Pesquisa cataloga gramíneas de pastos nativos do Pantanal
Pesquisa cataloga gramíneas de pastos nativos do Pantanal
Foto: Sandra Santos
Guia de gramíneas nativas do bioma Pantanal traz descrição das plantas e recomendações para pecuária sustentável
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Pecuaristas do Pantanal contam agora com um guia de gramíneas nativas do bioma, com descrição das plantas e recomendações de manejo visando à sustentabilidade ambiental e da bovinocultura, principal atividade produtiva da região. A publicação tem o suporte da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (Fundect). “Trata-se da segunda publicação sobre forrageiras do Pantanal”, informa a zootecnista Sandra Santos, pesquisadora da Embrapa Pantanal (MS).
“O Pantanal é um bioma muito complexo em sua vegetação”, afirma a pesquisadora da Embrapa. Há mais de 30 anos na Empresa, Santos investiga características e usos dos pastos nativos do bioma pantaneiro, que em alguns ecossistemas podem atingir alta qualidade, produtividade e capacidade de suporte. “O desafio é explorar os pastos com teores elevados de proteínas e minerais, alta resistência e adaptabilidade ao ambiente pantaneiro [especialmente quando comparadas a espécies exóticas]”, declara.
A cientista informa que o guia ressalta os benefícios de se conservar as pastagens nativas, especialmente as de áreas úmidas. Ela explica que são plantas nutricionalmente ricas e preferidas pelos animais. Se forem encontradas em uma propriedade rural, o recomendado é mantê-las por meio do manejo sustentável, muitas vezes denominado de manejo on farm. “Se não houver manejo apropriado, o gado dá preferência a elas e causa sobrepastejo, podendo acabar com o banco de sementes e degradar a pastagem, que só se recupera com intervenções”, detalha Santos.
“Precisamos conservar esses pastos nativos pelo patrimônio incrível de recursos renováveis que são. A manutenção dessa heterogeneidade é vantajosa para o produtor, que precisa conhecer o que tem de bom na sua fazenda para planejar da melhor forma o uso dos recursos forrageiros.”
Gado protege bioma do fogo
Santos ressalta que a importância da pecuária de corte para o Pantanal vai além do campo econômico: ela também desempenha um importante papel ambiental. “Manter as pastagens nativas faz com que o produtor consiga ter produtividade, heterogeneidade de ambientes e ajuda a conservar o ambiente com sustentabilidade”, afirma. “A paisagem do bioma foi moldada pelo gado. Sem ele, os campos ficam sujos e o incremento de fitomassa [massa vegetal] de algumas fitofisionomias [tipos de vegetação] pode favorecer grandes incêndios. Os animais fazem esse serviço, por meio do pastejo intenso das áreas úmidas, e isso ajuda a formar barreiras naturais, além de tornar esses ambientes heterogêneos e ricos em diversidade de plantas.”
De acordo com a pesquisadora, o Pantanal é um mosaico de paisagens com áreas úmidas, intermediárias e secas. “Temos áreas de campo, de savana e de florestas. Embora nas áreas florestadas o gado possa consumir algumas espécies de plantas para complementar a dieta (especialmente em minerais), essa complementação não oferece todo o suporte que o animal precisa. Mas é interessante ter essa diversidade: quando conseguimos trabalhar com a heterogeneidade que tem o Pantanal, oferecemos uma dieta muito rica e resiliente para o gado, e ainda conservamos habitats para outras espécies de animais e plantas,” revela.
As inundações são responsáveis por modificar e manter a dinâmica das pastagens das áreas úmidas e sazonais todos os anos. O bioma possui algumas regiões mais altas e outras mais baixas, assim como locais que sofrem a influência de inundação por meio do transbordamento dos rios, e outros apenas por meio de chuvas.
Para a pesquisadora, as fazendas afetadas unicamente pelas precipitações são melhores para a pecuária porque, na maior parte dos casos, o gado pode permanecer na propriedade o ano todo. “Aquelas que sofrem inundação por rio geralmente precisam de outra fazenda para fazer um manejo entre a parte alta e a parte baixa durante cheias extremas.” Ela esclarece, porém, que o manejo integrado entre a parte alta e a baixa é interessante nas áreas com solos mais argilosos por favorecer o descanso das pastagens, evitando o pisoteio contínuo, que causa compactação e provável degradação.
Em uma região com tantas paisagens e variações, é esperado que a capacidade de suporte para a atividade pecuária – que de maneira geral fica em torno de 3,6 hectares por bovino – também varie considerando a localização da propriedade, ano e o período. “Quando as áreas mais baixas secam, elas têm maior disponibilidade de pastagem porque as nativas de alta qualidade, geralmente, estão nessas áreas úmidas. É um solo que tem maior teor de matéria orgânica proveniente da ciclagem de nutrientes.” Com isso, a diversidade de pastagens favorece a dieta balanceada dos animais e assegura que eles tenham alimento nas mais variadas épocas e condições ambientais. Porém, a cientista salienta que nem todas as propriedades possuem ecossistemas de pastagens nativas de áreas úmidas.
