28/08/19 |   Agricultura familiar  Transferência de Tecnologia

Família de agricultores do Pará vira tema de vídeo e livro

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Foto: Izabel Drulla Brandão

Izabel Drulla Brandão - Roda de criação coletiva com agricultor e equipe do projeto

Roda de criação coletiva com agricultor e equipe do projeto

A criação coletiva do livro e do vídeo sobre a história de Sebastião Felizardo de Sousa, o “Tião do Cupu” – agricultor que virou referência no meio rural de Marabá, na região Sudeste Paraense –, caminha a todo vapor. Ele, a família e o grupo de profissionais encarregados da produção multimídia prevista no projeto Amazocom, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), equacionam juntos as bases e os rumos da elaboração do material.

A oficina de criação que deu início à produção aconteceu na Fazenda Sousa, localizada no assentamento Piquiá (Vila Sororó), a cerca de 40 quilômetros de Marabá. Foram cinco dias de uma agenda cheia, cumprida à risca, na semana de 12 a 16 de agosto. A propriedade pertence ao Tião do Cupu, apelido que virou marca registrada do Sebastião por causa do pioneirismo e da persistência dele em cultivar cupuaçu desde que entrou no lote, há 30 anos.

Em um processo criativo coletivo como esse, os protagonistas da história (neste caso Tião do Cupu e família) concebem, escolhem e definem os conteúdos de texto, áudio e imagem que melhor retratem suas histórias de vida e trabalho. Têm a liberdade de propor e interferir no estilo da narrativa, no projeto gráfico do livro, no roteiro do vídeo.

“A metodologia que usamos é chamada de design-participativo ou design-ação”, informa Silia Moan da Silva, especialista na produção de conteúdos gráficos e audiovisuais construídos coletivamente. Consultora do projeto, ela é responsável por capacitar a equipe nesse método e também entregar os produtos finais (vídeo e livro).

“É um processo criativo em que permanecemos receptivos e respeitosos diante do pensamento e ação dos protagonistas. Marcamos presença como coadjuvantes. Mais escutamos do que falamos. Se trazemos uma questão à tona, caberá ao protagonista a decisão. Somos facilitadores da expressão peculiar àquela comunidade, explica Silia Moan.

De geração para geração

Sebastião (maranhense) e Maria do Socorro (cearense criada no Piauí) vieram para Marabá recém-casados. Era agosto de 1984. Quando ele decidiu viver da agricultura, a partir de janeiro de 1989, não teve mais volta. Fixaram-se. Desde então, o casal se direciona no sentido de melhorar a qualidade de vida da família (incluindo aí os estudos das filhas Nairani e Tatiane) e aumentar a renda familiar a partir da atividade agrícola sustentável, atualmente desenvolvida em cerca de 190 hectares, metade destes das filhas.

A filha Nairani e o marido, Francisco Antônio Barbosa, participam ativamente desse movimento de expansão produtiva. Ela, mais nas atividades administrativas e comerciais, já planeja a agroindústria familiar para beneficiamento de polpa de açaí e cupuaçu com o excedente da produção. Ele, que antes de se casar nunca tinha trabalhado na roça, já domina a colheita e comercialização do milho, a irrigação do açaizal e, claro, o manejo de um cupuaçuzal. Tião do Cupu sente orgulho dos avanços do casal e sinaliza: “estou transferindo tudo o que sei pra eles, é o futuro deles”.

O neto, Sebasttião Felizardo Barbosa, o “Tiãozinho”, tem 4 anos de idade. Quando não está na escola, acompanha o avô na lida por todo lado. São inseparáveis no amor e no valor que dão aos recursos naturais, à terra e à agricultura. Para a criança, colher uma florzinha de jambu rente ao chão, como viu alguém fazer certa manhã, é motivo de alarme. Como disse, “é destruição da natureza”.

Nas rodas de conversa do projeto, Tiãozinho teve muita paciência esperando a vez de falar. Fez comentários valiosos. Já imagina para o que serve um drone e, quando tiver um, quer usá-lo para proteger a plantação, olhando de cima os cupuaçuzais da família. Já reconhece um carrapato. Quando viu um no rosto da Milena Pinho (do projeto), foi logo avisando. Ouviu dela que não, era só uma marca. Uma pinta da beleza, como diria minha avó. O menino curioso ficou pensativo. Acabara de incorporar, naquele instante, mais um elemento à sua fascinante visão de mundo.

Inspiração e benefícios

A história do Tião do Cupu é capaz de inspirar e beneficiar a vida de muita gente. “As obras entrarão para a coleção multimídia ‘Minibibliotecas’, que incentiva a leitura e a inclusão produtiva de agricultores familiares por meio de livros, cartilhas, programas de rádio e de TV da Embrapa”, afirma a bibliotecária Luiza de Marillac Gonçalves, da Embrapa Amazônia Oriental (Belém, PA), participante da oficina.  

