Artigo - 50 anos: Do passado aos desafios do futuro
Artigo - 50 anos: Do passado aos desafios do futuro
Foto: Ronaldo Rosa
A Embrapa no Pará segue no compromisso de transformar a riqueza biológica da região em riqueza econômica com inclusão social
Por Alfredo Homma com contribuições de Walkymário Lemos
O Instituto Agronômico do Norte (IAN), precursor da atual Embrapa Amazônia Oriental, completará 84 anos da criação no dia 06 de maio de 2023. Pode-se considerar como uma das mais importantes obras getulianas na Amazônia. Desde o seu primeiro Diretor Felisberto Cardoso de Camargo (1896-1977), trazido dos quadros do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), egresso da ESALQ, até o atual Chefe-Geral da Unidade, Walkymário de Paulo Lemos, já se passaram 23 dirigentes, incluindo os interinos.
Em 11/10/1962 o IAN foi transformado em Instituto de Pesquisa e Experimentação Agropecuária do Norte (IPEAN) e, em 23/01/1975, já sob a égide da Embrapa, em Centro de Pesquisa Agropecuária do Trópico Úmido (CPATU). Em 01/03/1991, todas as Unidades da Embrapa na Amazônia passaram a ser designadas Centros de Pesquisas Agroflorestais (Pará, Amazonas, Rondônia, Acre, Roraima e Amapá), onde a temática da sustentabilidade passou a ser enfatizada atendendo aos novos ventos do ambientalismo nacional e mundial. Desde 1998, apresenta-se à sociedade com o nome-síntese de Embrapa Amazônia Oriental. O IAN e suas sucessoras foram às precursoras de todas as Unidades da Embrapa na Região Norte, exceto a do Tocantins.
A criação do IAN decorreu da estratégia governamental de desenvolver e fortalecer pesquisas com a seringueira, considerada estratégica para a época, quando os tambores da II Guerra Mundial começaram a rufar em 01/09/1939. O ataque japonês a base naval americana de Pearl Harbour, em 07/12/1941, e o domínio do Sudeste asiático privou as Tropas Aliadas do suprimento de borracha das seringueiras transplantadas por Henry Alexander Wickham (1846-1928), em 1876.
Justiça seja feita a Enéas Calandrini Pinheiro (1880-1945), que foi o responsável pela implantação das instalações da Unidade, tendo Getúlio Vargas (1882-1954) efetuado a inauguração em 7 de outubro de 1940, durante o seu périplo por Belém e Santarém (PA), Parintins e Manaus (AM), tendo pronunciado o famoso Discurso do Rio Amazonas, em 10 de outubro, em Manaus. Em abril de 1941, Getúlio Vargas nomeava Felisberto Cardoso de Camargo (1896-1977), cuja gestão se estendeu até o ano de 1952, e que se destacou por promover a estruturação do IAN.
Por ocasião da criação e implantação do IAN, a lavoura da juta começava a se disseminar nas várzeas do Estado do Amazonas; no município de Tomé-Açu (PA), os imigrantes japoneses cultivavam hortaliças, que eram produtos agrícolas não habituais ao consumo local. Período marcado por constante falta de gêneros alimentícios, como café, trigo, açúcar, arroz, charques, entre outros, que dependiam de transporte marítimo afetado com a extensão do conflito bélico. Esta escassez também se refletiu em produtos locais, como a farinha de mandioca e o arroz.
A atuação do IAN e de suas sucessoras contribuiu para a ampliação do conhecimento científico acerca dos recursos naturais da Amazônia, destacando-se pesquisas sobre solos, clima, vegetação e criações, e mais recentemente, das inter-relações climáticas vinculadas ao aquecimento global e seus impactos em sistemas agropecuários, assim como de inteligência e ordenamento territorial. Um testemunho dessas entregas relevantes do IAN pode ser constatado na coleção de 192 mil exsicatas da flora amazônica acumuladas no seu Herbário, iniciado em 1943, sendo a terceira maior coleção da região.
