Após a divulgação de condições favoráveis a formação do fenômeno La Niña, os sojicultores de Mato Grosso do Sul estão preocupados com relação aos possíveis impactos A agência científica americana National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), por meio do monitoramento da temperatura da superfície do mar (TSM) do oceano Pacífico Equatorial, na região chamada de Niño 3.4 (5ºN-5ºS, 120º-170ºW), evidenciou a tendência de formação do fenômeno La Niña (A menina, em espanhol). Este fenômeno nada mais é do que um resfriamento além do normal dessas águas, diferindo, portanto, do seu “irmãozinho”, El Niño (O menino, também em espanhol). Este, por sua vez, consiste no fenômeno oposto, o aquecimento das águas. A maior parte do planeta Terra é ocupada por oceanos e eles interagem significativamente com a atmosfera que circunda toda a superfície terrestre. Essa interação é bastante forte, complexa e difícil de ser explicada com precisão pelo homem, mesmo com todos os avanços já conseguidos pela ciência. Na prática, os oceanos exercem uma forte influência sobre o clima que experimentamos em nosso dia a dia. Na América do Sul, os fenômenos El Niño e La Niña são considerados os principais capazes de fazerem as condições climáticas divergirem das consideradas normais. Quando eles ocorrem, diferentes regiões podem experimentar diferentes condições de temperaturas e chuvas, podendo ser acima ou abaixo do normal e, até mesmo, dentro da normalidade. Cenário atual e histórico recente de TSM abaixo do normal O monitoramento trimestral da TSM na região Niño 3.4 indica que no último trimestre (Jun-Jul-Ago) a temperatura medida esteve 0,4 ºC abaixo do normal, evidenciando um processo de resfriamento que vem acontecendo desde o trimestre Jan-Fev-Mar, quando estava 0,6 ºC acima do normal. A queda, portanto, já foi de 1 ºC e, segundo a NOAA, deverá continuar, culminando na formação de La Niña. Cabe ressaltar que somente se considera ocorrência de um período de La Niña quando a TSM está, pelo menos, 0,5 ºC abaixo do normal durante um período de sete meses consecutivos (equivalente a cinco trimestres na metodologia de avaliação da NOAA). Desde 1950, os dados da NOAA mostram que o trimestre Jun-Jul-Ago, aquele que antecede as semeaduras de soja em Mato Grosso do Sul, esteve com TSM abaixo do normal em 32 dos 71 anos (45%). Em um período ainda mais recente, desde 2004, isso ocorreu em oito dos 17 anos (47%), sendo este ano de 2020 o 8º ano (Figura 1). A partir daí já pode-se perceber que esta é uma condição relativamente frequente, e não um caso de exceção. Chama-se a atenção para o fato de que os anos de 2005, 2007, 2010 e 2017 eram semelhantes a este 2020 também porque se encontravam em tendência de queda da TSM, vindo nos trimestres iniciais de valores positivos de anomalias. Diferentemente, o ano de 2013 vinha de um período de estabilidade da TSM na faixa de anomalia entre 0 ºC e -0,5 ºC. Nos dois anos restantes, 2008 e 2011, as águas já vinham de um longo período de TSM abaixo do normal, aí sim em condições típicas de La Niña. Efeito da TSM abaixo do normal sobre as lavouras de soja Dados climáticos medidos na estação agrometeorológica da Embrapa Agropecuária Oeste em Dourados/MS e dados de produtividade média da soja no município fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no período de 2004 a 2018, foram utilizados para evidenciar os possíveis efeitos das baixas TSM sobre as lavouras de soja de Mato Grosso do Sul (Tabela 1). Para a análise considerou-se que eram necessários 45 mm de chuva para viabilizar as semeaduras após o longo e típico período de estiagem de inverno. Assim, considerando-se os dados climáticos, definiu-se para cada safra as épocas mais prováveis de semeadura. Considerando um ciclo de 132 dias entre a semeadura e a colheita da soja, e que a fase de maior sensibilidade à deficiência hídrica ocorre entre o 52º e o 118º dia após a semeadura, avaliou-se a oferta de