29/04/20 |   Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação

Artigo - A retomada da utilização de leguminosas forrageiras na Região Sul do Brasil

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Daniel Portella Montardo1 e Miguel Dall`Agnol2

1Pesquisador da Embrapa Pecuária Sul; 2Professor Titular da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS

 

            Apesar de conhecidas, as vantagens e a importância do uso de leguminosas parecem ter sido esquecidas ou preteridas pela ampla maioria dos sistemas de produção pecuário ou de integração lavoura-pecuária praticados na Região Sul do Brasil. Para se ter ideia da importância desse grupo de espécies, a FAO proclamou o ano de 2016 como “Ano Internacional das Leguminosas”. O maior destaque dessa escolha recaiu sobre a importância do consumo de leguminosas na dieta humana, mas o aspecto da fixação de nitrogênio e construção da fertilidade do solo não foram desprezados, de modo que se evidenciou o alinhamento dessa ação ao segundo objetivo de desenvolvimento sustentável (ODS) da ONU.

            Por outro lado, de certa forma é compreensível que a utilização mais massiva de leguminosas forrageiras tenha sido deixada em segundo plano por tanto tempo. Por muitos anos a agropecuária viveu uma fase de simplificação dos processos, com crescente aporte de insumos. Esse modelo trouxe excelentes resultados ao agronegócio brasileiro, mas é crescente a preocupação dos próprios produtores com os altos custos de produção, com a fertilidade dos solos e estabilidade produtiva, buscando a adoção de sistemas de produção mais diversificados e equilibrados. Portanto, forma-se um contexto favorável à retomada da utilização de leguminosas forrageiras em todo o Brasil, com destaque para a Região Sul, pelo histórico anterior de utilização desse grupo de espécies. No entanto, para que este contexto favorável se torne um potencial realizado, são necessários avanços em diversas frentes de trabalho, sempre se mantendo um alinhamento muito estreito e objetivo entre pesquisa e desenvolvimento, empresas produtoras de sementes e produtores rurais consumidores dessas sementes.

            Uma dessas frentes tem sido o melhoramento genético e a disponibilização de cultivares de leguminosas forrageiras temperadas para a região Sul do Brasil. Até pouco tempo atrás, praticamente todas as cultivares utilizadas eram importadas, geralmente do Uruguai ou até mesmo da Nova Zelândia. Apesar de serem cultivares com alguma adaptação, algumas não apresentavam uma produção de forragem considerável ao longo dos ciclos de pastejo e especialmente não persistiam bem sob as nossas condições. Além disso, como a maior parte da produção de sementes era realizada fora do país, havia uma influência muito forte do câmbio sobre o preço final ao consumidor, o que dificultava uma ampla adoção. Na tentativa de reverter esse quadro, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), através de um convênio com a Associação Sul-brasileira para o Fomento de Pesquisa em Forrageiras (SULPASTO), desenvolveram um programa conjunto de melhoramento genético de leguminosas forrageiras. A estratégia foi apostar na complementariedade de duas importantes instituições públicas, com objetivos e metas similares, na tentativa de disponibilizar, em curto prazo, um conjunto mínimo de cultivares que se adaptasse à diferentes ambientes e sistemas de produção do sul do Brasil. Assim, desde o ano de 2013 até o momento, foram lançadas as seguintes cultivares:

- BRS URS Entrevero, de trevo-branco, espécie perene, recomendada para solos mais úmidos e com boa fertilidade;

- BRS Resteveiro, de trevo-persa, espécie anual, recomendada para solos também úmidos, mas menos exigentes em fertilidade;

- URS BRS Posteiro, de cornichão, espécie perene, recomendada para solos bem drenados e menos exigentes em fertilidade;

- URS BRS Mesclador, de trevo-vermelho, espécie perene de curta duração, recomendada para solos bem drenados e de boa fertilidade;

- BRS Piquete, de trevo-vesiculoso, espécie anual, recomendada para solos bem drenados.

            Além dessas, já se encontram em fase final de desenvolvimento uma nova cultivar de alfafa e uma de ervilhaca.

            Outra frente de trabalho bastante importante é a estruturação de um sólido sistema de produção de sementes de leguminosas forrageiras, sem o qual nenhum programa de melhoramento genético de forrageiras poderia ter sucesso, ou seja, a integração entre instituições públicas e a iniciativa privada. Avanços já foram alcançados por meio de uma revisão das normas de produção de sementes dessas espécies, buscando-se torná-las mais compatíveis com as utilizadas em outros países do Mercosul. Tínhamos normas excessivamente exigentes que, aliadas à carência de herbicidas recomendados e registrados para uso em leguminosas forrageiras no Brasil, tornavam a produção de sementes muito difícil e onerosa, contribuindo para a manutenção de um elevado nível de informalidade no setor. Complementarmente a esse aspecto, foram desenvolvidas e/ou adaptadas algumas técnicas de manejo de sementeiras, sistemas de colheita e beneficiamento de sementes com o objetivo de reduzir custos e riscos e aumentar a produtividade, de modo a se permitir um preço final competitivo, pois o sistema de preços é muito pressionado pela informalidade já mencionada. Além disso, a produção de sementes de leguminosas forrageiras também precisa ser competitiva em relação à outras culturas tradicionais, como soja, milho e trigo, ou ela não encontraria produtores dispostos a praticá-la. Ainda, estão sendo conduzidas ações de pesquisa no sentido de se buscar a recomendação e o registro de alguns herbicidas para uso em lavouras de produção de sementes de leguminosas forrageiras e testes de validação industrial para inoculação e peletização de sementes, o que agregaria valor ao produto final e facilitaria muito o uso dessas espécies, favorecendo a adoção e o alcance de melhores índices de fixação biológica de nitrogênio, com reflexos positivos na produção animal e consequente redução de gases do efeito estufa pelo efeito de melhoria da dieta.

