23/06/20 |   Florestas e silvicultura  Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação

Erva-mate Cambona 4 integra projetos transformadores selecionados pelas Nações Unidas

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Foto: Arquivo Embrapa

Arquivo Embrapa -

A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) das Nações Unidas reconheceu o Sistema Agroflorestal Cambona 4 como um dos projetos mais transformadores no âmbito do Big Push para a Sustentabilidade no Brasil, na categoria Agricultura & Florestas. A apresentação oficial com os casos selecionados foi realizada no fim de maio (26), durante evento internacional realizado online.

Foram inscritos 131 projetos, desses, 66 foram incluídos como elegíveis e 15 foram considerados como mais transformadores. Esta abordagem da CEPAL busca apoiar os países da região na construção de estilos de desenvolvimento mais sustentáveis, baseada na coordenação de políticas para promover investimentos transformadores. Os estudos de caso mais impactantes compõem uma publicação lançada no evento, que será apresentada em eventos nacionais e internacionais.

Para o pesquisador aposentado da Embrapa Florestas, Moacir José Sales Medrado, líder do projeto de pesquisa que suportava os estudos iniciais com essa variedade de erva-mate, o reconhecimento pela Unesco é algo muito gratificante. “O Sistema Agroflorestal Cambona 4 representa o encontro vitorioso da investigação científica com o saber local e com a parceria responsável”, aponta Medrado.

Atualmente, o projeto Cambona 4 tornou-se uma importante geração de renda e também uma alternativa de reposição florestal, que proporciona a conservação da biodiversidade, o sequestro de carbono e a proteção de cerca de 70 nascentes de água. A área plantada tem hoje 190 hectares, envolvendo 85 famílias e 255 pessoas da Associação dos Municípios do Nordeste Rio Grandense (Amunor).

História da Cambona 4

Segundo Medrado, a origem da história da Cambona 4 é um belo exemplo de pesquisa participativa, por isso, repleta de parceiros. Os fatos remontam a 1994, quando começaram os trabalhos de estruturação da cadeia produtiva de erva-mate no município de Machadinho-RS, com a criação local da Associação dos Produtores de Erva-mate de Machadinho (Apromate) e, no ano seguinte, da Cooperativa Agrícola Mista Ouropretense Ltda. (Camol). Naquele ano, também foi realizado um estudo pelo Centro Técnico Rural e Agropecuário de Machadinho - Cetram, que propiciou a inclusão da erva-mate no Programa Rural e Agropecuário da cidade.

Dois anos após, os pesquisadores (atualmente aposentados) da Embrapa Florestas Moacir José Sales Medrado e Rivail Salvador Lourenço se reuniram ao engenheiro agrônomo da Emater-RS-Ascar, Ilvandro Barreto de Melo para realizar um trabalho de pesquisa participativa com a Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e Missões (URI)-Campus de Erechim-SC. Após a extensão do trabalho para o município de Machadinho, o representante da URI, Sérgio Henrique Mosele, entrou para o grupo.

“Em seguida, a Apromate, a URI, a Prefeitura de Machadinho e a Camol assinaram um acordo de cooperação com a finalidade da realização de estudos técnicos e econômicos sobre a cultura da erva-mate em Machadinho, tendo a Embrapa Florestas como o parceiro científico principal. Contada assim, secamente, tudo parece muito técnico e científico. Mas a verdadeira história é bem mais interessante”, garante Medrado.

O grande diferencial: sabor suave

De acordo com Medrado, 12 anos antes da oficialização desta pesquisa, o produtor rural de erva-mate Theodoro Mendes da Fonseca havia feito, informalmente, uma pré-seleção de mudas de erva-mate nativas, fato fundamental para o upgrade deste trabalho. “Seu Dorinho conseguiu umas 150 mudas nativas de erva-mate em Barracão (município próximo dali) e as plantou em sua propriedade. Infelizmente uma geada matou a maioria das plantas, mas, entre as sobreviventes, seu Dorinho se apaixonou pelo ‘jeitão’ de uma das plantas e colheu suas sementes. Fez cerca de 350 mudas e plantou em sua propriedade. Com o passar do tempo foi ficando apaixonado pelo chimarrão que as filhas daquela matriz produziam e por isto passou a falar que havia descoberto uma planta que produzia um chimarrão de qualidade superior, um ‘chimarrão suave’”.

