Profissionalização da meliponicultura traz oportunidades para mel amazônico
Profissionalização da meliponicultura traz oportunidades para mel amazônico
Dia 3 de outubro é dia nacional das abelhas. No Amazonas existem 116 espécies de abelhas da tribo Meliponini, conhecidas como abelhas sem ferrão, o que representa aproximadamente um terço das espécies de abelhas sem ferrão que ocorrem no Brasil. Essa diversidade de abelhas, associada à profissionalização da meliponicultura apoiada em conhecimentos técnico-científicos voltados para sustentabilidade da atividade, abre oportunidades de geração de renda na região.
Algumas espécies dessas abelhas só ocorrem em determinados ambientes e sub-regiões do estado do Amazonas, permitindo a produção de diversos tipos de mel com características diferenciadas, associadas à diversidade da flora nativa e microambientes amazônicos, o que traz oportunidades de mercado para valoração dos produtos da meliponicultura identificados com características específicas dos seus territórios de origem. Em analogia à produção de vinhos, pode-se aplicar o conceito de “terroir” (pronuncia terroá) utilizado na diferenciação de vinhos de determinadas regiões, onde o produto final é influenciado pelas características da espécie de uva, solo e clima onde é cultivada, entre outras variáveis. Assim também esse conceito vem sendo aplicado aos produtos da meliponicultura, onde as espécies de abelhas, flora e ambiente atribuem características específicas ao mel de abelhas nativas amazônicas.
A diversidade das abelhas sem ferrão no Amazonas e a criação dessas abelhas nativas foi um dos assuntos abordados durante o I Congresso Amazonense de Meliponicultura (I CAM) que reuniu em Manaus mais de 500 participantes, de 21 a 24 de setembro, discutindo diferentes aspectos da cadeia produtiva da meliponicultura, informações sobre o conhecimento construído sobre a criação de abelhas sem ferrão e as oportunidades de mercado relacionadas a essa atividade. Nas diversas palestras durante o evento foi reforçado o foco na profissionalização e o estímulo ao desenvolvimento desta atividade econômica, respeitando as características ecológicas das abelhas e a contribuição para a bioeconomia.
Com o tema “Profissionalização com Sustentabilidade”, o I Congresso Amazonense de Meliponicultura, foi organizado por uma equipe multi-institucional do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Embrapa Amazônia Ocidental, Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM) Zona Leste e Associação de Criadores de Abelhas do Amazonas (Acam). O objetivo do evento foi divulgar informações científicas e técnicas para o desenvolvimento da produção sustentável e economicamente viável de produtos oriundos da criação de abelhas-sem-ferrão, como mel, pólen e própolis.
Para a coordenadora-geral do I CAM, pesquisadora do Inpa, Gislene Carvalho-Zilse, a meliponicultura “tem um amplo caminho a percorrer, não porque estejamos atrasados, mas porque a diversidade de espécies aqui (no Amazonas) é diferenciada do mundo e representa um grande desafio para todos os atores da cadeia produtiva como pesquisadores, meliponicultores, gestores das normativas e empresariado, pois estamos pavimentando um novo caminho para a meliponicultura profissional e sustentável”. Um exemplo citado pela pesquisadora, sobre o que ainda se tem a conhecer cientificamente sobre as abelhas sem ferrão no Amazonas, é que das 116 espécies descritas atualmente, por enquanto, cerca de 15 destas espécies tem protocolo definido para criação, conhecimento sobre reprodução e forma de manejo para induzir a produção de mel e outros produtos.
Um ponto ressaltado no evento é que, para aproveitar essas oportunidades oriundas da diversidade de abelhas e produtos da região, há necessidade de aderir às boas práticas de manejo, desde o campo até o envase e armazenamento dos produtos, colocando-os em prática para garantir produtos de qualidade e conquistar mercados.
Dentre os participantes do I CAM, Eugênio Basile, da empresa Mbee de São Paulo, reforçou que os criadores locais precisam investir em profissionalização para aproveitar o potencial do mel do Amazonas com o “terroir” de mel amazônico, com sua diversidade de sabores associado à conservação da floresta e serviços ambientais. “O mais importante que a meliponicultura faz não é o mel mas o serviço ambiental, e isso precisa ser bem remunerado”, disse. O serviço ambiental fornecido pelas abelhas é a polinização, que é responsável pela reprodução e manutenção das florestas e por mais de 70% dos alimentos consumidos pelos humanos, que dependem diretamente dos serviços de polinização.
Desafios
Existem vários desafios para alavancar a meliponicultura no Amazonas. Entre eles, um que merece destaque é a logística de comercialização do mel, pois para o produto ganhar mercado é necessário percorrer as distâncias das zonas de produção até as de comercialização e chegar ao mercado com qualidade, observa o agrônomo Rogério Alves, que tem experiência nacional na cadeia produtiva da meliponicultura , e atuou no Amazonas em projeto de pesquisa coordenado pela Embrapa Amazônia Ocidental. Diante dos desafios logísticos torna-se importante escolher e usar apropriadamente técnicas de beneficiamento para conservação de mel, pois no Amazonas a maioria das vias de transporte são fluviais e aéreas, o que torna difícil conduzir o mel diante do longo tempo de viagem e características climáticas de muito calor. “Com esses fatores, a tendência é ocorrer processos fermentativos que se não forem bem controlados podem provocar alguns problemas na comercialização”, observa o agrônomo. “Então o grande desafio é desenvolver uma metodologia adaptada para a Amazônia que tenha sucesso em colher o mel com boas práticas, conservar esse produto dentro dos padrões que se requer de acordo com as legislações e enviar esse produto aos centros consumidores, e isso envolve principalmente educação do produtor na base”, comentou Rogério Alves. Ele comenta ainda que o Amazonas tem um grande potencial para se destacar na meliponicultura nacional com produtos de qualidade, pela região ter também diversidade de flora com bastante vegetação conservada e ainda ser pouco explorada por produtos contaminantes, porém os meliponicultores ainda tem pouca produção, devido à falta de uso das técnicas recomendadas pelas instituições de pesquisa para a meliponicultura na região.
