09/05/23 |   Segurança alimentar, nutrição e saúde

Sertão alagoano recebe capacitações e debate sobre alimentação escolar

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Foto: Gustavo Porpino

Gustavo Porpino - Merendeiras aprendem sobre o uso da palma para a alimentação

Merendeiras aprendem sobre o uso da palma para a alimentação

Vivência sobre alimentação escolar, em Piranhas (AL), reuniu merendeiras, nutricionistas e gestoras públicas em diálogo e capacitações com equipes da Embrapa, Sebrae Alagoas e parceiros

A cidade de Piranhas, no sertão alagoano a 270 km de Maceió, é conhecida pelo centro histórico às margens do rio São Francisco. A proximidade com os cânions do São Francisco movimenta a cidade e gera oportunidades de valorização da produção local de alimentos para o turismo. A valorização da biodiversidade local também é relevante para enriquecer a alimentação escolar. Piranhas tem 4500 estudantes matriculados nas dezesseis escolas municipais e a conexão da agricultura familiar com a alimentação escolar é vista pelos participantes da “Vivência sobre alimentação escolar no semiárido alagoano” como uma forma de gerar mais renda no campo e ofertar uma nutrição mais saudável para a comunidade estudantil. 

A vivência, ocorrida nos dias 5 e 6 de maio no Centro Xingó de Convivência com o Semiárido, envolveu também noventa merendeiras das cidades de Piranhas (AL), Delmiro Gouveia (AL) e Canindé de São Francisco (SE). Quase a totalidade teve, pela primeira vez, a oportunidade de participar de oficinas práticas sobre uso da biodiversidade local, aproveitamento integral dos alimentos e confeitaria saudável.

“As merendeiras são agentes de mudança para que estudantes possam ter acesso a alimentos mais nutritivos da agricultura familiar”, avalia Josilene Magalhães, coordenadora do projeto Dom Helder Câmara (PDHC) no Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA). A iniciativa é executada no âmbito do PDHC, coordenado pelo MDA e cofinanciado pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida). Em Piranhas, também foi lançada a 5ª edição do Concurso de Merendeiras, coordenada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae/AL) em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac/AL) e Embrapa Alimentos e Territórios (Maceió – AL). 

Os 21 municípios da rede de cidades empreendedoras do Sebrae, em Alagoas, participam do concurso. A ação possibilita, além das capacitações a merendeiras, “incentivar as compras públicas da agricultura familiar e fortalecer as economias locais”, comenta Juliana Almeida, diretora do Sebrae Alagoas. 

Para Priscila Bassinello, pesquisadora da Embrapa Alimentos e Territórios, o engajamento com vários parceiros em prol do fortalecimento da alimentação escolar contribui para o fortalecimento de políticas públicas e reforça as possibilidades de uso da biodiversidade da Caatinga para a alimentação.

Troca de conhecimento - Dentre as noventa merendeiras capacitadas, havia quem há quase 30 anos atua com alimentação, como Amara Maria da Silva, da escola de educação básica Eudócia de Vanderlei Sandes, em Delmiro Gouveia (AL). Mesmo para as mais experientes, interagir com colegas de outros municípios e nutricionistas de diversas instituições é uma oportunidade única de melhorar a qualidade das refeições nas escolas. “Quando participei pela primeira vez, passei a fazer caldo com cascas de legumes, xerém com frango e bolo de casca de banana”, comenta. 

“Sempre que a gente faz uma comidinha regional nas escolas, como caldo de macaxeira com carne ou rubacão, é bem aceito pelos estudantes. As crianças gostam muito das frutas também, que poderiam ser em maior quantidade”, avalia Amara.

A merendeira Josimary dos Santos, que há 21 anos trabalha na escola Antônio Nunes, em Piranhas (AL), diz que aprendeu a aproveitar integralmente a melancia, abóbora e banana nos preparos para a merenda escolar. “Faço um carneiro sertanejo com a casca da melancia. Refogo a casca com o carneiro e dá um sabor diferenciado”, conta. “Também pode fazer doce, geleia e até farofa com a casca”, comenta. 

A vivência sobre alimentação escolar reuniu diversos atores do processo da alimentação escolar. Além das merendeiras e nutricionistas, gestores das secretarias de educação e agricultura de cidades do sertão alagoano participaram. Algumas cooperativas da agricultura familiar montaram uma feira com produtos locais. Além da Embrapa e do Sebrae Alagoas, as dinâmicas e debates sobre alimentação escolar contaram com representantes da Ceagesp, Escola de gastronomia social Ivens Dias Branco, ONG Banco de Alimentos (OBA), Cecane/UFBA, Cecane/UFAL e Bioativo consultoria. 