Prédio da atual Chefia-Geral
Contribuímos para o processo de domesticação de diversas espécies extrativas, como seringueira, guaranazeiro, castanheira-do-pará, cupuaçuzeiro, pupunheira, pimenta longa, açaizeiro, malva, jambu e melíponas. Outras espécies extrativas de importância econômica, como bacurizeiro, uxizeiro, ipecacuanha e curauá, tiveram sua domesticação iniciada ou técnicas de manejo estão sendo investigadas e desenvolvidas. Com isso, ampliaram-se as possibilidades da oferta extrativa, com destaque para o açaizeiro e a madeira, com produtos de melhor qualidade e criação de novas alternativas de renda e emprego, atualmente tão valorizados nas discussões sobre bioeconomia amazônica.
As práticas agrícolas com diversas culturas anuais e perenes permitiram a garantia do abastecimento regional, a formação de excedentes para exportação e matéria-prima para o setor industrial. Destacam-se cultivos de arroz, milho, caupi, mandioca, pimenteira-do-reino, dendezeiro, soja, seringueira, juta, malva, das plantas extrativas que estão sendo domesticadas, além de abacaxi e bananeira.
As pesquisas com bubalinos tornaram este Centro uma referência nacional, sem falar de bovinos, envolvendo a introdução da forrageira quicuio da Amazônia. Estudos fitossanitários e a preocupação com a redução de desmatamentos e queimadas, somando-se a piscicultura e a criação de pequenos animais, nativos e exóticos, têm também recebido a atenção dos pesquisadores da Unidade nas últimas décadas.
Na área florestal, grande foi a contribuição relacionada ao manejo florestal e as práticas silviculturais, que ensejaram a sua aplicação no setor empresarial e na redução dos impactos ambientais, além de valiosas contribuições as políticas públicas nacionais e regionais. As cinco árvores de mogno africano, plantadas em 1980, têm sido progenitoras de milhares dessas árvores no país, com destaque para Minas Gerais. As inter-relações clima-floresta ganharam, também, dimensão mundial, com a preocupação relacionado com o aquecimento global.
A Unidade tem um histórico sólido de inovações ligadas área de agroindustrialização de produtos a partir da mega biodiversidade amazônica, com destaque para criação do cupulate, produtos lácteos (iogurtes), animais (pirarucu em conserva) e de frutas (Blends e barrinhas de cereais).
Mais recentemente, a Unidade tem contribuído com a oferta de inovações na área de conectividade no agro, através da disponibilização de softwares (p.ex., manejo florestal e manejo de baixo impacto em açaizeiros nativos) para sociedade.
Destacou-se, portanto, neste pequeno ensaio, as contribuições e inovações do IAN, IPEAN, CPATU, Centro de Pesquisa Agroflorestal da Amazônia Oriental e da atual Embrapa Amazônia Oriental. Como o conhecimento científico é aditivo, associativo e multiplicativo, no espaço e no tempo e, entre instituições, cabe destacar e reconhecer a colaboração sólida e as diferentes parcerias entre as instituições de pesquisa regionais, nacionais e internacionais, além dos nossos agricultores/produtores, para o sucesso alcançado até então.
Os desafios para o futuro
A agropecuária na Amazônia, nas últimas quatro décadas, tem sido bastante criticada como grande causadora de desmatamentos e queimadas. A partir da década de 1960, quando se iniciou a abertura dos grandes eixos rodoviários, a civilização das várzeas foi suplantada pela civilização da terra firme, com predominância de ocupação nas margens das estradas. Milhares de famílias se deslocaram em direção a Amazônia na busca de sonhos e esperanças decorrentes da pobreza e falta de alternativas econômicas nos seus locais de origem, da implantação de obras de infraestrutura, da falta de terras, etc.
O desmatamento da Amazônia reduziu de 2004, com quase 2,5 milhões de hectares, para menos de 500 mil em 2015, decorrente do esforço da governança. Parece ter faltado uma política visando a utilização das áreas desmatadas, mediante utilização de fertilizantes químicos, mecanização e de alternativas econômicas mais sustentáveis. Como consequência, a partir de 2016 o desmatamento volta a crescer chegando em 2022, a cifra de 1,2 milhão de hectares de floresta densa e vegetação secundária, com destaque negativo para os estados do Pará, Amazonas, Mato Grosso e Rondônia. Seria importante que o custo de recuperação das áreas alteradas seja reduzido mediante a oferta de insumos agrícolas a preços competitivos, serviços de mecanização agrícola, assistência técnica eficiente e atuante e criação de novos mercados para os produtos amazônicos, que poderiam apressar este processo de redução e de transição florestal.
