Autossuficiência na produção de trigo passa pelo Cerrado, afirmam participantes de live na Agrobrasília Digital
Autossuficiência na produção de trigo passa pelo Cerrado, afirmam participantes de live na Agrobrasília Digital
Se atualmente o Brasil importa cerca de 50% do trigo que consome, existe a possibilidade real de o País se tornar autossuficiente na produção do cereal com o aproveitamento do potencial produtivo no Bioma Cerrado. Essa foi a mensagem destacada pelos participantes da live “Trigo – a vez do Cerrado”, realizada em 6 de julho pela Agrobrasília Digital, feira de tecnologias agropecuárias realizada de 6 a 10 de julho, totalmente pela internet.
Participaram Júlio Albrecht, pesquisador da Embrapa Cerrados (DF); José Guilherme Brenner, presidente da Cooperativa Agropecuária da Região do Distrito Federal (Coopa-DF), Claudio Malinski, responsável técnico da entidade e Silvio Farnese, diretor do Departamento de Comercialização e Abastecimento do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), com mediação de Sérgio Abud, supervisor de transferência de tecnologia da Embrapa Cerrados. Eles debateram as oportunidades para o crescimento do trigo na região central do Brasil
Albrecht falou sobre o potencial genético para produção de trigo no Cerrado do Brasil Central, lembrando que a área de plantio na região, atualmente de cerca de 200 mil hectares e tem potencial para alcançar 2 milhões de hectares. “O Cerrado do Brasil Central produz hoje um dos melhores trigos do mundo em qualidade para panificação. A autossuficiência em trigo no Brasil passa pelo Cerrado”, afirmou. Temos condições climáticas favoráveis para a produção, tanto é que a Embrapa sempre acreditou no trigo para o Cerrado e vem trabalhando na região desde a sua criação, em meados dos anos 1970”, acrescentou.
Ele argumentou que o produtor necessita de uma gramínea para a rotação de culturas, e o trigo se encaixa bem no sistema de produção do Cerrado. Na região, o cereal pode ser cultivado em duas épocas diferentes – safrinha, em sistema de sequeiro, plantado no final de fevereiro até meados de março em altitudes iguais superiores a 800 metros e colhido em maio e junho; e safra, em sistema irrigado, plantado em abril e maio em altitudes iguais ou superiores a 500 metros e colhido no final de agosto e início de setembro. Ambas as colheitas ocorrem em períodos de entressafra nas outras regiões tritícolas como o Sul do Brasil, o que garante melhores preços ao produtor. Além disso, o cultivo na região não sofre com micotoxinas como a giberela.
O pesquisador destacou a produtividade do trigo da região graças ao potencial genético das cultivares utilizadas – média de 6 ton/ha no trigo irrigado, alcançando 8 ton/ha em algumas fazendas com a BRS 264, desenvolvida pela Embrapa – e a alta qualidade do grão, muito procurado por moinhos locais e de outras regiões do País devido às altas estabilidade e força de glúten, características de interesse para a indústria de panificação. “Temos produtores qualificados, condições climáticas e genética (cultivares). Para buscarmos a autossuficiência rapidamente, é só termos os incentivos adequados”, disse Albrecht, que acredita no desenvolvimento de cultivares ainda mais produtivas, capazes de alcançar produtividades de 9 a 10 ton/ha.
Cooperativa
Ao abordar as perspectivas comerciais sobre a produção de trigo no Cerrado, José Guilherme Brenner, presidente da Coopa-DF, lembrou que a instituição conta com um moinho próprio desde 1994, devido à necessidade dos produtores da região de rotacionar culturas no inverno para manter a produtividade dos pivôs de irrigação. “Mas até o trigo se tornar realidade, foi um longo caminho. A seleção do trigo não é apenas de produtividade, é preciso ter qualidade industrial”, afirmou, elogiando as cultivares BRS 254 e BRS 264, da Embrapa: “São dois materiais espetaculares do ponto de vista agronômico e da qualidade do moinho (industrial), e são a base da triticultura irrigada na Coopa-DF e da nossa farinha”.
Brenner lembrou que a colheita do trigo no Cerrado, que ocorre em períodos sem chuva, garante a homogeneidade na qualidade do trigo entre uma safra e outra. “Isso nos permite segregar os materiais nos silos, fazer a mistura de acordo com a nossa receita e manter a qualidade da farinha ao longo do ano, o que é muito importante para o comprador e valoriza muito nosso produto”, explicou. A cooperativa tem estimulado o plantio do trigo safrinha. “Ao contrário do trigo irrigado, a safrinha envolve um grupo maior de incertezas, como excesso de chuva no início do plantio e falta durante o processo. Ainda assim, ela será colhida numa época sem chuva”, disse.
