30/05/23 |   Agroecologia e produção orgânica  Produção animal  Produção vegetal  ILPF

Viabilidade do sistema agrossilvipastoril orgânico é apresentada em Dia de Campo na AgroBrasília 2023

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Foto: Breno Lobato

Breno Lobato - Pesquisador João Paulo Soares apresentou o sistema agrossilvipastoril orgânico implantado na AgroBrasília

Pesquisador João Paulo Soares apresentou o sistema agrossilvipastoril orgânico implantado na AgroBrasília

Para mostrar as possibilidades de adoção do sistema agrossilvipastoril orgânico, o uso de remineralizadores e bioinsumos e as oportunidades de vendas dos produtos a programas governamentais, a Embrapa e a Emater-DF promoveram no dia 26 de maio, durante a AgroBrasília 2023, um Dia de Campo que contou com a participação de cerca de 50 pessoas, entre técnicos, estudantes e produtores.

O chefe-adjunto de Transferência de Tecnologia da Embrapa Cerrados (DF), Fábio Faleiro, destacou que com o avanço da ciência e da tecnologia, os princípios do cultivo orgânico vêm ganhando escala. “O Brasil tem uma agricultura diferente dos outros lugares. Com a adoção da tecnologia, podemos produzir com sustentabilidade”, completou. 

O pesquisador Luciano Mattos, atualmente assessor da Secretaria de Governança Fundiária, Desenvolvimento Territorial e Socioambiental do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), falou sobre o Programa Florestas Produtivas, que está em elaboração e fará parte do Plano Plurianual do MDA, tendo como objetivo de unir restauração ecológica a ambientes produtivos. Ele afirmou que o ministério tem buscado estreitar o relacionamento com a Embrapa. “A expectativa é grande e a Embrapa é uma parceira estratégica para o MDA”, disse.

Implantada em 2010 pela Embrapa Cerrados em parceria com a Emater-DF e com o apoio de produtores no Parque Ivaldo Cenci, onde é realizada a AgroBrasília, a Unidade de Pesquisa Participativa em Produção Orgânica (UPPO) tem uma área de 1,1 ha ou 11 mil m², com árvores, cultivos agrícolas e um sistema de recria de novilhas leiteiras. “Nossa ideia era implantar um modelo para avaliar o desempenho técnico e econômico desse sistema orgânico”, lembra o pesquisador João Paulo Guimarães Soares. O sistema agrossilvipastoril é uma modalidade de sistema agroflorestal, integrando ao componente agrícola, silvícola e pastoril. “É um modelo que se aplica a essas condições, inclusive, aos tamanhos das propriedades aqui do Distrito Federal”, completou.

O pesquisador falou sobre a importância das árvores no sistema, uma vez que promovem a reciclagem de nutrientes, a fixação de nitrogênio do ar no solo (se forem de espécies leguminosas), a estabilidade climática, conforto térmico aos animais, a biodiversidade, a proteção do solo contra erosão, a diversificação da produção e o aumento da renda, além de servirem como quebra-ventos, reduzindo a perda de água do solo e das plantas.

A primeira faixa do sistema agrossilvipastoril foi destinada ao plantio de capim-elefante (Pennisetum purpureum) BRS Canará, usado para corte e fornecimento no cocho aos animais no período seco do ano. Na segunda faixa foi plantado milho variedade BR 106 para produção de silagem. As faixas com pastagem foram formadas por uma gramínea (Brachiaria ruziziensis BRS Integra, tolerante ao sombreamento das árvores) e a leguminosa (Stylosanthes guianensis BRS Bela). Em 600 m², foram cultivadas mandioca de mesa Japonesinha (IAC 576-70), batata-doce e, com o objetivo de formar uma barreira viva, a Banana Prata-Anã. “O objetivo da UPPO era termos algumas das tecnologias desenvolvidas pela Embrapa em cultivo orgânico e ver qual seria o comportamento e desempenho”, explicou Soares.

Mudas de espécies de árvores exóticas e nativas do Cerrado – baru, jambo, jatobá, jenipapo e oiti – foram plantadas em faixas na área intercaladas a cada três mudas de eucalipto em linhas de 6 m de largura e entre faixas de 20 m de largura. Para evitar que os animais danificassem as árvores em crescimento, produtores sugeriram o plantio de três linhas de feijão guandu (Cajanus cajan BRS Mandarim) entre as faixas de árvores.

