CCB a importância das comunidades aumentarem a capacidade de criar soluções sem dependerem necessariamente de ações externas de transferência de tecnologia, e o fato de que, segundo o instrutor, as instituições são burocráticas para retornarem às comunidades, que acabam perdendo esses processos de transferência. “É melhor criar que esperar. Sabemos que todo mundo é criativo. E o mais importante no CCB é a cocriação, ou seja, criar com os outros”, explicou, acrescentando há três formas de desenhar tecnologias. “A primeira é ‘desenhar para’, em que não precisamos de cocriar, mas de um especialista; a segunda é ‘desenhar por’; e a terceira é ‘desenhar com’, ou seja, as comunidades desenham o que precisam, com suas habilidades e seus conhecimentos. A melhor forma de aprender é fazendo”, ensinou.
“O objetivo desses projetos é melhorar a nossa vida, tornar mais fácil uma tarefa que é muito pesada ou resolver problemas mais complexos como a disponibilidade de água. É usar a criatividade. Qualquer ideia é válida”, completou Odair Scatolini, do Instituto Invento. Ele explicou que na Oficina a viabilidade das ideias é avaliada de acordo com o tempo, os materiais disponíveis e o orçamento – no caso, cada grupo recebeu R$ 400 para comprar os materiais necessários. “O que foi desenvolvido agora (protótipos) serve para aprender a metodologia. Assim, poderão ser criadas outras soluções. Neste momento, o processo importa mais que o produto”, observou.
Scatolini apontou que, a partir da construção dos primeiros protótipos e das opiniões da comunidade e dos parceiros externos, outras informações serão buscadas para aperfeiçoar os equipamentos. “Depois que você já tem um protótipo, fica bem mais fácil gerar novas ideias, experimentar, fabricar de novo”, disse.
Descobertas e entusiasmo
A presidente da Aprospera, Fátima Cabral, destacou que a Oficina é uma oportunidade de despertar nos participantes “um mundo” de possibilidades. “Temos observado que cada tecnologia social apresentada aos agricultores é uma nova descoberta, além do fato de que eles se veem capazes (de construir inovações)”, afirmou, salientando o fortalecimento da parceria com a Embrapa e a UnB: “Isso se torna uma grande rede, empoderando a comunidade e os agricultores e mostrando a força que eles têm juntos”.
Os agricultores do PA Oziel Alves, no DF, revelaram satisfação em ter adquirido novos conhecimentos com a Oficina. “Aqui todo mundo dá ideias e faz críticas construtivas. Esse trabalho coletivo, de fazer junto, de ajudar uns aos outros, foi uma coisa maravilhosa”, disse o agricultor Pedro Malaquias Soares.
Deuselina de Paiva nunca havia se imaginado construindo um equipamento agrícola. A agricultora integrou a equipe que montou a semeadora manual de hortaliças, equipamento que risca o solo, lança as sementes e encobre a área semeada, dispensando o raleio. “Foi maravilhoso ver que sou capaz. Para mim, essa máquina é muito boa. Tenho problema na coluna, não conseguia plantar porque tinha que me abaixar, então pagava pela mão-de-obra. Agora, eu mesma poderei plantar um canteiro bem rápido. Se em um dia eu plantava meio canteiro, agora posso plantar três ou quatro com menos esforço, melhor qualidade e menos desperdício”, comemorou.
Ela estima que o custo do primeiro protótipo ficou em cerca de R$ 80, mas acredita que há como torná-lo ainda mais barato. “Quando a gente vai fazendo, vai descobrindo novas coisas. Se a gente continuar, chegará a um ponto de perfeição, de calcular milimetricamente a quantidade de semente que vai cair. Também queremos fazer uma máquina para plantar mudas”, disse.
Integrante do grupo que construiu o coletor e carregador de capim, o agricultor Pedro Cordenonsi contou, em depoimento aos demais participantes, que a Oficina superou as expectativas, especialmente no desenvolvimento de novas habilidades. “Vi pessoas que nunca tinham soldado ou trabalhado com máquinas industriais. Em três, quatro dias, já estavam pondo a mão na massa”. Outro aspecto elogiado foi a organização e disponibilização de ferramentas. “Para nós do campo, isso é muito necessário. Toda hora estamos usando uma ferramenta, e às vezes existe outra que faz o serviço muito melhor, mais simples e mais leve (de usar), e que torna nossa vida indiscutivelmente mais fácil”, disse.
Animado com os resultados do trabalho do grupo, o agricultor quer prosseguir com a cocriação de tecnologias sociais. “Nossa máquina ainda não está pronta, mas acho que todo mundo se sentiu engrandecido com o projeto. Estou totalmente disposto a dar o próximo passo, de repente até com empresas maiores, a recomeçar de uma forma maior, fazendo implementos reais, coisas realmente para nosso uso. É válido e acredito que todos da comunidade também estariam dispostos a isso”, afirmou, agradecendo aos organizadores da Oficina.
“Os protótipos produzidos superaram as expectativas e são o primeiro passo dentro da estratégia do ciclo de desenho. Já percebemos os aperfeiçoamentos que devem ser feitos, conciliando a continuidade do processo e fortalecendo a participação das instituições na construção dessa continuidade”, comenta o pesquisador Zaré Soares. “Se pudermos levar esses protótipos para o laboratório, retorná-los à comunidade, introduzir o feedback das pessoas e dar mais duas ou três voltas no ciclo de desenho, conseguiremos desenvolver tecnologias muito interessantes e de uma forma muito eficiente”, aposta.
Ele lembra que esta será a primeira tentativa de articulação entre as instituições para o prosseguimento dos ciclos de desenho dos projetos. “Vai ser muito enriquecedor não só para os agricultores, mas principalmente para as instituições que estão participando e que podem, a partir disso, inovar na forma como trabalham e interagem com os agricultores e com as comunidades”, finaliza.
Breno Lobato (MTb 9417-MG)
Embrapa Cerrados
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