Quem pretende criar as abelhas sem ferrão, também chamada de abelhas nativas, deve atentar para pelo menos três fatores básicos: considerar a genética das abelhas para a finalidade que deseja, buscar orientações e boas práticas para o manejo das colônias e preparar as fontes de alimentação das abelhas (pasto meliponícola). Esses aspectos também foram detalhados em palestras e oficinas durante o Congresso.
Para apoiar os criadores de abelhas da região amazônica e aos que pretendem ingressar na atividade, a Embrapa Amazônia Ocidental disponibiliza o Guia Ilustrado de Plantas para Meliponicultura na Amazônia, que traz informações sobre 52 espécies de plantas indicadas para compor o pasto meliponícola, também chamado de jardim de mel. A bióloga da Embrapa Amazônia Ocidental, Cristiane Krug, uma das autoras do Guia, explica que as plantas foram selecionadas com base em dados de pesquisa e informações da literatura científica. As plantas que compõem o guia oferecerem maior disponibilidade de recursos florais (pólen, néctar, óleo e resinas) que servem de alimento para as abelhas sem ferrão se desenvolverem, manterem suas colônias e produzirem mel, pólen e propólis. A publicação foi apresentada no evento e pode ser baixada gratuitamente no site da Embrapa neste link.
Outro aspecto importante para quem está criando abelhas nativas é providenciar a regularização do meliponário. Essas informações foram reforçadas por órgãos ambientais e de assistência técnica, ressaltando que a atividade precisa estar legalizada para acessar políticas públicas e comercializar os produtos. No Amazonas, o prazo para apresentar o termo de declaração de plantel preexistente (autodeclaração) vai até 31 de dezembro de 2023, de acordo com a Resolução Cemaam 34/2021. A regularização do meliponário envolve diferentes etapas de acordo com o número de colônias. As informações detalhadas podem ser obtidas junto aos órgãos estaduais - Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal (Idam) e Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), respectivamente, pelos e-mails geapo@idam.am.gov.br e meliponicultura.ipaam@gmail.com ou telefone (92) 2123-6706.
Diversidade de sabores
Diferentes tipos de méis ou meles, que variam em cores, sabores e odores, oriundos de diferentes espécies de abelhas nativas que ocorrem no estado do Amazonas foram trazidos à Manaus para a I Feira de produtos e equipamentos da meliponicultura, realizada no evento. Além destes, trinta e uma amostras de mel foram apresentadas no primeiro concurso de mel de abelhas sem ferrão realizado no I CAM. O concurso expôs os meles para degustação de um grupo de nove especialistas em mel (formado por pesquisadores, criadores de abelha e empresários do ramo de mel de abelhas) . Foram considerados na degustação, o aroma, características visuais, sabor e bouquet, atestando a variedade de características sensoriais destes produtos. Essa atividade de caracterização do mel é importante para dar identidade ao mel e gerar melhor reconhecimento e valorização, conforme explica o biólogo e químico Patrick Souza, pesquisador no Inpa, que coordenou o concurso. “Quando chegamos numa banca de mel temos uma diversidade de produtos, mas não conhecemos o que está dentro do pote, então nosso estudo visa caracterizar o mel do Amazonas quanto às características sensoriais e de qualidade química para que facilite ao consumidor encontrar um mel de sua preferência e com isso gerar valor para o produto”, disse o pesquisador. Nesse contexto, é necessário treinar equipes para caracterizar e através de um laudo sensorial atribuir identidade ao mel.
Os vencedores do concurso de mel realizado no I CAM foram os seguintes: na categoria mel de abelhas sem ferrão melípona 1º lugar - mel da espécie Melipona aff. paraensis produzido no meliponário Schwade município de Presidente Figueiredo – AM ; 2º lugar - mel da espécie Melipona seminigra do meliponário Santo Antônio do Rio Urubu, município de Boa Vista do Ramos – AM; 3º lugar - mel da espécie Melipona seminigra do meliponário Rosineide, município de Urucará-AM.
Na categoria mel de abelhas sem-ferrão não-melíponas, o 1º lugar foi para mel da espécie Tetragona sp. (abelha borá) do meliponário Babaçu, município de Autazes – AM; 2º lugar para o mel produzido pela espécie Scaptotrigona sp. (keomapane) produzido no meliponário Maadzero, município de São Gabriel da Cachoeira – AM; 3º lugar para o mel da espécie Scaptotrigona sp. (canudo) do meliponário Epicentro Agroflorestal, município de Maués-AM.
Participaram do I CAM, estudantes, professores, pesquisadores e criadores de abelhas de 11 estados brasileiros: Amazonas, Pará, Roraima, Maranhão, Paraíba, Bahia, Distrito Federal, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, além de participante da Suíça. A maioria dos participantes foi do Amazonas, com 418 pessoas de 35 municípios do estado, principalmente agricultores que também são criadores de abelhas. O Congresso contou com apresentações de trabalhos científicos, orientações sobre boas práticas, sobre normativas para a atividade de criação técnica das abelhas sem ferrão, além de feira para exposição de produtos entre outras atividades.
Síglia Souza (MTb-66/AM)
Embrapa Amazônia Ocidental
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