28/07/15 |   Melhoramento genético

Reduzida ameaça de extinção do caprino Marota

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Foto: Fernando Sinimbu

Fernando Sinimbu -
O mapa genético do caprino Marota, traçado recentemente, trouxe uma boa notícia para os pesquisadores e criadores da raça: a ameaça de extinção desse animal está afastada a curto e médio prazos. O estudo constatou que a diversidade genética entre os 108 animais do plantel de pesquisa da Embrapa Meio-Norte, em Teresina (PI), é ampla o suficiente para multiplicar com segurança a população da raça. 
 
A boa-nova está na tese de doutorado em Ciência Animal da Universidade Federal do Piauí, elaborada pela bióloga Jeane de Oliveira Moura, professora do Instituto Federal de Educação no Piauí. O caprino marota ocupa posição de destaque na lista de animais ameaçados de extinção, segundo relatório da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). O estudo revela também que, a cada mês, uma raça de animal domesticada é extinta no mundo.
 
A importância da variabilidade genética em um rebanho, segundo Jeane Moura, é evitar a perda de vigor causada pela endogamia, reprodução entre animais de parentesco próximo, consanguíneos, refletindo em menor capacidade de reprodução e maior probabilidade de ocorrência de doenças genéticas.
 
O trabalho da bióloga começou há nove meses e foi fundamentado nos estudos de variabilidade e diversidade genética do plantel da Embrapa. A ideia do mapeamento era conhecer o fluxo gênico (passagem de um determinado gene de uma geração à outra) para que os cientistas pudessem conduzir melhor e com mais segurança trabalhos de melhoramento genético e conservação da raça. 
 
A coleta de amostras do material biológico, cerca de três mililitros de sangue de cada animal, foi o primeiro passo. Enviado ao laboratório Deoxi Biotecnologia, no Município de Araçatuba, em São Paulo, o material foi submetido à moderna tecnologia de genotipagem, o BeadChips, que contém mais de 50 mil marcadores moleculares. A análise confirmou a variabilidade e a diversidade genética do plantel.
 
A partir de agora, a equipe da Embrapa e da Universidade Federal do Piauí vai propor um modelo de manejo genético que busque o acasalamento de animais distintos geneticamente, para manter a maior proporção de variabilidade da raça Marota. 
 
"O outro foco do estudo," diz a professora, "será o descarte dos animais geneticamente semelhantes, já que manter um plantel sem variabilidade não atinge o objetivo maior, que é a preservação da raça". Esse esforço é importante para melhor uso dos recursos disponíveis à pesquisa na região Nordeste. O trabalho manterá informações genéticas para futuros cruzamentos com raças sem resistência a doenças, seca e altas temperaturas.
 
Mais de mil indivíduos para afastar extinção
 
A ciência estabeleceu que um grupo de animais domésticos é considerado em risco de extinção quando existem menos de 100 fêmeas no rebanho ou menos de   20 em reprodução. O alerta dos cientistas é que, assim como os animais silvestres, os grupos genéticos dos animais domésticos ameaçados de extinção não podem ser recriados, sendo uma perda irreversível à biodiversidade, à agricultura e à alimentação.
 
Para a pesquisadora Adriana Mello, da Embrapa Meio-Norte, e orientadora da bióloga Jeane Moura, quanto menor o tamanho de uma população animal, mais vulnerável ela está às variações demográficas e ambientais e a fatores genéticos que podem levá-la à extinção. Portanto, segundo Adriana, a ameaça de extinção da raça Marota só vai desaparecer se o número de reprodutores e matrizes de puro-sangue   superar mil exemplares. O animal puro-sangue é aquele que não passou por cruzamento ou recebeu material genético de outra raça. 
 
Ela acredita que a multiplicação dos rebanhos de marota em parceria com produtores é a base da luta dos pesquisadores pela conservação da raça. Segundo Mello, se for mantida a diversidade genética no núcleo de conservação da marota na Embrapa, a multiplicação de animais elevará o tamanho da população e acabará de vez o risco de desaparecimento, pondo fim ao ciclo de ameaça de extinção, conhecido no meio científico como "vórtex de extinção".
 
Rede de preservação
 
A história da preservação de pequenos animais nativos no Brasil tem como expoente o engenheiro civil e professor universitário aposentado Manoel Dantas Villar Filho, conhecido nacionalmente como Manelito Dantas, de 78 anos. Foi no ano de 1972, na Fazenda Carnaúba, Município de Taperoá, no Cariri paraibano, a 216 quilômetros de João Pessoa, que ele deu o pontapé inicial em iniciativas de preservação.
 
Incentivado pelo primo e um dos maiores nomes da dramaturgia brasileira, Ariano Sussasuna, o professor Manelito Dantas montou uma fazenda com animais nativos, tendo no caprino marota o principal destaque. Passados 43 anos do início da maior empreitada da vida da família Dantas Villar em Taperoá, a Fazenda Carnaúba, com 960 hectares, exibe prosperidade. O núcleo de conservação de pequenos animais mantém 16 raças nativas, com mais de 200 exemplares só de marota. É o maior rebanho da raça conhecido no Brasil.
 
