Pesquisadores identificam redução do número de papagaios jovens no Pantanal
Pesquisadores identificam redução do número de papagaios jovens no Pantanal
Um estudo que monitorou cinco dormitórios de papagaios-verdadeiros (Amazona aestiva) no sul do Pantanal brasileiro identificou uma diminuição de 50 indivíduos jovens por ano na quantidade de animais que deveriam integrar as populações locais da espécie, enquanto se esperava um aumento anual de 200 jovens nesses grupos. As investigações foram conduzidas pela zootecnista Gláucia Seixas e orientadas pelo pesquisador da Embrapa Pantanal (MS) Guilherme Mourão. Juntos, eles reuniram e avaliaram dados de um monitoramento que cobriu uma área aproximada de 2,7 mil km² em Mato Grosso do Sul.
Os pesquisadores realizaram uma contagem por mês em cada dormitório por cerca de cinco anos, realizadas ao pôr-do-sol, quando os papagaios chegavam às árvores dos dormitórios para passar a noite, totalizando cerca de 250 contagens e quase 500 horas de observação. Segundo as informações descritas no estudo, os dormitórios receberam grupos que variaram de 110 indivíduos, aproximadamente, a pouco menos de três mil animais em diferentes meses do ano. Somando os dados dos cinco dormitórios, esse valor variou de 1.720 a 5.300 papagaios, em média.
Os dados foram publicados no artigo Communal roosts of the Blue-fronted Amazons (Amazona aestiva) in a large tropical wetland: Are they of different types? , disponível em inglês.
Redução de 50 aves jovens por ano
O estudo descreve que a porcentagem média de papagaios solitários nas populações monitoradas variou de 1,3% a 35,9% durante os períodos de incubação (de agosto a setembro). De acordo com Mourão, o aumento do número de solitários nos dormitórios coincidiu com o período de reprodução dos animais. Ao contar a quantidade de solitários adultos, o estudo determinou quantos casais estavam em reprodução na época. “Esse é o primeiro estudo que indica a proporção de solitários para inferir o número de casais tentando se reproduzir naquele ano – uma proporção que tem se mantido”, completa o pesquisador.
Já a porcentagem média anual de papagaios jovens nas populações variou de 1,5% a 9,3%. Avaliando os dados dos cinco dormitórios, seria esperado um aumento médio de 200 jovens por ano. Porém, foi registrada uma diminuição de aproximadamente 50 indivíduos jovens anualmente nas populações monitoradas. Assim, embora a quantidade de pares reprodutivos e de indivíduos na população como um todo tenha se mantido estável, os pesquisadores verificaram que o número de animais jovens que retornaram à população diminuiu.
“Em geral, os números de pares de papagaios e de solitários usando os dormitórios aumentou ou flutuou em torno da média, indicando que o mesmo número de pares estava tentando se reproduzir todo ano. Independentemente disso, as tendências dos jovens estavam decaindo rapidamente ao longo do tempo. Tanto o número de bandos familiares quanto o de jovens nesses bandos diminuíram ao longo do período de monitoramento”, explica a pesquisadora no estudo.
“Eles se reproduzem, mas os filhotes não estão entrando na população adulta, indicando que algo está acontecendo no meio do processo”, completa Guilherme. O baixo retorno de jovens às populações adultas, observa o pesquisador, pode indicar problemas como a retirada dos filhotes por meio da caça ilegal, impactos causados por mudanças climáticas ou a perda de habitat (esse último fator também pode aumentar as taxas de predação dos papagaios). “Essa informação pode ser especialmente preocupante, já que poderia afetar a percepção das autoridades de fiscalização em relação às populações ameaçadas”, alerta Seixas.
A pesquisadora ressalta que, embora estudos recentes tenham indicado que a captura para o comércio de animais de estimação tenha sido o principal fator ameaçando a maior parte das populações de papagaios estudadas, a equipe não possui evidências diretas de que a captura tenha sido uma ameaça grave na área avaliada. Ela também esclarece que o grupo não notou aumentos na frequência de eventos climáticos severos durante o período de monitoramento ou sinais de doenças graves entre os papagaios.
“Ao mesmo tempo, nós observamos o corte de faixas de vegetação lenhosa geralmente seguido de queimadas, que levam à destruição direta das cavidades utilizadas pelos papagaios (e dos ninhos dentro dessas cavidades), assim como à redução na disponibilidade de alimento para os animais e seus predadores. Além disso, a limpeza das florestas também pode levar a um aumento das taxas de predação dos ninhos de papagaios remanescentes, já que isso faz com que os predadores intensifiquem sua procura por comida”, avalia a cientista.
O que são dormitórios?
Dormitórios de aves, como aqueles utilizados pelo papagaio-verdadeiro, são aglomerados com várias árvores nas quais um grande número de indivíduos se reúne para passar a noite. Ao utilizar os dormitórios, as aves obtêm benefícios como eficiência alimentar, troca de informações sociais e redução de riscos de predação. Eles ficam espacialmente separados das cavidades onde os papagaios se reproduzem e fazem seus ninhos, que podem ser troncos ocos de árvores secas, por exemplo, espalhadas ao longo da paisagem.
Os estudos verificaram que cada dormitório se especializa em perfis distintos dos animais durante alguns períodos do ano. “Em certas épocas, os filhotes recém-independentes se congregam mais em um determinado dormitório; outro é mais especializado em receber os casais que estão se reproduzindo”, conta Mourão. O pesquisador explica que o voo dos papagaios solitários até os dormitórios ocorre principalmente na época da incubação, quando um dos parentais, frequentemente a fêmea, fica no ninho incubando os ovos em outro local.
