Artigo - Fla x Flu no melhoramento de gado de corte no Brasil
Artigo - Fla x Flu no melhoramento de gado de corte no Brasil
Gilberto Menezes
Pesquisador da Embrapa e coordenador de PD&I do Programa Embrapa Geneplus
Nós, brasileiros, temos uma situação muito privilegiada: temos criadores e técnicos que vêm fazendo um excepcional trabalho de melhoramento genético das raças bovinas de corte. Ao longo das décadas, foi utilizado o conhecimento e a tecnologia disponível. A avaliação visual feita por olhos experientes e treinados teve papel de destaque em certo momento – era o que se tinha. Depois, passou-se a contar com medidas de desempenho em provas centralizadas e nos próprios criatórios. Tivemos o protagonismo dos campeonatos com julgamento e identificação dos animais mais interessantes visualmente e em desempenho, referendando seu uso em larga escala.
Felizmente, passamos também a medir características além do ponderal ligadas à reprodução e à qualidade de carcaça. As ferramentas computacionais permitiram a aplicação de metodologias estatísticas aos dados de fenótipos, às medidas tomadas nas provas e em criatórios e de genealogia. Eis que passamos a ter estimativas dos méritos genéticos dos animais (as DEPs) na busca dos indivíduos geneticamente superiores para reprodução. Um grande salto, sem dúvida. A evolução continuou e chegamos às DEPs genômicas, que trouxeram a informação presente no DNA (um pequena parte, importante salientar) para ampliar a nossa capacidade de estimar o mérito genético dos animais. Que benção! Que “trem bão”, como diria lá em minha terra natal. Certamente, o futuro nos reserva ainda mais melhorias, mais avanços.
Mas, então, é só alegria. Bola para frente, certo? Na realidade, não é bem assim. Atividades humanas são complexas, e onde parece haver céu de brigadeiro, em muitos casos, há nuvens carregadas. Tudo dentro da normalidade considerando a espécie humana. Inclusive, sendo positivo até certo ponto a fim de gerar o debate, ampliar o contexto e alcançar o melhor caminho.
Há ainda atualmente fortes embates em relação ao uso das informações disponíveis para se fazer o melhoramento genético em gado de corte. Embates que, pela natureza ferrenha, passional de seus participantes, lembram a disputa de um jogo de futebol de dois rivais tradicionais, uma espécie de Fla x Flu (referência à rivalidade entre os times do Flamengo e do Fluminense). De um lado, está o pessoal que acredita nas DEPs, nos ditos “números”, e os utilizam de forma exclusiva e efetiva na seleção. Do outro lado, está o grupo que não acredita no valor das DEPs, considerando-as descoladas da realidade do campo. Para esse o caminho é restrito à avaliação visual do biótipo, da morfologia do animal, feita por pessoas que conheçam de gado e de produção de gado de corte.
Peço a reflexão de todos no sentido de entender que esse Fla x Flu não traz benefício a ninguém e precisa ser superado. É necessário compreender que não há dois times em campo, mas somente um, que precisa trabalhar firme para continuar seu percurso de sucesso. Os números, as DEPs (genômicas ou não), jogam no mesmo time da avaliação visual. O virtual “adversário” é o erro na escolha dos animais para reprodução, que não são geneticamente superiores para o que se objetiva.
Alguns pontos para a gente pensar sobre isso – nem sonho em exaurir o assunto aqui:
Primeiro não há DEPs para todas as características importantes num bom animal de corte, portanto, não dá para pensar em trabalhar apenas com elas. Há características, por exemplo, ligadas à funcionalidade como qualidade de aprumos, que não têm DEPs na maioria das raças em melhoramento. Ora, parece racional, portanto, usar o olho qualificado na avaliação visual para suprir essa lacuna. O importante aqui é ter clareza das características, sem DEPs disponíveis, que efetivamente são relevantes à seleção de animais (insumos) eficientes para a produção de carne.
DEP é uma ferramenta fantástica para características produtivas e, ao longo das últimas duas ou três décadas, provou ser muito útil e eficaz na promoção da evolução genética de várias espécies animais e vegetais. Não se trata de opinião, de interpretação. Se bem usada, funciona! Logo, precisamos usar. Muitas vezes, as DEPs são pensadas como algo criado no computador, no papel, por pessoas distantes do curral. É importante ressaltar que as DEPs são fruto do que é observado e medido dentro dos currais, dentro das fazendas! A matéria-prima é o animal, a realidade.
O caminho é ampliar nossas habilidades a fim de usar todas as fontes de informações disponíveis de forma sinérgica em prol do melhoramento genético. Não há mais espaço para esse Fla x Flu. Somos um único time que conta com uma caixa de ferramentas cada vez mais completa para fazermos nosso trabalho: DEPs melhores e para um leque cada vez maior de características (ponderal, reprodução, eficiência alimentar, qualidade de carcaça, adaptação), que devem ser aliadas a uma competente avaliação visual, por olhos capacitados e idôneos.
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