02/05/23 |

50 anos de pesquisas para a agricultura de base ecológica e sustentável

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Foto: Nátia Elen Auras

Nátia Elen Auras -

Longe das buzinas e dos engarrafamentos das grandes cidades, a área de 862,5 hectares da Embrapa Agrobiologia se destaca em meio à pequena cidade de Seropédica, na região metropolitana do Rio de Janeiro. A tranquilidade do local esconde, entre salas, laboratórios, áreas verdes, fazenda e campo experimental, um contingente de mais de 200 pessoas, entre empregados, colaboradores, estudantes e funcionários terceirizados.

 

Instituída oficialmente em 1989, a Embrapa Agrobiologia produziu resultados importantes para o agronegócio. Um breve levantamento mostra avanços que contribuíram para diferentes áreas da agricultura brasileira: desde a efetiva utilização de inoculantes bacterianos para a fixação biológica de nitrogênio em diversas culturas – notadamente a de soja, que gera uma economia anual de mais de US$ 10 bilhões – até a restauração ambiental em áreas de preservação permanente e a recuperação de áreas degradadas em diferentes níveis e biomas. 

 

Já na década de 1960 a agricultura brasileira apresentava evidentes sinais de modernização, em consonância com o que ocorria no restante do mundo. A introdução de máquinas, equipamentos, fertilizantes, defensivos agrícolas e ferramentas gerenciais aos poucos foi mudando o caráter essencialmente familiar e lançou as bases para a formação das agroindústrias e do agronegócio. 

 

Na década de 1980 entrava em cena a ampla discussão sobre organismos geneticamente modificados e transgênicos na agricultura como uma possibilidade para tornar as culturas mais resistentes e produtivas e para alterar características dos alimentos originais. Não na Agrobiologia. “O grande mote da época era a biotecnologia e sua aplicação na agricultura. Havia muitas controvérsias e, no final, a agricultura baseada nessa tecnologia está hoje implantada em algumas commodities”, aponta o pesquisador José Ivo Baldani. “Mas na Unidade, foi nessa mesma época que tiveram início as pesquisas sobre agricultura orgânica, como um contraponto a esse cenário”, completa.

 

De fato, a história da Embrapa Agrobiologia coincide com a evolução da agricultura orgânica e da agroecologia no Brasil, que se fortaleceram após os movimentos em prol da agricultura alternativa no início da década de 1990. Em 1993, foi fundada a Fazendinha Agroecológica Km 47. 

 

O pesquisador José Guilherme Guerra, na Embrapa desde 1989, explica que uma das preocupações da pesquisa na Unidade sempre foi a eficiência no aproveitamento de nutrientes em sistemas agrícolas de produção sustentável. “Neste contexto se insere nossa contribuição em diferentes sistemas de produção agrícola, ditos convencionais e naqueles que originalmente eram chamados de alternativos – ou, como definidos atualmente, de agriculturas de base ecológica: orgânica, agroecológica, biodinâmica, natural, urbana, entre outras”, diz Guerra, lembrando que o foco desses sistemas é a agricultura de base familiar.

 

Das leguminosas às espécies florestais

 

Ainda na década de 1990, outra linha de pesquisa que começou a ganhar força foi a de recuperação de áreas degradadas (RAD), especialmente após a Constituição Federal de 1988, que estabelece que quem degrada o meio ambiente ou deixa algum passivo ambiental é responsável por sua recuperação. “No início trabalhávamos basicamente com leguminosas florestais, vendo o potencial de uso dessas plantas na propriedade rural. Quando começamos a fazer os primeiros ensaios, percebemos como as leguminosas inoculadas cresciam melhor e foi aí que vislumbramos o potencial da tecnologia”, conta o pesquisador Eduardo Campello. 

 

Ele conta que o início dos trabalhos de recuperação de áreas degradadas envolvendo a inoculação de rizóbios ou micorrizas em leguminosas florestais foi inspirado em um trabalho da pesquisadora Johanna Döbereiner que mostrava que o sabiá (Mimosa caesalpiniifolia) nodulava e fixava nitrogênio. A pesquisa na temática se consolidou como pioneira e a própria técnica evoluiu muito, já tendo sido utilizada em encostas, voçorocas e também em áreas de mineração e exploração petrolífera. “No começo a gente trabalhou com muitas espécies que tinham rápido crescimento, mas muitas eram exóticas. Hoje, procuramos trabalhar só com nativas, evitando usar espécies que possam se tornar invasoras”, destaca.

 

Campello também cita outros destaques da pesquisa na área ao longo das décadas, como o Fertleg (fertilizante de leguminosas) e os corredores agroflorestais. “Antes o que se propunha eram corredores florestais para interligar fragmentos de mata. No entanto, por se localizarem em propriedades rurais e não gerar receitas, os produtores não se sentiam motivados. Conseguimos mostrar que era possível ter a função de abrigo e trânsito para a fauna silvestre e também gerar receita na propriedade”, lembra.