Produtor de base familiar, de espírito empreendedor, Sebastião está habituado a partilhar conhecimentos. “Recebo muitos estudantes, pesquisadores, técnicos, vizinhos e amigos. Querem entender como funciona o sistema produtivo diversificado que temos aqui e eu gosto de passar o que sei para os outros, de mostrar o que faço e como faço. Ouço muito, conversamos. Assim também aprendo, experimento algo novo”, diz ele.

Ao pensar no valor do registro que está sendo produzido, Sebastião se emociona. “Estou muito contente, pois o que sei e aprendi trabalhando na roça, o que fiz para melhorar a produção e progredir sem ser obrigado a deixar de viver no campo, poderá ser útil para muitas pessoas que lerem o livro e assistirem ao vídeo”, comenta.

Pioneirismo e parceria

O homem que tem a identidade associada definitivamente a uma das mais populares frutas nativas da Amazônia lembra que houve um tempo, tempos difíceis, em que quase abandonou o cupuaçu. “Foi quando a doença vassoura de bruxa tomou conta do cupuaçuzal e eu não sabia mais o que fazer para salvar os pés que estavam morrendo, estavam todos doentes”, justifica-se.

Tião era o único agricultor familiar que plantava cupuaçu na região. Na época, só não largou o cultivo da frutífera porque, na segunda metade da década de 1990, cerca de dez anos após ter iniciado, veio a saber das pesquisas. “Comecei a testar aqui e deu tão certo que nunca mais deixei de participar como produtor parceiro da Embrapa aqui na minha terra. Continuamos realizando experimentos juntos até hoje e em breve teremos novidades para mostrar”, comenta sorrindo, satisfeito.

Na esteira do Programa de Melhoramento Genético do Cupuaçuzeiro (Theobroma grandiflorum), a Embrapa Amazônia Oriental lançou, em 2002, quatro clones de cupuaçuzeiro tolerantes à vassoura de bruxa (Belém, Coari, Codajás e Manacapuru). Em 2012 foi lançada a BRS Carimbó, uma cultivar (variedade cultivada) mais resistente à doença e mais produtiva, com alto rendimento de polpa. A substituição da copa dos cupuaçuzeiros também é recomendação técnica da Embrapa como forma de combater a vassoura de bruxa.

Tião do Cupu adotou os primeiros clones, depois a BRS Carimbó, esta inclusive em sistema agroflorestal, e já substituiu copas doentes por outras sãs. “Mais recentemente instalamos na Fazenda Sousa uma Unidade Demonstrativa de enxertia de copa com seis novas cultivares, prestes a serem lançadas. Não há dúvida de que os avanços científicos no melhoramento genético do cupuaçuzeiro devem muito à atuação de Tião, parceiro sempre disponível e receptivo à inovação, pronto para compartilhar conosco o próprio conhecimento”, enfatiza o pesquisador Rafael Moysés Alves, da Embrapa Amazônia Oriental.     

Vivência transformadora

A atividade desenvolvida na Fazenda Sousa faz parte do Amazocom, projeto que prioriza a comunicação para o desenvolvimento – modelo em que os pontos-chave são o diálogo, a participação e o engajamento. A ênfase é na interação, na troca de saberes e na construção do conhecimento de forma participativa.

Foi uma oficina de imersão (mergulho na realidade local e familiar). Em pleno ambiente rural, em sintonia com a família de agricultores e a natureza ao redor, cercados por sistemas agroflorestais (SAFs) ou tomando açaí da casa batido na hora, os nove participantes do projeto vivenciaram experiências transformadoras, segundo eles próprios relatam.

“Vimos de perto um exemplo, concreto e poderoso, de como atividades agrícolas bem conduzidas e planejadas, com tecnologias sustentáveis já acessíveis e de fácil adoção, conseguem melhorar a qualidade de vida dos agricultores ao mesmo tempo em que reduzem o desmatamento e a degradação florestal no bioma Amazônia. É exatamente o resultado que buscamos com o projeto!”, destaca Juliana Andrea Oliveira Batista, analista da Embrapa Sede (Brasília, DF), pedagoga focada em educação do campo e extensão rural para o desenvolvimento sustentável.

O projeto Amazocom é financiado pelo Fundo Amazônia. A Embrapa participa do Fundo com 19 projetos, todos agrupados no Projeto Integrado para a Produção e Manejo Sustentável do Bioma Amazônia, envolvendo todas as unidades descentralizadas da Empresa na região amazônica.

