05/05/23 |   Convivência com a Seca  Manejo de Recursos Hídricos

Medidas para minimizar efeitos da seca na Região Sul do RS são debatidas pela agricultura familiar

Informe múltiplos e-mails separados por vírgula.

Foto: Paulo Lanzetta

Paulo Lanzetta - Ex-ministro de Desenvolvimento Agrário (MDA) e atual deputado estadual, Miguel Rossetto, abordou a revitalização das bacias hidrográficas, conservação dos recursos hídricos e enfrentamento às estiagens

Ex-ministro de Desenvolvimento Agrário (MDA) e atual deputado estadual, Miguel Rossetto, abordou a revitalização das bacias hidrográficas, conservação dos recursos hídricos e enfrentamento às estiagens

No dia 5 de maio, cerca de cem pessoas participaram de reunião extraordinária do Fórum de Agricultura Familiar da Região Sul do Rio Grande do Sul (FAF), que discutiu os efeitos da estiagem e medidas de convivência com o problema. A atividade contou com a presença de autoridades políticas municipais, estaduais e federais, além de representações da agricultura familiar da região. O evento foi realizado na Estação Experimental Cascata, da Embrapa Clima Temperado (Pelotas, RS), espaço que se dedica a pesquisas com produção de base ecológica e familiar.

De início, Roberto Pedroso, chefe-geral da Embrapa Clima Temperado, falou sobre a importância do evento ser sediado na EEC, que há 85 anos realiza pesquisas na região. Segundo ele, a intenção do encontro, além de promover o debate sobre a seca, foi impulsionar o FAF a partir de uma grande reunião com a presença de autoridades políticas, de maneira a apresentar a importância das instituições da Zona Sul e discutir possibilidades, inclusive de recursos, para a construção de um projeto com foco no desenvolvimento econômico e social, e que ainda pudesse servir de inspiração a outras regiões.

Ele também destacou o papel da agricultura familiar para alimentação do país, principalmente com relação à produção de frutas e hortaliças, com segurança alimentar e sustentabilidade. Com relação à estiagem, reforçou a participação e articulação da Embrapa, bem como a disponibilidade de tecnologias para enfrentamento ao problema. “A maior parte das tecnologias para minimizar os efeitos da estiagem nós já temos na Embrapa, universidades e outras instituições de pesquisa. Falta capacitação dos agricultores nessas tecnologias e recursos para que continuemos a fazer pesquisa e extensão”, completou. 

 

Melhor condição do solo reduz risco de deficiência hídrica

O pesquisador Carlos Reisser Júnior, da área de agrometeorologia da Embrapa Clima Temperado, deu início à programação. Ele explicou que a estiagem - falta de chuvas - provoca a seca e caracterizou alguns tipos de seca. “Não podemos falar de seca só porque não teve chuva em um ano”, disse. Diferente da seca agrícola, que tem relação com as necessidades específicas de água das culturas, a seca hidrológica reduz a água de reservatórios e do solo, com reflexos muito mais significativos, como a seca socioeconômica, quando há impactos na sociedade.

Segundo ele, a seca agrícola afeta o Produto Interno Bruto (PIB) gaúcho em função da ligação da economia do Estado à agropecuária. Esse tipo de seca torna a produtividade bastante variável e dificulta o manejo das culturas. No entanto, a pesquisa tem percebido que produtores com manejo de solo mais adequado têm menos problemas. “Uma das formas de conviver com a estiagem é cuidar mais do nosso solo. Quando melhoramos a condição do solo, o risco de deficiência hídrica reduz em 10% em algumas culturas”, afirmou.

Reisser também apresentou compilações de dados resultantes de coletas diárias realizadas há 129 anos. As informações indicam que existem ciclos importantes de precipitação na região. Dos 129 anos, cerca de 57 registram chuvas acima da média e 72 abaixo da média. Ainda assim, chover na média, segundo o pesquisador, não representa o total de água necessário para as culturas. “Na nossa região, a seca é um evento comum. Há uma deficiência hídrica, no geral, quando consideramos a média”, completa. Por isso, para ele é importante pensar na mitigação da seca durante os 12 meses do ano.

