Câmara dos Deputados escuta entidades e produtores ligados à agricultura familiar e orgânica
Câmara dos Deputados escuta entidades e produtores ligados à agricultura familiar e orgânica
Representantes de entidades vinculadas aos setores de agricultura familiar, agroecologia e produção orgânica no Brasil estiveram reunidos na tarde desta segunda-feira, 20, na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados. A audiência pública foi realizada e transmitida pela internet, com o intuito de debater a atual situação da agricultura familiar e da produção orgânica de alimentos no Brasil, tendo em vista o aumento da demanda mundial por uma agricultura mais sustentável.
A sessão foi promovida a partir de um requerimento dos deputados Heitor Schuch (PSB/RS) e Vilson da Fetaemg (PSB/MG), que justificaram o pedido como forma de dinamizar a regulamentação e o incentivo para a viabilização da produção orgânica da agricultura familiar e dos empreendimentos rurais familiares. “Temos que avançar quando falamos de desenvolvimento sustentável, economia verde, energia renovável, produção orgânica. Tudo está interligado”, afirmou Schuch. Vilson da Fetaemg, por sua vez, questionou se não seria o caso de implementar na agricultura familiar condições equivalentes de incentivos fiscais, financiamento e pesquisa hoje existentes na agricultura convencional. “Precisamos de mais política pública no campo”, pontuou.
O pesquisador da Embrapa Agrobiologia (Seropédica, RJ) José Antônio Azevedo Espíndola, líder do portfólio da Embrapa Sistemas de Produção de Base Ecológica, também esteve presente na audiência, ao lado do presidente do Instituto Brasil Orgânico, Rogério Dias; do assessor da Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura (Contag) Antônio Lacerda Souto; do presidente da Câmara Temática de Agricultura Orgânica do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Luiz Carlos Demattê Filho; do presidente da Cooperativa de Produção Orgânica de Sucos e Óleos Essenciais de Citros no Vale do Caí (Ecocitrus), Pedro Francisco Schneider; e do produtor de alimentos orgânicos Joe Valle.
Para Espíndola, a discussão evidenciou a importância da formulação de políticas públicas e da troca de informações entre os diversos atores do setor. “É muito importante trazer para um fórum como este a questão das políticas públicas, tanto no que diz respeito a ações relacionadas à agroecologia, à produção orgânica e à agricultura familiar, quanto no sentido de aproximar diferentes segmentos, sejam eles de pesquisa, extensão, empresariado, agricultores ou técnicos, para que se pense conjuntamente em modos de estimular o setor”, disse. O pesquisador apresentou brevemente a estrutura da Embrapa, a divisão dos temas de pesquisa em portfólios e a relação dos portfólios de Inovação Social na Agricultura e de Sistemas de Produção de Base Ecológica com a agricultura familiar.
Peculiaridades da agricultura familiar
Rogério Dias, do Instituto Brasil Orgânico, destacou a necessidade de políticas públicas voltadas para o setor, de forma a incentivar e possibilitar o acesso dos agricultores familiares a tecnologias e conhecimentos da produção agroecológica. “Não há como pensar em uma evolução saudável da agricultura familiar sem pensarmos em sistemas de base ecológica”, afirmou. Mas foi além: para ele, é preciso que essas políticas públicas levem em consideração as particularidades que existem de Norte a Sul do Brasil. “Somos um país com muita diversidade – e isso se aplica também na agricultura familiar. A agricultura dos ribeirinhos na Amazônia é diferente do Semiárido, que é diferente do Sul ou do Sudeste. E estas particularidades têm que ser captadas pelas políticas públicas para suprir as demandas da diversidade, garantindo qualidade de vida para os agricultores familiares”, argumentou.
Demattê Filho, presidente da Câmara Técnica de Orgânicos do Mapa, acrescentou um outro ponto: a contribuição da agricultura orgânica e da agroecologia para minimizar três grandes problemas internacionais: a desigualdade, os impactos climáticos e a escassez de recursos. “A agricultura orgânica tem um caráter multifuncional: ela não está aí apenas para produzir alimentos, fibras e energia, mas também para promover a preservação ambiental e a reprodução social das famílias do campo, mantendo os jovens na atividade, além de manter a diversidade da paisagem rural”, destacou.
No entanto, ele apontou que ainda há carência de profissionais técnicos com a perspectiva da agricultura orgânica e das produções de base ecológica, o que mantém esse nicho ainda inacessível a uma boa parte da população. Outro hiato que o profissional destacou relaciona-se ao desenvolvimento de implementos e equipamentos adequados e acessíveis para agricultores familiares e orgânicos.