Por fim, foi introduzido o maracujá silvestre (Passiflora setacea) BRS Pérola do Cerrado, conduzido em espaldeiras. Segundo a pesquisadora Ana Maria Costa, a ideia foi inserir uma fruta extremamente tolerante a pragas e doenças, de fácil manejo, além de maior valor agregado. 

“Hoje, o quilo desse fruto é comercializado entre R$ 20 e R$ 25 na Ceasa-DF. Em São Paulo, só se compra esse fruto orgânico, pois ele atende às características desse mercado. Lá, ele chega a custar nas butiques de frutos R$ 40 a R$ 50 o quilo, e já foi comercializado a R$ 100, R$ 120 o quilo no Mercado Municipal. O valor pago ao agricultor está na faixa de R$ 20 a R$ 25 o quilo, o que é bem mais elevado em relação ao maracujá convencional”, disse, detalhando a dinâmica de produção do maracujá BRS Pérola do Cerrado, que é polinizado por pequenos morcegos que, durante o dia, se abrigam nas bananeiras. “É um sistema equilibrado não só do ponto de vista econômico, mas também do ponto de vista ecossistêmico”, comentou.

A adubação do sistema foi feita seguindo a Lei 10831/2003, que dispõe sobre a agricultura orgânica, e a Portaria MAPA nº 52 de 15/03/2021, que regulamenta os sistemas orgânicos de produção. Nas adubações de estabelecimento e manutenção, foram utilizados calcário, gesso agrícola e fontes de nitrogênio, fósforo e potássio permitidas pela legislação, como a cama de frango, yoorin master e biotita xisto. Antes da implantação dos cultivos, foi plantada a crotalária juncea, que ao florir foi incorporada ao solo do sistema.

Os animais introduzidos no sistema são novilhas zebuínas leiteiras meio-sangue (Jersolando, Girsey e Sinjer) filhas de pais puros, desenvolvidas no Centro de Tecnologias para Raças Zebuínas Leiteiras (CTZL) da Embrapa Cerrados. São animais de médio porte, com menor demanda proteica e energética, mas produção de leite de qualidade.

Resultados econômicos

Segundo Soares, a adubação com insumos alternativos trouxe boas produtividades para os cultivos, conforme os dados do período entre 2012 e 2015 apresentados. O milho produziu 9 t de silagem nos cerca de 1797 m² plantados, o equivalente a 53 t/ha. O capim-elefante BRS Canará alcançou até 1,5 m de altura e produziu, em 780 m², 9 t de matéria seca, 20 t de matéria verde. Em 230 m² com bananeiras, foram produzidos 793 kg de cachos de banana. Em 600 m², foram produzidas 5 t de raízes de mandioca ou 54 t/ha, patamar similar a dos mandiocultores da região. Foram ainda colhidas 23 caixas de batata-doce, o equivalente a 20 t/ha.

A área de pastagem (3740 m²) teve uma produção de 5 t de matéria seca após a adubação de manutenção e 4 t após a adubação de estabelecimento. As novilhas de recria, que haviam entrado no sistema pesando 110 kg a 140 kg, tiveram ganho médio diário de peso em torno de 700 g, e após oito meses pesavam em média 300 kg e estavam prontas para serem inseminadas. Já as árvores de eucalipto alcançaram 15 m de altura em três anos, e já podiam ser cortadas para a produção de mourões.

“Nesse período, se o produtor que tivesse uma área dessa vendesse as novilhas, a batata-doce, a mandioca, as bananas e o eucalipto no terceiro ano para mourões, ele teria, para cada real investido, um retorno de R$ 4,24. Se ele vendesse os mesmos produtos, mas o eucalipto para lenha, o retorno seria de R$ 3,29. Somente a produção orgânica, que tem um valor agregado ao produto, possibilita esse benefício-custo”, salientou o pesquisador, lembrando que as espécies de árvores nativas ainda não deram frutos, mas estão bem desenvolvidas no sistema, a exemplo do jenipapo.