 

Seca representa perdas de 1,83 bi na Região Sul em 2023

O gerente regional de Pelotas da Emater/RS-Ascar, Ronaldo Maciel, apresentou, na sequência, dados de 2003 a 2021 sobre a seca na região. Nesses 18 anos, foram registrados cerca de 8 a 10 períodos de estiagem, trazendo danos ecológicos, sociais e culturais. Ele ainda afirmou que em três anos, dos cinco com maior estiagem registrada no período, houve ocorrência do evento climático La Niña.

Também, apresentou os municípios com mais episódios de seca nesses anos e, especificamente, utilizou o termo "quadrilátero da seca" para indicar aqueles mais impactados na região: Pedro Osório, Arroio Grande, Herval e Jaguarão. Segundo ele, a região da planície costeira tem muita água, mas que não está sendo usada devidamente. Ao todo, apontou perdas na ordem de 1,83 bilhão de reais na safra 2022/2023, de acordo com os decretos dos municípios da Região Sul, já adiantando problemas para o próximo ano. “Levar água para consumo das famílias as prefeituras já fazem há muitos anos, mas é paliativo. Precisamos de uma solução permanente”, afirmou.

 

Representações sociais relatam problemas em decorrência da seca

Representando os quilombolas da região - cerca de 40 comunidades, em 17 municípios -, Nilo Dias agradeceu à chuva que caía durante a reunião e ao FAF pelo primeiro local onde as comunidades tiveram espaço para construir políticas públicas. Ele ressaltou a importância de ações das esferas federais, estaduais e municipais em função da seca, com políticas específicas para as comunidades quilombolas. “Somos o público rural que sente primeiro os impactos da seca, mas o último a ser atendido”, lamentou.

Por parte do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o assentado Adelar Preto afirmou que, para eles, a seca neste ano foi pior do que no ano passado, com efeitos danosos aos agricultores. Ele destacou o papel da Embrapa e de um Fórum permanente, como o FAF, para discutir o problema. E, ainda, reforçou a necessidade de se priorizar a criação de mecanismos contínuos para enfrentamento, em exemplo ao Nordeste. Por fim, acrescentou a importância de políticas públicas para a produção de alimentos, especialmente orgânicos.

O coordenador do Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (Capa), Roni Bonow, disse que a Zona Sul é formada por um território vivo, com mais de 40 mil famílias de diferentes naturezas, que representam um tecido social relevante no território. Para ele, no entanto, as políticas públicas não atendem essa diversidade de famílias e, portanto, não estão adequadas à realidade local. Bonow reforçou a necessidade de um debate permanente entre esse público e as diversas esferas políticas.

Para diminuir os impactos da seca, destacou a necessidade um olhar diferente sobre o território, com construção de políticas públicas específicas; valorização de tecnologias sociais; incentivo à agroecologia, modelo produtivo que suportaria melhor a estiagem; investimento em armazenagem de água; e incentivo e apoio à comercialização, ampliando as compras da agricultura familiar. “São formas de diminuir os impactos da estiagem no território, de maneira a garantir renda às famílias”, completou.

A parte de relatos teve fim com fala da representante de pescadores da região, Fernanda Colvara, que apontou problemas na quantidade e qualidade da água para a pesca desde 2019, com impacto na disponibilidade de pescado. “A gente não tem água boa para pescar”, finalizou.

 

Políticas públicas devem ter continuidade

O deputado estadual Zé Nunes, presidente da Comissão de Representação Externa da Assembleia Legislativa do RS falou sobre os resultados do trabalho dessa comissão, que buscou avaliar as políticas públicas existentes e o porquê de o Estado ter dificuldades em conviver com a estiagem e a seca, apresentando um conjunto de orientações. Na reunião, ele adiantou o conteúdo de um relatório que deve ser entregue ao governador Eduardo Leite nas próximas semanas.

O trabalho leva em consideração levantamentos feitos junto a diversas esferas com vínculo com o tema, de agricultores e entidades representativas, a órgãos públicos municipais e estaduais. “Os relatos do pessoal da pesca foram muito fortes. Quando se fala em estiagem, a primeira coisa que vem à mente é a produção. Então esses relatos são muito ricos”, avaliou.