 

Foi também nos anos 1990 que a pesquisadora Johanna Döbereiner e sua equipe descobriram a bactéria Gluconacetobacter diazotrophicus, enquanto estudavam plantas de cana-de-açúcar. Com isso, começaram as pesquisas para o desenvolvimento de um inoculante para a planta capaz de fixar o nitrogênio e contribuir para o seu crescimento, culminando na associação de cinco bactérias diferentes. “A Agrobiologia teve o privilégio de indicar a primeira bactéria ‘do bem’ para ser sequenciada pelo Consórcio RioGene, que envolveu diferentes instituições, como UFRJ, UERJ, UENF, UFRRJ, PUC, entre outras”, diz Baldani. “Ainda hoje o estudo é essencial para apoiar as pesquisas de interação entre cana-de-açúcar e bactérias diazotróficas envolvendo as ferramentas de proteômicas e transcriptômicas, que são de domínio da Embrapa Agrobiologia”, completa. Como resultado, em 2018, em parceria com a iniciativa privada, foi feito o lançamento no mercado do primeiro inoculante para cana-de-açúcar.

 

Mudanças climáticas e enfrentamento de tragédias ambientais

 

Campello também cita outras duas linhas de pesquisa que deram bons resultados: o uso do capim-elefante como fonte de energia para produzir cerâmica vermelha (tijolos e telhas), em substituição ao gás natural ou lenha, e o levantamento de emissões de gases de efeito estufa pela agricultura brasileira, que mostrou que a emissão de óxido nitroso (N2O) é pelo menos 50% menor do que o estimado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês), o que significa uma redução nas estimativas de emissões totais de gases de efeito estufa (GEE) da agropecuária nacional na ordem de 10%. 

 

A preocupação com as mudanças climáticas e a mitigação de GEE começou a ganhar cada vez mais a atenção da sociedade no fim dos anos 2000. Nesse cenário, a pesquisa em ciclagem de nutrientes se destacou na Embrapa Agrobiologia, que passou a atuar colaborativamente com outras Unidades e instituições de pesquisa na quantificação de emissão de gases pela agropecuária brasileira, contribuindo essencialmente para o Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono). A intensificação do uso da FBN na agricultura, em substituição aos fertilizantes nitrogenados, é uma das alternativas sugeridas para reduzir a emissão de dióxido de carbono.

 

Outro destaque da história da Unidade foi a implantação, em 2007, do Núcleo de Pesquisa e Treinamento para Agricultores (NPTA) em Nova Friburgo, na região serrana fluminense, em parceria com a prefeitura e com a atuação também das outras duas Unidades da Embrapa no Rio de Janeiro (Solos e Agroindústria de Alimentos). O NPTA teve importância fundamental também na reconstrução e no restabelecimento da agricultura serrana após as enchentes e deslizamentos de terra de janeiro de 2011, uma das maiores tragédias ambientais da história do País.

 

“Na época formamos uma rede sociotécnica junto com outras instituições e associações de agricultores e, com recursos do programa Rio Rural, foi feita a reposição de perdas e o estímulo a práticas ambientais favoráveis”, resume Renato Linhares, pesquisador que atua na serra fluminense desde 2008. Após a tragédia, o uso da aveia-preta como adubo verde em plantios, principalmente no período de inverno, foi amplamente adotado, o que influenciou no comércio local, que passou a ter sementes de aveia-preta sempre disponíveis. 

 

O NPTA também se destaca nas pesquisas sobre desenvolvimento sustentável em ambientes de montanhas e, mais recentemente, é protagonista de pesquisa para alavancar a cultura de lúpulo no País. A exemplo de outras culturas em que os produtores já utilizam bioinsumos para potencializar a produtividade, experimentos com mudas inoculadas com a bactéria Azospirillum possibilitaram aumento de 52% de biomassa na parte aérea da planta. “Nossa perspectiva é obter um bioinsumo que estimule a produção de mudas mais vigorosas, com menor tempo de viveiro e que reflitam em benefícios em relação à produtividade e, quem sabe, até na qualidade sensorial do lúpulo”, explica o pesquisador Gustavo Xavier, que coordena as pesquisas sobre a temática na região serrana

 

Referência em insumos biológicos 

 

Atualmente, um dos principais focos da Unidade é a pesquisa e a produção de insumos biológicos baseados em microrganismos. Instalado em 2017, o Centro de Recursos Biológicos Johanna Döbereiner (CRB-JD) conserva cerca de 5 mil bactérias e 50 fungos micorrízicos arbuscuares e é cadastrado pelo Ministério da Agricultura como laboratório referência no controle de qualidade de inoculantes. “Para os próximos 50 anos, a Unidade tem a possibilidade de fortalecer a expertise relacionada aos bioprodutos”, destaca a pesquisadora e chefe-geral da Embrapa Agrobiologia, Cristhiane Amâncio. 

 

“Temos uma oportunidade ímpar de consolidar essa contribuição, que nem sempre se dá com o lançamento efetivo de produtos, mas também com o reconhecimento de sermos um espaço de inteligência e competência técnico-acadêmica sobre a dinâmica da biologia na agricultura, seja com microrganismos, seja com manejo da fertilidade, com a dinâmica da biomassa, com as contribuições que as florestas e a própria produção agropecuária de forma integrada possibilitam”, acrescenta. 

 

Outros resultados:

Liliane Bello (MTb 01766/GO)
Embrapa Agrobiologia

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