chuvas neste período crítico em cada safra e seus efeitos sobre a produtividade da soja. Tabela 1. Análise de safras com temperatura da superfície do mar na região Niño 3.4 abaixo do normal desde 2004 e seus efeitos sobre a soja cultivada em Dourados/MS. Safra Sem PC ChuvaCC DCCC ChuvaPC DCPC Produtividade 2005/2006 03/10 23/11 a 28/01 794 28 425 10 2280 2007/2008 10/10 30/11 a 05/02 732 32 354 15 2700 2008/2009 02/10 22/11 a 28/01 455 22 211 11 1920 2010/2011 21/09 11/11 a 17/01 864 33 428 18 3300 2011/2012 21/09 11/11 a 17/01 533 24 282 12 2000 2013/2014 26/09 16/11 a 22/01 671 26 384 12 2880 2016/2017 16/10 06/12 a 11/02 597 29 382 21 3470 Nota: Sem, Data provável de semeadura; PC, período crítico de necessidade de água; ChuvaCC, chuva no ciclo completo (mm); DCCC, número de dias com chuva acima de 5 mm no ciclo completo; ChuvaPC, chuva no período crítico (mm); DCCC, número de dias com chuva acima de 5 mm no período crítico; Produtividade, produtividade média das áreas cultivadas com soja no município de Dourados/MS (kg ha-1). As datas mais prováveis de semeadura em anos similares a 2020 foram identificadas entre 21/09 e 16/10, o que é considerado um período normal e sem atrasos. Isso implicou na definição de que os períodos críticos ficassem entre os dias 11/11 e 11/02, a depender da safra e de quando a mesma tenha sido semeada. As safras 2008/2009 e 2011/2012 foram as únicas que tiveram volume total de chuva no ciclo completo inferior a 550 mm. Nestas duas safras, a precipitação se concentrou dentro de 22 a 24 dias. Por outro lado, nas demais a chuva esteve distribuída entre 26 e 33 dias. Tendo em vista que a falta de água na fase de maior sensibilidade é responsável por penalizar decisivamente a produtividade da soja, é conveniente colocar uma lupa nesta análise, focalizando a oferta de chuvas no período crítico. Assim, nota-se que as mesmas safras de 2008/2009 e 2011/2012 tiveram a menor oferta de chuvas no período crítico, com 211 mm e 282 mm, respectivamente. No tocante aos dias chuvosos, estes anos estiveram também muito baixos, mesmo que não tenham sido os menores (11 e 12 dias, respectivamente). A safra 2005/2006 foi a menor, com dez dias, muito embora tenha sido a segunda safra mais chuvosa na fase crítica com 425 mm, evidenciando a concentração da chuva em poucos dias. Verificando a produtividade, as safras 2008/2009 e 2011/2012 foram as de menor produtividade, seguidas justamente da safra 2005/2006. Estas três safras apresentaram produtividades menores do que a média do município no período entre 2004 e 2018, a qual é igual a 2660 kg ha-1. Diferentemente, todos os outros anos estiveram com produtividades superiores à média, variando entre 2700 kg ha-1 e 3470 kg ha-1. Conclusões acerca dos possíveis impactos para a safra de soja 2020/2021 em Mato Grosso do Sul Daquilo que fora exposto e analisado, conclui-se que: 1) Embora as águas estejam mais frias do que o normal, ainda não estamos em La Niña, mas sim em um processo de formação deste fenômeno; 2) O volume de chuvas e também o número de dias chuvosos tende a ser menor e causar frustração significativa aos sojicultores somente em anos em que as águas já venham de um longo processo de resfriamento anterior ao trimestre Jun-Jul-Ago, caracterizando La Niña, tal qual o ocorrido nos anos de 2008/2009 e 2011/2012. Este não é o caso deste ano de 2020; 3) Em anos similares ao que está ocorrendo em 2020, o volume de chuvas e a sua distribuição ao longo do ciclo e, sobretudo, na fase de maior sensibilidade tende a ser satisfatório, a ponto de viabilizar produtividades na maioria dos anos acima da média; 4) Em safras como a que estamos iniciando em Mato Grosso do Sul, o sucesso da mesma parece estar condicionado à distribuição das chuvas no período crítico, mais até do que o volume delas, sendo o período crítico aquele compreendido entre 11/novembro e 11/fevereiro. Isso deverá ser a chave do sucesso para esta safra 2020/2021!
