No Maranhão, trabalho em parceria vai permitir escalar o Sisteminha Comunidades
No Maranhão, trabalho em parceria vai permitir escalar o Sisteminha Comunidades
Sisteminha permite a produção de alimentos diversificados e geração de renda. Autonomia às famílias é um dos objetivos da parceria
As oportunidades de negócios proporcionadas pelo Sisteminha Comunidades estão sendo multiplicadas no Maranhão e mais estados do Nordeste. Embrapa Cocais e parceiros público-privados assinaram acordo de cooperação técnica para expandir a tecnologia no Maranhão, em especial em terras indígenas, quilombolas e com ênfase nas áreas periurbanas. Ao final, serão capacitadas pelo menos 500 famílias e agentes multiplicadores no tema por meio de metodologias participativas de extensão rural nos municípios maranhense de Codó, Arari, Caxias e Alcântara e ainda nos estados do Piauí, Ceará, Bahia e Pernambuco.
Em Arari as ações já estão adiantadas. A parceria é com a Estação do Conhecimento, da Fundação Vale, que viabilizou a instalação de dez módulos do tanque na comunidade de Flexal e já estão a caminho, ainda este ano, mais 50 módulos do Sisteminha para comunidades do entorno. O acordo prevê capacitação técnica pela Embrapa por meio de oficinas práticas e acompanhamento das tecnologias implantadas nas comunidades. O objetivo é propiciar autonomia às famílias, tornando-as donas do negócio e aptas a continuar as ações e multiplicá-las em outras comunidades.
“O Sisteminha Comunidades é a ‘galinha dos ovos de ouro’. É uma transformação geral de hábitos de vida: alimentação, social, pensamento, postura e ação, sempre para melhor, a partir de quintais produtivos entrelaçados para atingir o mercado. As pessoas se unem, trocam dúvidas e informações, fazem reuniões periódicas, articulam círculos sociais para a realização de feirinhas de agricultura familiar”, avalia o coordenador do Núcleo de Desenvolvimento Rural da Estação Conhecimento da Fundação Vale, Adriano Dutra.
Em Codó, o Sisteminha foi implantado no Instituto Federal do Maranhão (IFMA) como referência para estudantes e famílias de produtores rurais de comunidades próximas. A professora Maria Christina Castro explica que os produtores são convidados a conhecer a tecnologia nos dias de campo realizados no campus IFMA. “A cada nova etapa instalada no campus, a comunidade participa, assim como estudantes e professores. Fizemos assim com o tanque de peixes, com a construção das placas; o aviário, biodigestor e as compostagens. Em breve, a partir da disponibilidade dos recursos previstos, a solução tecnológica será implantada nas comunidades”.
Para o diretor-geral do IFMA Codó, Wady Lima Castro Júnior, a presença do Sisteminha no campus significa a melhoria da renda do produtor e do aprendizado dos alunos, que se tornarão não só conhecedores da tecnologia, mas também multiplicadores desse conhecimento. "Os nossos alunos também poderão fazer estágio na prática, com visão sistêmica. Muitos deles são moradores das comunidades a serem atendidas e terão oportunidade de trabalho. O Sisteminha Comunidades permite a integração da escola com a comunidade e mudança de vida de agricultores, repercutindo em benefícios para a sociedade".
Desafios
Além de destacar a importância das políticas públicas com ênfase no desenvolvimento do empreendedorismo social e dirigidas a famílias que produzem seus próprios alimentos, o pesquisador Luiz Carlos Guilherme, da Embrapa Cocais, aponta três desafios para o Sisteminha atualmente. Um deles é fazer chegar insumos de qualidade, com preço justo, a cada um dos beneficiários. “Isso é um gargalo grande, porque as famílias mais pobres normalmente não têm acesso a insumos de qualidade e a apoio científico”, diz.
O segundo ponto é encontrar maneiras de fazer chegar informação adequada sobre como utilizar esses insumos. “Isso já vem sendo facilitado pelas mídias. O Sisteminha cresceu muito graças às mídias sócias (Instagram, Facebook, Telegram, Whatsapp). Foram formados vários grupos e realizada uma divulgação muito grande”, observa.
Mas há também o papel dos multiplicadores. “Ao se realizar a transição da população carente e com fome em população aliviada da fome e pobreza, são formadas novas lideranças, transformadas em multiplicadores populares que oferecem orientação técnica na implementação do Sisteminha. Outra iniciativa é conectar a Embrapa e o poder público a esses multiplicadores, para que se ganhem força e projeção necessária à escalada ao Sisteminha Comunidades”.