O sertão e suas riquezas - O sertanista Oswaldo Lamartine (1919-2007), autor do livro clássico Sertões do Seridó, costumava dizer que “o sertão é mais que uma região fisiográfica”. Em entrevista publicada no livro “O sertão de Oswaldo Lamartine”, editado pela UFRN em 2022, Lamartine descreve as peculiaridades do sertão: “além da terra, das plantas, dos bichos e do bicho-homem – tem o seu viver, os seus cheiros, cores e ruídos. O cheiro da água que, nos desertos, também cheira. O da terra molhada, do curral, da lenha queimada e de cada flor. O belo-horrível-cinzento dos chãos esturricados, o arrepio-verde da babugem, a explosão em ouro das craibeiras em flor. Os ruídos dos ventos, das goteiras, do armador das redes, o balido das ovelhas, o canto do galo, o estalo do chicote dos matutos, o ganido dos cachorros em noite de lua, os tetéus, o dueto das casacas de couro, os gritos do socó a martelar silêncios, os aboios, o bater dos chocalhos, o mugido do gado e tantos outros que ferem nas ouças da saudade”.

Alimentos e sertão também caminham juntos. São tradições seculares, como na arte do preparo da carne de sol e do queijo coalho. Para a nutricionista Anna Luna dos Santos, do Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição Escolar (Cecane-AL), as tradições e cultura alimentar do sertão devem estar presentes na alimentação escolar. “A umbuzada é uma tradição e faz parte da cultura sertaneja”, cita. Para Anna Lunna, não basta seguir as diretrizes do Programa Nacional de Alimentação Escolar, pode-se ir além “valorizando a cultura local e resgatando as culturas indígenas e quilombolas” para fortalecer cardápios regionais nas escolas. “Alagoas é pequeno, mas muito diverso em sua cultura alimentar”, salienta. “Os cardápios do sertão, agreste e litoral não podem ser unificados e precisam ser sazonais”, sugere.

A nutricionista Lilian Santos, do Centro colaborador em alimentação e nutrição escolar (Cecane / UFBA), também cita a importância dos cardápios estarem alinhados à cultura alimentar local. “Cada cardápio deve ser distinto, adequado ao perfil do município, e seguir a premissa do desembalar menos e descascar mais”, comenta.

As oficinas práticas contaram com preparos com umbu, licuri e palma. A palma, tradicionalmente usada para alimentação do gado, pode ser combinada em receitas criativas de pratos doces, salgados e sucos. O chef Timóteo Domingos, escritor e defensor do uso da biodiversidade da Caatinga para alimentação, participou do encerramento do encontro e apresentou preparos criativos como o brigadeiro de palma, bolo de milho com calda de palma e suco de umbu com palma.

A nutricionista Helena Menezes, da Bioativo, ressalta que as merendeiras são “ricas em conhecimento” e ao interagirem com colegas de diferentes municípios se sentem à vontade para compartilhar o preparo de receitas e aprenderem em conjunto. “Nosso papel também é fazer com que as merendeiras enxerguem a palma e outros produtos locais como comida de verdade”, salienta.

Compras públicas mais eficientes - A engenheira de alimentos Fabiane Câmara, da Ceagesp, apresentou exemplos de como fazer a descrição adequada dos alimentos para compras públicas das prefeituras direcionadas ao PNAE. O projeto de políticas públicas Hortiescolha, programa gratuito de orientação de compras de frutas e hortaliças para serviços de alimentação públicos, foi apresentado aos gestores municipais participantes. Além disso, Fabiane apresentou o projeto Escola do Sabor para ilustrar a importância de desenvolver atividades lúdicas com crianças sobre a origem e valor nutricional dos alimentos.

Aproveitamento integral e reaproveitamento - A nutricionista Natália Rodrigues, da ONG Banco de Alimentos, apresentou diversas possibilidades de aproveitamento integral dos alimentos, tais como pão com ramas de cenoura e bolo de beterraba com casca. “Aproveitar todo o alimento contribui para termos uma refeição mais nutritiva, diversifica a alimentação, gera economia e diminui a quantidade de lixo orgânico”, afirma. Natália também destacou que reaproveitar sobras da cozinha em novas receitas é uma alternativa para economizar e ofertar receitas criativas e nutritivas, tais como bolinho de arroz e tutu de feijão.

Confeitaria saudável - Para Telma Carvalho, gastrônoma da Escola de gastronomia social Ivens Dias Branco (Fortaleza – CE), a vivência sobre alimentação escolar foi uma troca de experiências enriquecedora. “Elaborar receitas com ingredientes da cultura local” contribui para a melhoria da nutrição das crianças e gera mais oportunidades de uso para o umbu, licuri e outras frutas da região. Durante a oficina prática, foram preparados bolos de licuri, abóbora, umbu, banana e iogurte, como parte de uma oficina sobre confeitaria saudável. 

Gustavo Porpino (RN648 JP)
Embrapa Alimentos e Territórios

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