 

Liberdade de expressão

Captados durante a semana da oficina, os comentários das comunicadoras – entre estas a pesquisadora Vânia Beatriz Vasconcelos de Oliveira (Embrapa Rondônia, Porto Velho, RO) e as analistas Mauricília Pereira da Silva (Embrapa Acre, Rio Branco, AC) e Milena Santos de Pinho (Embrapa Pesca e Aquicultura, Palmas, TO) – descrevem como percebem os efeitos da interação e do intercâmbio do conhecimento.

“É algo raro e valioso, para profissionais da Comunicação, vivenciar esse tipo de imersão e interação, exercitar a escuta, dar viva voz ao personagem mais do que ao próprio pensamento na hora em que estão escrevendo roteiro de vídeo ou esboçando o projeto editorial de um livro”, resumem as comunicadoras participantes sobre a vivência de campo. 

Outra percepção a respeito da oficina de criação. “Do lado do agricultor, fica evidente como a liberdade de criar e se expressar, a oportunidade de contar a própria história, a chance de trocar e compartilhar o saber, o prazer de colher os frutos da terra e oferecê-los aos demais, como tudo isso permite aos ‘atores principais’ se reconhecerem como criadores da linguagem que os caracteriza e se perceberem na própria realidade a partir de um novo lugar de fala, um novo olhar, uma nova compreensão”, concluem.

Conteúdos essenciais

Os conteúdos para o livro e vídeo floresceram no encontro do saber, jeito e visão de mundo das pessoas que terão sua história contada, com o saber, jeito e visão de mundo das pessoas que finalizarão o material. No encontro de cenários, diálogos e memórias com aquilo que ficou retido no olhar, tato, olfato, paladar e a audição, com as formas, cores, impressões, percepções, perspectivas e circunstâncias.

Tião do Cupu definiu as preferências editoriais juntamente com a filha Nairani Felizardo (que no curso de Agroindústria já havia criado a identidade visual da geleia de cupuaçu e a marca dos produtos da família) e a esposa Maria do Socorro Martins de Sousa. O essencial foi estruturado para o roteiro audiovisual: os assuntos, cenas, locações, tipo de narrativa. Para o livro, projeto gráfico delineado: tamanho da publicação, diagrama da capa, tipo de papel, estilo e corpo de letra, fotos em vez de ilustrações, temas, sequência de capítulos.   

Para se chegar à primeira versão do modelo, feitio e linguagem dos produtos, nessa primeira oficina (estão previstas mais duas) houve coleta de informação por meio de escuta e conversas com o agricultor e familiares. Teve gravação de áudios e vídeos. Registros textuais. Entrevistas. Fotografia. Caminhadas (e tropeços) em meio a plantios e viveiro de mudas, tanques de piscicultura, colmeias de abelha-sem-ferrão, galinheiro, roça de feijão-caupi, milharal, castanhal, plantio de mogno, açaizal, cupuaçuzal. Na sombra ou no sol. Conforme o ritmo da casa e do trabalho, ora os afazeres, ora o descanso, tudo virando registro. União de esforços.

Na hora das refeições e lanches com produtos da fazenda, a certeza do alimento de procedência comprovada. Soberania alimentar. Qualidade de vida! Nas rodas de conversa, outras certezas vieram, por exemplo: agricultor com tino de pesquisador como o seu Tião (que testa tudo no campo de dois modos, o dele e o da ciência, para depois comparar os resultados e trocar ideias a respeito), vai longe e leva os outros junto.

Diferencial multidiverso

Há na Fazenda Sousa um diferencial impactante no universo da produção familiar na Amazônia. Tião do Cupu implantou um modelo produtivo que comporta sistemas multidiversos, distribuídos em vários subsistemas que se alimentam mutuamente. “É a lógica do desenvolvimento sustentável. Esses sistemas garantem renda, soberania alimentar e produção o ano todo, além de valorizarem ambientalmente a propriedade rural”, destaca Everaldo Nascimento, pesquisador da Embrapa que atua no Sudeste Paraense e conhece bem o funcionamento da propriedade.

A Fazenda Sousa é referência na região para visitas técnicas, de estudo e de pesquisa, além de eventos de transferência de tecnologia, como dias de campo. “A produção diversificada na propriedade rural associada a bons resultados e ao dinamismo do produtor levaram à escolha de Sebastião”, salienta Daniel Mangas, analista da Embrapa e supervisor do núcleo da Empresa em Marabá (Núcleo de Apoio a Pesquisa e Transferência de Tecnologia – NAPT Sudeste do Pará).

Além disso, o cuidado com o meio ambiente é típico da família. Tião do Cupu sente-se bem por conseguir pagar sua dívida com a natureza, que, como explica, contraiu no passado quando precisou derrubar árvores como exigência para tomar posse do lote.

 

Izabel Drulla Brandão (MTb 1084/PR)
Embrapa Amazônia Oriental

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