O deputado traçou um breve histórico sobre diversos programas criados por diferentes gestões do governo estadual referentes à água e à irrigação, comparando ao que de fato foi destinado em termos de recursos à questão da falta d’água nos últimos oito anos. “Leis e políticas pensadas e repensadas estão todas prontas. Nosso problema é de continuidade. Precisamos ter política de Estado”, adiantou. 

Além de algumas ações emergenciais, segundo ele, é importante o Estado ter uma ação permanente de aprendizado e preparo para convívio com o fenômeno da estiagem e da seca. Ele também abordou questões como reservar e produzir água a partir da apropriação de tecnologias disponíveis para isso, principalmente da Embrapa.

 

Preservação e uso sustentável de bacias hidrográficas

O ex-ministro de Desenvolvimento Agrário (MDA) e atual deputado estadual, Miguel Rossetto, responsável pela Frente Parlamentar em Defesa da Revitalização das Bacias Hidrográficas, Conservação dos Recursos Hídricos e Enfrentamento às Estiagens, instituída em março deste ano, falou sobre os primeiros levantamentos desse trabalho. Para ele, é necessário compreender melhor a situação para situar o debate, trabalhar o modelo de produção atual e atualizar zoneamentos agrícolas.

Ele também reforçou que as agendas climáticas estejam sintonizadas com a realidade regional, especialmente com o Bioma Pampa, de maneira a direcionar as políticas públicas. Usando como exemplo a expansão da soja no Estado, destacou a importância de se olhar para o uso da natureza nos últimos anos, para se pensar um projeto de desenvolvimento regional, principalmente com relação ao tema da água. “A pesquisa tem que mostrar os impactos dessa velocidade gigantesca na região”, avaliou.

Ele também criticou a ausência de um sistema de informação dos recursos hídricos no Estado que realize balanços no uso e reposição das águas. Ainda chamou atenção para a necessidade de se avaliar as melhores formas de reserva de água, inclusive no solo, ao invés de apenas se investir em irrigação. E solicitou especial atenção aos comitês de bacias hidrográficas, de maneira a acompanhar e colocar esses assuntos nas agendas, com foco na elaboração de políticas públicas. “Olhar para a água que nós temos, o que estamos fazendo com ela e como vamos preservar”, completou.

 


Equipe da Embrapa presta homenagem ao ministro 
 
O relato de Rossetto teve fim com homenagem da equipe da EEC, representada pelo pesquisador João Carlos Costa Gomes, que entregou placa de reconhecimento ao ex-ministro pela destinação de recursos à Embrapa durante a sua gestão. Os mobiliários do Centro de Capacitação de Agricultores Familiares (Cecaf), prédio onde o evento foi realizado, foram adquiridos a partir de recursos do MDA à época. No entanto, a homenagem não havia sido entregue, uma vez que Rossetto não pode estar presente na inauguração do espaço, em 2014.

 

 

Carta deve ser elaborada reunindo temas discutidos

A reunião teve fim com momento de perguntas e contribuições dos participantes. Ao fim do evento, a proposta foi de elaboração de uma carta das entidades presentes e dos municípios sobre a situação da estiagem na região, com detalhamento das demandas abordadas no encontro, para encaminhamento às esferas estaduais e federais. Na ocasião, também foi comunicado que, em breve, as reuniões ordinárias do FAF devem ser realizadas de forma itinerante pelos municípios. A atividade foi conduzida pelo coordenador do FAF, o analista da Embrapa Raul Grehs.

Também participaram do evento o recém empossado superintendente do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento no RS, José Cleber Dias de Souza; o deputado federal Alexandre Lindenmeyer; e o jornalista Sadi Sapper, representando a prefeita de Pelotas/RS Paula Mascarenhas; além de vereadores, secretários de agricultura e representações dos prefeitos dos municípios da região.

Francisco Lima (13696 DRT/RS)
Embrapa Clima Temperado

Contatos para a imprensa

Telefone: (53) 3275-8206

Mais informações sobre o tema
Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC)
www.embrapa.br/fale-conosco/sac/

Encontre mais notícias sobre:

fafestiagemseca