Ele acrescentou que o sistema permite uma melhor distribuição da renda do produtor ao longo do ano, a diversificação dos produtos, o desenvolvimento de processos práticos e viáveis e a ecologização da área. Para mais informações sobre o sistema agrossilvipastoril orgânico implantado na AgroBrasília, clique aqui.

Remineralizadores de solo

Um dos elementos que podem ser utilizados no manejo de sistemas orgânicos são os remineralizadores de solo a partir de fontes próximas às propriedades. O pesquisador Éder Martins apontou a existência de fontes alternativas regionais de fosfatos, carbonatos (rochas calcárias) e rochas silicáticas, que são as mais abundantes em todos os continentes. 

Ele explicou que os agrominerais são rochas das quais são retirados, por processos de beneficiamento, insumos destinados ao manejo da fertilidade do solo agrícola. “Além de fazerem parte de processos de produção locais e regionais, esses insumos têm a tabela periódica dentro deles e são materiais de origem do próprio solo. Os solos tropicais são altamente intemperizados (“desgastados”), então temos condições de repor os minerais”.

Os remineralizados de solo são regulamentados pela Lei 12890/2013 e pela Instrução Normativa MAPA 05/2016, que estabelecem, entre outras exigências, a comprovação da eficiência agronômica, o tipo de granulometria e a avaliação agronômica. São atualmente 55 remineralizadores e fertilizantes registrados no País derivados de agrominerais silicáticos.

“Quando esses insumos (remineralizadores) são intemperizados no solo, além de liberarem nutrientes para as culturas, eles formam minerais novos. Nenhum outro tipo de insumo gera isso, que ocorre de forma especial em condições de clima tropical”, disse Martins. Ele explicou que a formação de minerais novos nos solos tropicais contribui para a regulação do comportamento dos nutrientes, o componente biológico da interação planta-solo e a água no solo.

A remineralização, dessa forma, consiste na renovação de solos profundamente intemperizados com a adição de minerais primários moídos (pós de rocha), que são transformados em novas fases minerais, liberam nutrientes e contribuem para a correção do solo. Segundo Martins, o processo ocorre com maior eficiência em solos tropicais, pois neles há um predomínio de cargas elétricas positivas (cátions), enquanto os remineralizadores fornecem cargas negativas de origem mineral, o que favorece a estabilização da matéria orgânica, a estrutura física e o aumento da atividade biológica do solo.

Existem cinco grupos de agrominerais silicáticos, e cada um tem papéis e efeitos diretos diferentes quanto à correção do solo, ao fornecimento de nutrientes e à formação de minerais novos: basaltos (ricos em cálcio e magnésio), rochas calcissilicáticas (cálcio), rochas ultramáficas (magnésio), rochas alcalinas (potássio) e rochas ultramáficas alcalinas (cálcio, magnésio e potássio).

Segundo dados de estudo do Serviço Geológico do Brasil e da Embrapa apresentado por Martins, o maior potencial de ocorrência desses insumos próximos às áreas agrícolas está concentrado na região Centro-Sul do Brasil, onde 100% dessas áreas estão a menos de 300 km de uma potencial fonte de rochas que podem ser usadas como remineralizadores. “Temos 55 produtos registrados, mas sabemos que podemos criar, só com a mineração já existente, no mínimo 500 novos produtos”, afirmou, acrescentando que os remineralizadores já são usados em 8% (5,3 milhões ha) da área agrícola brasileira, sendo 7 milhões de toneladas consumidas entre 2019 e 2022. Além disso, a taxa de recompra dos produtos é de 85%.

O pesquisador reforçou a necessidade de se buscar cada vez mais soluções locais e regionais. Nesse sentido, a sustentabilidade na agricultura é alcançada pelo tripé formado pela base mineral (agrominerais regionais), o uso de bioinsumos (equilíbrio biótico) e o manejo do solo, que deve estar coberto o ano todo.

Produtor rural e responsável técnico da Cooperativa Agropecuária da região do Distrito Federal (COOPA-DF), Cláudio Malinksi falou sobre a experiência pessoal com os remineralizadores. Há quatro anos, ele aplicou pó de rocha com esterco bovino em um talhão da propriedade e, no ano passado, iniciou a aplicação em outro talhão. No talhão mais antigo, onde cultiva soja e depois sorgo, tem obtido pelo menos 15% mais produtividade em relação a áreas onde não foi usado o pó de rocha. 