A família Dantas Villar não está sozinha na luta pela preservação dos pequenos animais nativos no Nordeste brasileiro. Na Fazenda Faveira, no Município de Elesbão Veloso, a 154 quilômetros de Teresina, no centro-norte do Piauí, o também engenheiro civil e empresário José Ferreira Dantas Filho, de 55 anos, aposta na criação de caprinos ameaçados de extinção. Além do marota, raça da qual  ele mantém cerca de 200 exemplares, o empresário cria animais das raças Moxotó, Azul, Repartida, Graúna, Canindé e Parda Sertaneja.
 
"Quero contribuir com as futuras gerações, preservando raças que fazem parte da história da colonização do Piauí e região", justifica José Dantas Filho. Na fazenda com 1.100 hectares, às margens da BR 316, criada há 25 anos, o núcleo de conservação tem mais de 700 exemplares com o objetivo de melhorar as raças, identificando suas aptidões. O objetivo maior do empresário  é ajudar na ampliação dos rebanhos nativos na região, difundindo as raças.
 
Também no Piauí, no Município de Pedro II, 195 quilômetros ao norte de Teresina, está nascendo um novo núcleo de conservação de pequenos animais nativos ameaçados de extinção. Na Escola Família-Agrícola Santa Ângela, que mantém o ensino médio técnico em agropecuária, agroindústria e turismo rural para 280 alunos, ganha força a ideia da conservação de animais para as futuras gerações.
 
Com 85 anos, a irmã Celina, freira da congregação Ursulina e diretora da escola, aos poucos está construindo o que ela chama de "plataforma" para aulas práticas sobre o manejo de pequenos animais. O núcleo de conservação, hoje com pouco mais de 100 exemplares da raça caprina Moxotó, é a matriz de um grande projeto que a religiosa pretende desenvolver na região norte do Piauí. O núcleo está se preparando para receber exemplares da raça Marota e participar da rede de preservação animal.
 
A Embrapa, em nível nacional, desenvolve o projeto Rede de Recursos Genéticos Animais em parceria com a Universidade de Brasília e empresas estaduais de pesquisa. Liderado pela pesquisadora Maria do Socorro Maués Albuquerque, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, o projeto conserva animais em núcleos de criação, como na Fazenda Experimental Sucupira, em Brasília, com 200 exemplares, e num banco genético, com mais de 50 mil doses de sêmen e pelo menos  300 embriões.
 
A Rede Animal, articulada e desenvolvida por dez centros de pesquisa da Embrapa nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul, reúne projetos focados nas raças "naturalizadas" de animais domésticos que estão no Brasil desde a colonização do País. Eles são importantes para os programas de melhoramento genético, pois ganharam características como rusticidade e adaptabilidade à temperatura e ao clima das regiões onde se desenvolveram.
 
Um nativo do Nordeste brasileiro
 
O rebanho de caprinos (Capra aegagrus hircus) no Brasil está praticamente estabilizado desde 2011, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) levantados pela pesquisa pecuária municipal. São quase dez milhões de exemplares. Os cinco estados com os maiores rebanhos concentram 81,8% de todo o efetivo nacional. Bahia, Pernambuco e Piauí são os estados que ainda permanecem como os maiores criadores de caprinos. 
 
Como outras raças, a marota surgiu de um processo de seleção natural de caprinos introduzidos pelos portugueses no período de colonização do País. É uma raça nativa do Nordeste, com origem no Vale do Rio São Francisco, entre os sertões de Pernambuco e Bahia. De pelagem branca, pequeno porte e baixa produção  de leite, ela é rústica e se adapta bem às típicas adversidades nordestinas, como altas temperaturas e longos períodos de seca. Em toda a região, existem pelo menos dois mil exemplares, puros, espalhados pelos estados do Piauí, Paraíba, Pernambuco, Ceará e Bahia.
 
Simpósio Internacional sobre raças nativas
 
Teresina vai sediar, de 19 a 22 de agosto próximo, no Parque de Exposições Dirceu Mendes Arcoverde, o I Simpósio Internacional de Raças Nativas: sustentabilidade e propriedade intelectual-2015. O evento, que é uma realização do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, com apoio da Embrapa, vai reunir pesquisadores e professores do Brasil e do exterior, que discutirão também a conservação e melhoramento de recursos genéticos animais e sistemas produtivos sustentáveis. Paralelamente ao simpósio, serão realizadas a I Exposição de Raças Nativas Brasileiras, a Exposição Nordestina de Anglo-Nubiano e a ExpoTeresina.
 

Fernando Sinimbu (MTb 654/PI)
Embrapa Meio-Norte

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