A matriz de seu Dorinho foi uma das selecionadas por Ilvandro Barreto de Melo para servir como base da produção futura de erva-mate do projeto de reestruturação daquela cadeia produtiva em Machadinho. Ela recebeu o nome de “Cambona 4”. Cambona é um tipo de chaleira que os gaúchos, em especial, os tropeiros usavam para ferver a água para o preparo do chimarrão. Já o número quatro se refere à numeração da planta selecionada. Admirado pela peculiaridade desta história, mais um pesquisador da Embrapa Florestas, Gabriel Corrêa, começou a fazer parte dos trabalhos liderados por Medrado.

O principal momento na história da Cambona 4, segundo Medrado, ocorreu durante o Encontro Gaúcho dos Produtores de Erva-mate, realizado em Machadinho, no ano de 1998. Gabriel Corrêa e Ilvandro Melo processaram as folhas do plantio das filhas da Cambona 4 e ofereceram o chimarrão no evento. “O resultado deste teste de degustação foi espetacular, trazendo então a certeza de que investir na pesquisa com a Cambona 4 estava correto”, relembra o pesquisador aposentado.

A partir daí, Gabriel Corrêa desenvolveu um trabalho de pesquisa participativa com seu Dorinho e com o professor da URI Rogério Luiz Cansian, cujos conhecimentos em genética eram apropriados para o momento. Com o apoio financeiro da Machadinho Energética S.A (Maesa), foi identificado, por teste de DNA, o cruzamento que originou as matrizes de seu Dorinho e garantiu a qualidade da progênie Cambona 4. Foram clonados os dois parentais e estabelecido um pomar de sementes clonais na propriedade de seu Dorinho, que vendeu sementes para quatro viveiristas da Apromate, iniciando o plantio de Cambona na região.

Em 2002, com recursos da Apromate, foi iniciado o plantio de um sistema agroflorestal com a Cambona 4 (SAF Cambona 4). O trabalho foi desenvolvido com o apoio técnico e científico do pesquisador Amilton João Baggio, da Embrapa Florestas, buscando associar o plantio da erva-mate com espécies florestais arbóreas e arbustivas, o que, em sua avaliação, apresentou ótimos resultados.

“O SAF erva-mate com a progênie Cambona 4 se constituiu numa das principais ferramentas para consolidar um vigoroso e eficiente programa de geração de renda e emprego com conservação ambiental”, comemora o pesquisador aposentado da Embrapa Florestas, Moacir Medrado.

Isso porque, dentre os importantes serviços ambientais do SAF Cambona 4 destaca-se a fixação de carbono, como comprovado em trabalho de avaliação realizado pelo Centro Internacional de Pesquisa Agroflorestal para a América Latina e Caribe – ICRAF, em parceria com a Embrapa Florestas por meio do pesquisador Luciano Montoya.

De 2002 a 2005, a Cambona 4 destacou-se também pelo preço de venda: 65% superior ao da erva-mate comum da região. Nos anos de 2004 e 2005, a Cambona 4 funcionou como um seguro agrícola, durante as perdas de safra de grãos, em decorrência das severas estiagens daqueles anos. Em uma articulação entre a Apromate, Emater-RS, Embrapa Florestas e Amunor, foi aprovado junto à Secretaria de Agricultura Familiar – SAF do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA, um projeto visando o estímulo e capacitação de técnicos extensionistas e produtores rurais e a implantação de Unidades de Demonstração. Tudo para transformar o SAF Cambona 4 em alternativa sustentável de geração de renda para a agricultura familiar da região, a partir dos resultados do projeto Machadinho.

Em 2006, durante o Seminário Regional do Agronegócio Mate, por iniciativa do Superintendente do Banco do Brasil, houve uma reunião entre a área técnica do Banco, a Emater-RS, a Embrapa Florestas e a Apromate, e se definiu uma planilha do PRONAF-Florestal para financiamento do SAF Cambona 4 na região.

Manuela Bergamin (MTb 1951/ES)
Embrapa Florestas

Mais informações sobre o tema
Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC)
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