O terceiro é a definição de linhas de crédito que possam ser utilizadas pelas pessoas mais carentes, legalização das atividades e expansão dos negócios. “Nesse caso, o produtor é responsável pela geração de excedentes, com investimento aproximado de até R$ 25mil/família para a implantação de, pelo menos, cinco módulos básicos do Sisteminha”.
Para Luiz Carlos Guilherme, esses desafios explicam o porquê de o Sisteminha ter sido inicialmente planejado e construído de forma tão pequena, aos olhos dos gestores, ou mesmo dos pequenos produtores familiares já consolidados. O beneficiário, alvo inicial do Sisteminha, é a família em vulnerabilidade econômica e alimentar. Esse beneficiário-alvo, ao produzir para o autoconsumo, se mantém inicialmente na invisibilidade comercial e legal. Alcançar o mercado com excedente dos produtos é apenas uma consequência do sucesso do empreendimento. As soluções para superação desses desafios, e se produzir em escala para o mercado, não dependem apenas da organização do beneficiário e nem das lideranças comunitárias.
“A dificuldade na comprovação da posse e legalização da terra; a gestão da propriedade; o licenciamento ambiental para o desempenho de algumas atividades; o CNPJ necessário para que o produtor rural implemente uma pequena agroindústria; atendimento às exigências dos serviços de inspeção; o pagamento de taxas para a contribuição Sindical Rural; o acesso ao Registro Geral e a Licença de Aquicultor Familiar, são exemplos de dificuldades que o beneficiário terá de resolver caso aumente a escala de produção do seu empreendimento. O Sisteminha Comunidades torna viável a superação desses entraves, pois os gestores de projetos de desenvolvimento local fazem parte da execução e atuam direta e indiretamente na facilitação e solução desses obstáculos coletivamente”.
Ferramenta foi criada na UFU e otimizada pela EmbrapaSentar-se nas rodas de família e ouvir histórias sobre fulano que estava passando fome ou ciclano que precisava de uma cesta básica, nunca foi algo distante da realidade vivida por Luiz Carlos Guilherme. Chegar na janela de casa e observar a mãe mexer na horta era algo costumeiro. As hortaliças, vegetais, legumes e verduras eram regados e cuidados para mensalmente garantirem um prato colorido e saudável na mesa de cada dia. Mesmo nunca tendo adentrado pela porta da insegurança alimentar, o desejo de transformar a situação dos seus semelhantes cresceu em Luiz Guilherme a cada nova conquista. O cientista, que na época era apenas um menino curioso, mais tarde se tornaria zootecnista, pesquisador da Embrapa, professor temporário da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e idealizador do Sisteminha. A tecnologia, patenteada com apoio da Agência Intelecto da Universidade Federal de Uberlândia MG - UFU, garante que a UFU e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – Fapemig, que bancou os custos da pesquisa, detenham o direito exclusivo de exploração do Sisteminha. Marina Lima, representante da Agência, explica que, atualmente, a tecnologia é licenciada para todas as unidades da Embrapa e Emater de maneira gratuita, ou seja, não são cobrados royalties. “Isso tudo nasceu na UFU, a partir do meu doutorado em genética e bioquímica, de 2002 a 2005, orientado da professora Sandra Morelli, co-autora da tecnologia. Durante a atuação como professor, foram planejados, o modelo conceitual do Sisteminha, com base na teoria geral de sistemas, além dos testes de piscicultura, os módulos de aquaponia, compostagem e minhocultura”, conta o pesquisador. Em 2008, o zootecnista assumiu o cargo de pesquisador na Embrapa Meio Norte, no Piauí e, em fevereiro de 2021, foi transferido para a Embrapa Cocais, no Maranhão. Foi na Embrapa que ele passou a readequar e implantar os módulos do Sisteminha e colocá-los em prática. Um ‘Sisteminha’, portanto, nasce de um olhar crítico e empático. Se fortalece pela necessidade de transformação da própria realidade e evolui cada vez que é implementado por uma nova família ou comunidade. “O Sisteminha não é a cura para todos os problemas de um grupo, mas, a partir dele e da segurança alimentar que ele promove, essas pessoas podem ter uma melhor qualidade de vida”, finaliza o pesquisador. |
Flávia Bessa (MTb 4.469/DF)
Embrapa Cocais
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