A agricultura na Amazônia é importante para garantir a segurança e soberania alimentar, produzir e ofertar matérias-primas e gerar emprego e renda as populações locais. Acredita-se, portanto, que reduzir os preços dos alimentos resultará na possibilidade de aumento da capacidade de compra das populações mais pobres e vulneráveis da região. É possível desenvolver modelos de agriculturas mais sustentáveis, inclusivos e viáveis, com a conservação, a preservação e o manejo das áreas da Amazônia sem a obrigatoriedade de abertura e/ou destruição de novas áreas. O primeiro desafio será manter/conservar a “primeira natureza” (representada pelas florestas primárias). O segundo é transformar a “segunda natureza” (representada pelas áreas desmatadas) em uma “terceira natureza”, com atividades produtivas sustentáveis e mais adequadas, recuperando-se os ecossistemas que não deveriam ter sido destruídos, como as Áreas de Preservação Permanentes (APP) (p.ex., margens de rios).
Foto: Vinicius Braga
O desafio não está em somente estancar a sangria do desmatamento crônico, mas o de transformar, urgentemente, a curva decrescente da cobertura florestal da Amazônia com reflorestamento das áreas que não deveriam ter sido desmatadas, recomposição das Áreas de Reserva Legal (ARL) e Preservação Permanente (APP), com técnicas recomendadas pela ciência. A redução da área para atividades agropecuárias e do fechamento da fronteira agrícola sinalizam para o aumento da produtividade da terra e da mão de obra como imprescindível.
Questões éticas e ambientais voltadas para a agricultura, a melhoria das condições de bem-estar da pequena produção, a domesticação dos diversos recursos da biodiversidade amazônica visando a criação de uma agricultura autóctone, que contribua para promover, por exemplo, uma revolução na aquicultura amazônica e elevação dos indicadores de segurança alimentar e de desenvolvimento humano para uma população urbana crescente e associada a uma redução absoluta e relativa da população rural brasileira.
Precisaremos, enfim, rediscutir e propor modelos novos e atuais de agriculturas para Amazônia. São os desafios que se explicitam para uma nova e realística agenda de pesquisa regional. Assim como se faz agora, a história irá efetuar seu julgamento nas próximas décadas se realmente fomos capazes de seguir o caminho correto, que refletiu na melhoria das condições de vida dos amazônidas.
Em todas essas conquistas científicas e tecnológicas, mulheres e homens sempre estiveram presentes enfrentando e superando as dificuldades inerentes a cada época. Todos carregavam sonhos e os perseguiram tenazmente – muitos o fizeram com o sacrifício de suas próprias vidas – deixando valiosas contribuições para que outros avançassem no futuro.
Aos pioneiros do passado, cujas facilidades cotidianas de hoje, como aviões, internet, celulares, satélites, laptops, etc., eram totalmente imaginárias, cabem uma parcela gigantesca dessa conquista e a nossa homenagem.
Referências consultadas
ALBUQUERQUE, M.; LIBONATI, V.F. Ipean - 25 anos de pesquisa na Amazônia: histórico, organização, pesquisas. Belém: IPEAN, 1964. 89p.
ANDRADE, E.B. (Ed. Tec.). FERREIRA, P.R. & QUADROS, M. O homem que tentou domar o Amazonas. Belém: Embrapa Amazônia Oriental, 2006. 229p.
HOMMA, A.K.O. Amazônia: os avanços e os desafios da pesquisa agrícola. Parcerias Estratégicas, Brasília-DF, v. 18, n. 36, p. 33-54, jan-jun 2013.
HOMMA, A.K.O. Ciência e tecnologia para o desenvolvimento rural da Amazônia. Parcerias Estratégicas, Brasília, v.17, n.34, p.107-130, jan./jun. 2012.
HOMMA, A.K.O. Enéas Calandrini Pinheiro: Biografia. 2ed. Belém: Embrapa Amazônia Oriental, 2007. 54p.
HOMMA, A.K.O. História da agricultura na Amazônia: da era pré-colombiana ao terceiro milênio. Brasília, Embrapa Informação Tecnológica, 2003. 274p.
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