Usar forrageiras nativas
Nos locais úmidos ao redor de corpos d’água, portanto, a pesquisadora recomenda que não se realize a substituição por pastagens exóticas em função da alta qualidade das nativas presentes. Nesse caso, afirma Santos, o mais vantajoso para o produtor é identificar as espécies forrageiras nativas existentes na propriedade e, então, fazer o possível para favorecer o desenvolvimento do seu banco de sementes, assegurando que elas sejam mantidas (tanto em função do seu grande valor nutricional quanto pelos diversos serviços ecossistêmicos que essas pastagens oferecem). Esse manejo proporcionará maior capacidade de suporte e economia em suplementos alimentares.
“Quando a espécie está disponível, ou acontecem anos consecutivos de seca, temos que manejá-las de modo que as nativas de melhor qualidade, preferidas pelo gado, possam semear e se regenerar sem precisar de insumos externos. A partir do momento que a propriedade perde o banco de sementes dessas espécies, podemos tentar um enriquecimento jogando mais sementes no local, geralmente utilizando misturas apropriadas às condições do ambiente. Mas aí o custo é maior – além das sementes, temos que entrar com mão de obra. É mais econômico fazer um bom manejo para mantê-las.” Outro fator limitante é que não há no mercado sementes de forrageiras nativas especificas para essas áreas.
Como um método simples para manejo de áreas heterogêneas e extensivas, a pesquisadora sugere a divisão dos pastos em três áreas para cada rebanho. “Com duas delas você pode fazer um manejo anual, enquanto a terceira fica vedada durante o ano inteiro. Algumas espécies precisam de um ano para se recuperar”, descreve. “Na época da seca, trabalharíamos com duas áreas abertas; na época das chuvas, vedamos a mais degradada para que ela vá se recuperando – o tempo de vedação varia em função das chuvas. No outro ano, fechamos a que está em pior estado por um ano inteiro e trabalhamos com as outras duas.” Essa é uma estratégia inicial simples que pode ser melhorada ao longo do tempo, considerando as especificidades das forrageiras-chave.
A cientista afirma que o produtor pode economizar, ainda, delimitando grandes áreas para os rebanhos, diminuindo custos com cercas ao trabalhar com mosaicos. “Também estamos investigando a possibilidade de queima e pastejo prescritos, associados com a estimativa da capacidade de suporte em função dos tipos de pastagens disponíveis. Algumas espécies precisam do pastejo, senão desaparecem, enquanto com outras acontece o contrário.” Porém, a queima seria utilizada somente como última opção, ou seja, quando não estiver disponível outra prática sustentável de manejo.
Manter lotações moderadas é o ideal, segundo a especialista, de modo que haja ciclagem de nutrientes. Associar espécies forrageiras também pode ser uma forma de enriquecer a dieta dos animais, principalmente em áreas livres de inundação e muito pobres, assim como utilizar diversas espécies de animais numa pastagem.
Aplicativo em desenvolvimento
Atualmente, essas informações estão sendo utilizadas para construir um aplicativo de manejo, elaborado em parceria com a Embrapa Informática Agropecuária (SP), que auxilie produtores, técnicos, estudantes e profissionais da área a identificar as espécies nativas no campo.
“Com o apoio da Fundect, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e em parceria com a Universidade Federal de Viçosa (UFV), nós desenvolvemos um programa para avaliar a qualidade dessas forrageiras nativas - principalmente a necessidade de suprimento de minerais. A partir de uma simples avaliação no campo, é possível analisar a proporção das espécies. Esses dados são inseridos no programa, que avalia o valor nutritivo das pastagens e estima as necessidades de suplementação proteica, energética e mineral. Essa ferramenta também está relacionada ao programa de quantificação de serviços ambientais, em especial na produção de forrageiras de alta qualidade nas áreas úmidas que apresentam uma alta capacidade de pastejo para a produção de bezerros, que é um dos serviços prestados pelas pastagens nativas,” detalha a pesquisadora informando que, além dos serviços de provisão, estão sendo quantificados outros serviços ecossistêmicos.
Imagine uma pecuária que, ao mesmo tempo, conserve pastagens nativas e se beneficie dessa diversidade, ambiental e financeiramente. “Nós temos que valorizar essa heterogeneidade e não uniformizar, esse é o recado. Temos que buscar o uso multifuncional da propriedade. Com isso, os serviços ecossistêmicos serão mantidos e o produtor que conservar a diversidade de recursos poderá ter lucro e também ser compensado financeiramente no futuro. Acredito que o mundo vai pagar muito por isso,” alerta.
Editado em 10/11/20 para relacionamento de publicação.(Mariana Medeiros)
Nicoli Dichoff (MTb 3252/SC)
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