Após a divulgação de condições favoráveis a formação do fenômeno La Niña, os sojicultores de Mato Grosso do Sul estão preocupados com relação aos possíveis impactos
A agência científica americana National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), por meio do monitoramento da temperatura da superfície do mar (TSM) do oceano Pacífico Equatorial, na região chamada de Niño 3.4 (5ºN-5ºS, 120º-170ºW), evidenciou a tendência de formação do fenômeno La Niña (A menina, em espanhol).
Este fenômeno nada mais é do que um resfriamento além do normal dessas águas, diferindo, portanto, do seu “irmãozinho”, El Niño (O menino, também em espanhol). Este, por sua vez, consiste no fenômeno oposto, o aquecimento das águas.
A maior parte do planeta Terra é ocupada por oceanos e eles interagem significativamente com a atmosfera que circunda toda a superfície terrestre. Essa interação é bastante forte, complexa e difícil de ser explicada com precisão pelo homem, mesmo com todos os avanços já conseguidos pela ciência.
Na prática, os oceanos exercem uma forte influência sobre o clima que experimentamos em nosso dia a dia. Na América do Sul, os fenômenos El Niño e La Niña são considerados os principais capazes de fazerem as condições climáticas divergirem das consideradas normais. Quando eles ocorrem, diferentes regiões podem experimentar diferentes condições de temperaturas e chuvas, podendo ser acima ou abaixo do normal e, até mesmo, dentro da normalidade.
Cenário atual e histórico recente de TSM abaixo do normal
O monitoramento trimestral da TSM na região Niño 3.4 indica que no último trimestre (Jun-Jul-Ago) a temperatura medida esteve 0,4 ºC abaixo do normal, evidenciando um processo de resfriamento que vem acontecendo desde o trimestre Jan-Fev-Mar, quando estava 0,6 ºC acima do normal. A queda, portanto, já foi de 1 ºC e, segundo a NOAA, deverá continuar, culminando na formação de La Niña. Cabe ressaltar que somente se considera ocorrência de um período de La Niña quando a TSM está, pelo menos, 0,5 ºC abaixo do normal durante um período de sete meses consecutivos (equivalente a cinco trimestres na metodologia de avaliação da NOAA).
Desde 1950, os dados da NOAA mostram que o trimestre Jun-Jul-Ago, aquele que antecede as semeaduras de soja em Mato Grosso do Sul, esteve com TSM abaixo do normal em 32 dos 71 anos (45%). Em um período ainda mais recente, desde 2004, isso ocorreu em oito dos 17 anos (47%), sendo este ano de 2020 o 8º ano (Figura 1). A partir daí já pode-se perceber que esta é uma condição relativamente frequente, e não um caso de exceção.
Chama-se a atenção para o fato de que os anos de 2005, 2007, 2010 e 2017 eram semelhantes a este 2020 também porque se encontravam em tendência de queda da TSM, vindo nos trimestres iniciais de valores positivos de anomalias. Diferentemente, o ano de 2013 vinha de um período de estabilidade da TSM na faixa de anomalia entre 0 ºC e -0,5 ºC. Nos dois anos restantes, 2008 e 2011, as águas já vinham de um longo período de TSM abaixo do normal, aí sim em condições típicas de La Niña.
Efeito da TSM abaixo do normal sobre as lavouras de soja
Dados climáticos medidos na estação agrometeorológica da Embrapa Agropecuária Oeste em Dourados/MS e dados de produtividade média da soja no município fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no período de 2004 a 2018, foram utilizados para evidenciar os possíveis efeitos das baixas TSM sobre as lavouras de soja de Mato Grosso do Sul (Tabela 1).
Para a análise considerou-se que eram necessários 45 mm de chuva para viabilizar as semeaduras após o longo e típico período de estiagem de inverno. Assim, considerando-se os dados climáticos, definiu-se para cada safra as épocas mais prováveis de semeadura. Considerando um ciclo de 132 dias entre a semeadura e a colheita da soja, e que a fase de maior sensibilidade à deficiência hídrica ocorre entre o 52º e o 118º dia após a semeadura, avaliou-se a oferta de chuvas neste período crítico em cada safra e seus efeitos sobre a produtividade da soja.
Tabela 1. Análise de safras com temperatura da superfície do mar na região Niño 3.4 abaixo do normal desde 2004 e seus efeitos sobre a soja cultivada em Dourados/MS.