“Não recomendo retirar os adubos convencionais, pois o remineralizador não vai substitui-los. Mas ele vai colaborar, facilitar a interação entre a biota do solo, as raízes das plantas e os minerais. Posso afirmar que vai haver aumento de produtividade com o uso de adubo orgânico e remineralizador. É uma excelente opção para a agricultura brasileira continuar a ser competitiva”, afirmou Malinski.

Na área onde o pó de rocha foi aplicado no ano passado, a produtividade da soja foi de 78 sc/ha, quando normalmente era de 65 sc/ha, e os grãos, segundo o produtor, ficaram mais pesados. “Como minha fazenda é pequena e não posso aumentar a área, tenho que buscar o máximo de produtividade usando todas as tecnologias disponíveis”, argumentou, acrescentando que também utiliza bioinsumos.

Compras governamentais

Marília Mergulhão de Freitas, técnica da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), falou sobre o Programa de Aquisição e alimentos (PAA), que está com processo aberto para entrega de projetos para aquisição de alimentos até 14 de junho. 

O PAA é o programa do governo federal que permite a compra de produtos diretamente da agricultura familiar e busca assegurar preços remuneradores aos produtores, gerar renda e promover melhorias na condição de alimentação das pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional. As operações do programa são realizadas diretamente com as associações e cooperativas de agricultores e povos e comunidades tradicionais. Os produtores cadastrados realizam as entregas.

Com isso, o PAA apoia a comercialização de produtos dos diversos segmentos da agricultura familiar, incluindo povos e comunidades tradicionais; destina alimentos à rede socioassistencial, bancos de alimentação e nutrição, cozinhas comunitárias e restaurantes populares; valoriza a cultura alimentar local e dinamiza a economia; além de melhorar a qualidade dos produtos da produção familiar rural, incentivando o manejo agroecológico dos sistemas produtivos e o resgate e a preservação da biodiversidade.

No caso de produtos orgânicos e agroecológicos, o PAA, conforme definido em lei, paga até 30% a mais que o da tabela da Conab quando não existe preço de mercado para comparação. Os projetos agroecológicos e orgânicos recebem uma pontuação maior no PAA, assim como projetos com a participação de mulheres. As informações sobre o preenchimento das propostas estão disponíveis aqui.

“As propostas são ranqueadas e, na medida em que o recurso for sendo liberado, os autores das propostas aceitas são chamados para entrega de documentação. E aí serão iniciadas as entregas nas unidades recebedoras. O principal intuito da Conab é facilitar a transferência do recurso do governo federal para a associação”, explicou Freitas.

Princípios para o uso de bioinsumos

O coordenador de Agroecologia e Produção Orgânica da Emater-DF, Daniel Oliveira, lembrou que de 30% a 70% dos açúcares produzidos pelas plantas na fotossíntese são liberados no sistema radicular, servindo de alimento para comunidades de diversos microrganismos do solo. 

“As plantas vivas alimentam a biologia do solo de forma muito mais eficiente que qualquer sistema que colocarmos. A partir disso, temos que buscar sempre as plantas para alimentar o sistema. Quanto mais andares e superfícies de contato (de plantas), mais fotossíntese e mais saúde para o sistema”, afirmou, destacando essa característica dos sistemas agrossilvipastoris.

Oliveira apontou os três princípios do Grupo Associado de Agricultura Sustentável (GAAS): uso de plantas e cobertura do solo, sobretudo vivas; uso de remineralizadores de solo; e uso de bioinsumos. Além de salientar a necessidade de conhecer esses princípios, ele recomendou que o produtor observe as condições ambientais da propriedade antes de utilizar as tecnologias e tomar decisões de manejo do sistema. 

“Temos que estar atentos não somente ao que a gente quer, mas ao que o ambiente permite e a como construir soluções integradas usando esses princípios”, afirmou.

O Dia de Campo foi encerrado com uma visita à UPPO, com explicações sobre os detalhes da implantação e dos componentes do sistema agrossilvipastoril orgânico dadas pelos pesquisadores João Paulo Soares, Éder Martins e Ana Maria Costa.

Breno Lobato (MTb 9417-MG)
Embrapa Cerrados

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