Segundo o cientista, mil ou mais papagaios podem dormir nesses aglomerados de árvores, chegando ao fim da tarde e voando pela manhã. O biólogo relata que os animais podem chegar aos dormitórios solitários, aos pares ou em pequenos grupos familiares que podem ter de três a seis indivíduos. “Quando quatro papagaios voam juntos, por exemplo, possivelmente estamos vendo o casal e seus dois filhotes do ano. Quando vemos dois, identificamos o voo de um casal.”
Para Seixas, o monitoramento dos dormitórios é uma maneira rápida e eficiente, especialmente em relação a custos, de se obter informações sobre aspectos demográficos dos papagaios ou sobre as consequências de ameaças como a captura ilegal e a perda de habitat. “Monitorar dormitórios que são mantidos ao longo do tempo permite que tenhamos descobertas sobre aspectos da dinâmica das populações – como seu tamanho, a proporção da população tentando se reproduzir anualmente, retorno dos indivíduos jovens e outras tendências.”
Foto: João Augusto
Tráfico de animais
Atualmente, o tráfico de animais silvestres é considerado o terceiro maior do mundo (menor apenas que os tráficos de armas e de drogas) segundo informações do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). O papagaio-verdadeiro corresponde, atualmente, a cerca de 80% das apreensões realizadas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama); mais de quatro mil aves da espécie já foram apreendidas pelos órgãos fiscalizadores desde 1988. No Brasil, capturar, prender, vender ou comprar animais da fauna brasileira ilegalmente é crime sujeito a multa e prisão de acordo com a Lei de Crimes Ambientais e Lei de Proteção à Fauna.
Sua habilidade em imitar a fala humana faz com que centenas de filhotes do animal sejam capturados anualmente por traficantes. Nesse processo, a maioria dos filhotes morre por falta de cuidados adequados. Gláucia Seixas estima que o número real de aves da espécie retirados de seu ambiente natural supera a quantidade registrada nas apreensões em duas ou três vezes. A família dos psitacídeos, da qual faz parte o papagaio-verdadeiro, possui uma grande quantidade de espécies ameaçadas. A pesquisadora destaca que ao menos um terço das 390 espécies da família está em alguma categoria de risco ao redor do mundo.
A relevância da caça ilegal de animais silvestres fez com que o tema fosse abordado entre os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas (ONU), que integram a agenda de desenvolvimento global da instituição. O ODS 15 prevê “proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade”, com o seguinte detalhamento: “15.7 - Tomar medidas urgentes para acabar com a caça ilegal e o tráfico de espécies da flora e fauna protegidas e abordar tanto a demanda quanto a oferta de produtos ilegais da vida selvagem”.
No Brasil, o ICMBio (vinculado ao Ministério do Meio Ambiente) coordena, por meio do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (Cemave/ICMBio), o Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Papagaios, conhecido como PAN Papagaios. O plano foca suas ações na conservação de cinco espécies em risco ou ameaçadas de extinção – entre elas, o papagaio-verdadeiro. “Principalmente devido ao tráfico e à perda de habitat, mais de 55% das populações monitoradas de papagaios neotropicais estão sofrendo diminuições”, completa a pesquisadora.
Sobre o estudo desenvolvido sob a orientação do pesquisador da Embrapa, Seixas ressalta que todos os dormitórios monitorados receberam ao menos algumas aves em cada idade ou condição reprodutiva ao longo do ano. “Porém, o fato de que os dormitórios são diferentes e alguns são mais prováveis de serem utilizados em uma parte específica do ciclo de vida dessas aves sugere que será mais efetivo para a conservação do papagaio-verdadeiro, a longo prazo, proteger um grupo cuidadosamente escolhido de dormitórios complementares”, recomenda. “A proteção de dormitórios extensos e duradouros é uma medida importante para proteger as populações selvagens do papagaio-verdadeiro habitando o Pantanal”, conclui.
Papagaio-verdadeiro
O papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva) é uma das espécies de papagaio mais conhecidas em todo o Brasil. A ave pode ser encontrada no Pantanal e também nas regiões Nordeste, Sudeste, Centro-Oeste e Sul do País, além de países como Paraguai, Argentina e Bolívia;
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animais da família dos psitacídeos, como o papagaio-verdadeiro, possuem bicos fortes, de laterais afiadas, estreitos e curvos na extremidade. Seu tamanho varia de 30 a 40 centímetros. Os pés têm dois dedos voltados para frente e dois para trás, utilizados tanto para agarrar os galhos quanto para manusear os alimentos. A maior parte das penas é verde, mas elas também podem ser vermelhas, amarelas, azuis e roxas, por exemplo;
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a reprodução do papagaio-verdadeiro acontece entre os meses de agosto a fevereiro, durante a primavera e o verão. Os casais geralmente escolhem cavidades em troncos de árvores mais velhas ou mortas para usar como ninhos, mas também podem utilizar palmeiras ou mourões de cercas, desde que sejam locais bem protegidos;
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os ovos são arredondados, brancos e levam de 25 a 30 dias para chocar. Cada casal pode ter até quatro filhotes por ano. Esses precisam ficar no ninho por cerca de dois meses recebendo cuidado e alimentação dos pais, que trituram e armazenam o alimento no papo para fornecê-lo aos filhotes de duas a quatro vezes por dia.
As informações acima são da cartilha “Papagaios do Brasil”, elaborada pelo ICMBio e parceiros, para promover a conscientização de crianças e adolescentes sobre o tema. O acesso à publicação é gratuito no site.
Foto: Glaucia Seixas
Nicoli Dichoff (MTb 3.252/SC)
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