            Por fim, ainda temos toda a parte de fomento à utilização e aquisição de leguminosas forrageiras nos sistemas de produção da Região Sul do Brasil, o que pressupõe avaliação, validação e recomendação de uso. Talvez, essa seja a parte mais rica e ainda menos explorada do trabalho, pois são inúmeras as possibilidades de uso consorciado com diferentes espécies e cultivares de gramíneas, de inverno e de verão, perenes e anuais, em diferentes ambientes e sistemas de produção, além da possibilidade de melhoramento de campos naturais, típicos da região. A ampla gama de possibilidades, por sua vez, pressupõe o trabalho de muitas instituições, públicas e privadas, de pesquisa, ensino e extensão, bem como o trabalho de muitos produtores, nas adaptações e validações necessárias às particularidades dos seus sistemas de produção. Assim, partimos de recomendações mais genéricas que, à medida em que são postas em prática, naturalmente geram novas recomendações gradativamente mais específicas e que permitem atingir novas potencialidades.

            Até o momento sabemos que as leguminosas forrageiras de clima temperado, de modo geral, têm a capacidade de fixar até mais de 150 kg/ha de nitrogênio por ano. Além da redução de custos, tem-se também os benefícios ambientais advindos dessa prática, aumentando a sustentabilidade dos sistemas agropecuários. A experiência de alguns países europeus mostra que o excesso de adubação nitrogenada ao longo de muitos anos pode levar à contaminação por nitratos, tendo por consequência a adoção de medidas duras como indenizações por contaminação de água e imposição de limites rígidos de novas adubações.

            Já foram conduzidos experimentos em parcelas onde pastagens de azevém consorciadas com trevo-vermelho, adubadas com 20 kg/ha de N na base, produziram forragem equivalente a pastagens que continham somente azevém com 20 kg/ha de N na base mais 70 kg/ha de N em cobertura. Vale destacar que essa produção de forragem da pastagem consorciada se deu em um período de tempo maior, ou seja, produção de forragem por mais tempo, em função do ciclo mais curto do azevém e da característica perene do trevo-vermelho. Por sua vez, essa complementariedade de ciclos, a estrutura da parte aérea e raízes, a capacidade de fixação biológica de nitrogênio, a produtividade e qualidade da forragem produzida devem ser buscadas através do uso de consorciações.

            Em experimento conduzido por dois anos na Embrapa Pecuária Sul, em Bagé, RS, o sistema denominado Pasto sobre Pasto, onde a implantação e manejo de mesclas forrageiras de inverno e de verão são utilizados para conferir melhor distribuição da produção de forragem e maior estabilidade produtiva ao longo do ano, foi comparado com o uso de pastagens singulares de inverno e de verão. Na fase de inverno, a implantação consorciada de azevém (BRS Ponteio) e trevo-branco (BRS URS Entrevero) sobre capim-sudão (BRS Estribo), sem dessecação, foi comparada com a implantação de azevém puro (BRS Ponteio) sobre pastagem dessecada de capim-sudão (BRS Estribo). A semeadura nas duas áreas foi realizada no mesmo dia e com o mesmo aporte de insumos. Ao final da fase de inverno, a pastagem consorciada de trevo-branco e azevém implantada sobre o capim-sudão sem dessecação permitiu um ganho médio diário de 1.020g/animal/dia e uma produção total de 557 kg de PV/ha em 146 dias, enquanto a pastagem pura de azevém implantada sobre capim-sudão dessecado permitiu um ganho diário de 870g/animal/dia e uma produção total de 414 kg de PV/ha no mesmo período. Portanto, apesar de eventualmente requerer atenção especial em relação a implantação e manejo, a utilização de pastagens consorciadas se mostra como grande oportunidade de intensificação e maior estabilidade produtiva na pecuária ou em sistemas integrados.

            Diante do que foi exposto, fica evidente que as leguminosas forrageiras de clima temperado apresentam um grande potencial de contribuição para a pecuária de corte e de leite do sul do Brasil, assim como para sistemas de Integração Lavora-Pecuária, ou lavoura-Pecuária-Floresta. Portanto, sem dúvida alguma, é chegada a hora de uma grande retomada de sua utilização. Sabemos ser ainda possível, e até mesmo necessário, qualificar as recomendações de implantação e manejo dessas espécies, dadas as múltiplas possibilidades de uso. Mas também sabemos que a hora da retomada do uso de leguminosas não pode mais ser adiada, seja por questões de manejo, econômicas ou ambientais. Por outro lado, a disponibilização de um bom conjunto de cultivares, cobrindo uma boa diversidade de ambientes e sistemas de produção, aliada à esforços de consolidação de um sistema robusto de produção de sementes, capaz de fazer essas sementes chegarem aos pecuaristas da Região Sul do Brasil, representam contribuições fundamentais, sem as quais essa grande janela de oportunidades não seria possível.

 

Embrapa Gado de Corte

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