Safra | Sem | PC | ChuvaCC | DCCC | ChuvaPC | DCPC | Produtividade |
2005/2006 | 03/10 | 23/11 a 28/01 | 794 | 28 | 425 | 10 | 2280 |
2007/2008 | 10/10 | 30/11 a 05/02 | 732 | 32 | 354 | 15 | 2700 |
2008/2009 | 02/10 | 22/11 a 28/01 | 455 | 22 | 211 | 11 | 1920 |
2010/2011 | 21/09 | 11/11 a 17/01 | 864 | 33 | 428 | 18 | 3300 |
2011/2012 | 21/09 | 11/11 a 17/01 | 533 | 24 | 282 | 12 | 2000 |
2013/2014 | 26/09 | 16/11 a 22/01 | 671 | 26 | 384 | 12 | 2880 |
2016/2017 | 16/10 | 06/12 a 11/02 | 597 | 29 | 382 | 21 | 3470 |
Nota: Sem, Data provável de semeadura; PC, período crítico de necessidade de água; ChuvaCC, chuva no ciclo completo (mm); DCCC, número de dias com chuva acima de 5 mm no ciclo completo; ChuvaPC, chuva no período crítico (mm); DCCC, número de dias com chuva acima de 5 mm no período crítico; Produtividade, produtividade média das áreas cultivadas com soja no município de Dourados/MS (kg ha-1).
As datas mais prováveis de semeadura em anos similares a 2020 foram identificadas entre 21/09 e 16/10, o que é considerado um período normal e sem atrasos. Isso implicou na definição de que os períodos críticos ficassem entre os dias 11/11 e 11/02, a depender da safra e de quando a mesma tenha sido semeada.
As safras 2008/2009 e 2011/2012 foram as únicas que tiveram volume total de chuva no ciclo completo inferior a 550 mm. Nestas duas safras, a precipitação se concentrou dentro de 22 a 24 dias. Por outro lado, nas demais a chuva esteve distribuída entre 26 e 33 dias.
Tendo em vista que a falta de água na fase de maior sensibilidade é responsável por penalizar decisivamente a produtividade da soja, é conveniente colocar uma lupa nesta análise, focalizando a oferta de chuvas no período crítico. Assim, nota-se que as mesmas safras de 2008/2009 e 2011/2012 tiveram a menor oferta de chuvas no período crítico, com 211 mm e 282 mm, respectivamente. No tocante aos dias chuvosos, estes anos estiveram também muito baixos, mesmo que não tenham sido os menores (11 e 12 dias, respectivamente). A safra 2005/2006 foi a menor, com dez dias, muito embora tenha sido a segunda safra mais chuvosa na fase crítica com 425 mm, evidenciando a concentração da chuva em poucos dias.
Verificando a produtividade, as safras 2008/2009 e 2011/2012 foram as de menor produtividade, seguidas justamente da safra 2005/2006. Estas três safras apresentaram produtividades menores do que a média do município no período entre 2004 e 2018, a qual é igual a 2660 kg ha-1. Diferentemente, todos os outros anos estiveram com produtividades superiores à média, variando entre 2700 kg ha-1 e 3470 kg ha-1.
Conclusões acerca dos possíveis impactos para a safra de soja 2020/2021 em Mato Grosso do Sul
Daquilo que fora exposto e analisado, conclui-se que:
1) Embora as águas estejam mais frias do que o normal, ainda não estamos em La Niña, mas sim em um processo de formação deste fenômeno;
2) O volume de chuvas e também o número de dias chuvosos tende a ser menor e causar frustração significativa aos sojicultores somente em anos em que as águas já venham de um longo processo de resfriamento anterior ao trimestre Jun-Jul-Ago, caracterizando La Niña, tal qual o ocorrido nos anos de 2008/2009 e 2011/2012. Este não é o caso deste ano de 2020;
3) Em anos similares ao que está ocorrendo em 2020, o volume de chuvas e a sua distribuição ao longo do ciclo e, sobretudo, na fase de maior sensibilidade tende a ser satisfatório, a ponto de viabilizar produtividades na maioria dos anos acima da média;
4) Em safras como a que estamos iniciando em Mato Grosso do Sul, o sucesso da mesma parece estar condicionado à distribuição das chuvas no período crítico, mais até do que o volume delas, sendo o período crítico aquele compreendido entre 11/novembro e 11/fevereiro. Isso deverá ser a chave do sucesso para esta safra 2020/2021!