Entraves e burocracias para a aplicação legal no campo
Representantes do setor produtivo, Joe Valle e Pedro Schneider falaram sobre suas experiências e abordaram algumas das principais dificuldades para quem é agricultor familiar. “Temos muitos mecanismos legais no Brasil hoje, mas não conseguimos aplicá-los efetivamente na propriedade do agricultor familiar. Além disso, tenho uma rede de lojas e quero revender produtos orgânicos certificados, mas ainda há muita burocracia para os produtores obterem o selo-arte”, critica Valle, que há 32 anos é produtor rural no Distrito Federal.
Ele também apontou a alta quantidade de impostos e a falta de continuidade de projetos governamentais como um grande gargalo nas políticas públicas para o setor no Brasil, a exemplo do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), que foi descontinuado. Além disso, ele também falou sobre a importância do investimento público em pesquisa de qualidade: “Precisamos que haja recursos para a pesquisa na Embrapa sobre agricultura familiar, agroecologia e produção orgânica”, opinou.
O assessor da Contag Antônio Souto concordou: “É preciso resgatar e fortalecer o Planapo. A Embrapa tem dado contribuições importantes e precisamos que ela crie, sobretudo, tecnologias de ferramentas e instrumentos apropriados para tornar o trabalho na agricultura familiar e na agroecologia mais leve, sobretudo para a juventude.”
Schneider, por sua vez, destacou alguns pontos que podem servir de inspiração para outras cooperativas produtores. “É difícil o entendimento de como os agricultores familiares conseguem a subsistência com uma área de 3 a 4 hectares com uma boa qualidade de vida”, ponderou. “Mas hoje, com 120 associados na cooperativa, temos investido na formação dos agricultores para tentar manter o jovem no campo. Além disso, nosso sistema consiste basicamente no domínio da cadeia produtiva. Implantamos uma usina de compostagem orgânica para substituir os químicos, produzimos biogás, produzimos energia elétrica a partir de geradores energéticos de baixo custo e temos investido bastante na questão da assistência técnica para certificação interna e acompanhamento”, listou.
O setor e os desafios para manter a juventude rural
De acordo com Espíndola, do total de estabelecimentos agrícolas, 77% são familiares, ocupando 23% da área agrícola total do Brasil. No que se refere à agricultura orgânica, particularmente, percebeu-se um salto de 5.406 unidades de produção em 2010 para 22.064 em 2018. Antônio Souto, da Contag, referendou os dados: “Às vezes a gente acha que o Brasil é muito urbano, mas temos mais de 3 mil municípios considerados essencialmente rurais, que vivem da agricultura – sobretudo a familiar –, além de um conjunto de mais 1,6 mil municípios relativamente rurais. Então vemos que o Brasil é um país rural.”
Um dos principais gargalos enfrentados na agricultura familiar, no entanto, é a manutenção da população no campo, especialmente a mais jovem. Dados do último censo agropecuário do IBGE apontaram o envelhecimento dos agricultores familiares. “Se temos um Brasil rural, mas queremos um espaço rural com gente, a agricultura familiar é essencial. As pessoas vão pra cidade porque não tem política pública para o campo”, destacou Souto.
Ele também citou alguns dados para justificar a importância do fortalecimento da agricultura familiar, argumentando que ela responde por cerca de 70% da produção dos alimentos do País e emprega 67% da mão de obra. “Temos uma estrutura fundiária perversa, uma correlação de forças desigual: apenas 1% dos estabelecimentos rurais, ou 51.203 propriedades, tem acima de mil hectares, detendo 47,6% das terras brasileiras; por outro lado, há 1.892.967 estabelecimentos (37% do total) com menos de 5 hectares, detendo apenas 0,97% das terras. Então não adianta um pequeno agricultor fazer o mesmo esquema do agronegócio que ele não vai ter estrutura pra isso”, salientou.
Demattê Filho, da Câmara Técnica de Orgânicos do Mapa, acrescentou um outro ponto: a contribuição da agricultura orgânica e da agroecologia para minimizar três grandes problemas internacionais: a desigualdade, os impactos climáticos e a escassez de recursos. “A agricultura orgânica tem um caráter multifuncional: ela não está aí apenas para produzir alimentos, fibras e energia, mas também para promover a preservação ambiental e a reprodução social das famílias do campo, mantendo os jovens na atividade”, destacou.
Confira a audiência completa aqui.
Liliane Bello (MTb 01766/GO)
Embrapa Agrobiologia
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