O presidente da Coopa-DF lembrou que o moinho da cooperativa está próximo dos produtores e dos consumidores. “Produzimos e entregamos aos nossos consumidores aqui no DF. Diria que o valor do frete da Argentina até o DF estaria entre 25 e 30% do custo do trigo. Nosso moinho tem a economia de trabalhar com o produto da região”, observou. Para Brenner, o problema é ainda é a limitação da área de plantio. “O plantio feito pelos associados é de trigo irrigado, e há anos em que falta trigo e temos que comprá-lo de outros produtores. Essa limitação faz que busquemos o trigo safrinha, porque aumentaria muito a oferta”, disse. “Acreditamos que a expansão da área de trigo sequeiro seria a chave para aumentar a oferta de trigo na região, essencial para termos moinhos de maior volume e estabelecer a segurança de fornecimento a indústrias maiores, promovendo o desenvolvimento econômico”, finalizou.
Cláudio Malinski, responsável técnico da Coopa-DF, apresentou a perspectiva da cooperativa acerca da produção do trigo no Cerrado. Entusiasta da cultura, ele lembrou a evolução na produtividade do cereal na região desde a década de 1980 e o investimento na qualidade industrial dos materiais a partir da década de 1990, quando os produtores deixaram de receber subsídios para a produção. Naquele momento, a cooperativa firmou convênio com a Embrapa para o desenvolvimento de cultivares com melhor qualidade de farinha.
Segundo responsável técnico da Coopa-DF, o trigo é encarado pelo produtor como um pacote inserido no sistema de produção, permitindo que o bom desenvolvimento de outras culturas. “Se você plantar feijão, colher milho ou soja, plante trigo, porque ele prepara o terreno na rotação de culturas e cria um volume de palha muito grande. Mesmo que às vezes não seja tão competitivo como as hortaliças e o feijão, o produtor prefere plantar o trigo irrigado para manter (as áreas com) pivôs (de irrigação) produtivos”, disse.
Mas para Malinski, o trigo de sequeiro do Cerrado será o responsável pela autossuficiência do País na produção do cereal, pois sofre menor risco de perdas em relação ao plantado no Rio Grande do Sul, já que a colheita entre julho e agosto, quando geralmente não há ocorrência chuva, garante a uniformidade na qualidade dos grãos. “O produtor está cada vez mais dominando essa tecnologia. Pelos nossos dados, o trigo sequeiro aqui será mais competitivo e viável de produzir. Mesmo não tendo uma produção tão grande, dá retorno porque tem custo menor, além de estar melhorando o ambiente para a soja, facilitando o controle da buva e do capim amargoso, plantas daninhas que já estão resistentes ao glifosato”.
Políticas públicas
Já Silvio Farnese externou a preocupação do MAPA em aumentar a área de produção do trigo no Cerrado. “É o único produto de expressão no consumo nacional do qual ainda somos importadores e temos o Cerrado, além do Sul do Brasil, para o crescimento da triticultura”, disse, salientando que o caminho para reduzir a dependência externa do trigo passa pelo Bioma Cerrado. “A ministra Tereza Cristina está bastante interessada em que isso aconteça”, acrescentou.
Entre as políticas públicas citadas para impulsionar a triticultura e o agronegócio brasileiro, como a Lei 13.986/2020, o Plano Safra 2020/2021, o Pronaf, o Pronamp e o Inovagro, Farnese lembrou a Política de Garantia de Preços Mínimos para o trigo. “Desde 2016, o mercado tem trabalhado com preços sinalizadores e positivos. Agora, estamos vendo o trigo com cotações que dão rentabilidade sustentável ao produtor, e isso é muito saudável”, comentou. Para a região Centro-Oeste, foram definidos os preços mínimos de R$ 828/ton para o trigo pão e de R$ 876/ton do trigo melhorador, baseados nos custos levantados pela Conab e discutidos com o setor.
“Esse é o nível de piso que garantimos e abaixo do qual, ao cair o preço, temos operações de sustentação para que o produtor receba esses valores. Isso permite que ele não quebre e se sustente numa crise de preços, com apoio do governo. Ainda bem que, nesses últimos tempos, o mercado está com preços muito além disso”. Segundo o diretor do Departamento de Comercialização e Abastecimento do MAPA, os preços mínimos são cerca de R$ 100 maiores que os definidos para o Sul para incentivar a produção na região. “Entendemos que o trigo no Centro-Oeste é o caminho que vamos trilhar no futuro para a nossa independência em relação às importações”, declarou.
Após as falas, os participantes responderam às perguntas encaminhadas pelos internautas que acompanharam a transmissão da live.
Breno Lobato (MTb 9417-MG)
Embrapa Cerrados
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