Pesquisadores explicam o papel dos filmes e revestimentos comestíveis na proteção de alimentos
Pesquisadores explicam o papel dos filmes e revestimentos comestíveis na proteção de alimentos
Pesquisadores da Embrapa Instrumentação (São Carlos – SP) e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) elaboraram um artigo de revisão gráfica, curto e ilustrativo, com a proposta de apresentar os possíveis papéis dos filmes e revestimentos comestíveis em alimentos, bem como os avanços e desafios no uso destas soluções. O conteúdo didático ainda facilita a compreensão sobre a função desempenhada por cada um deles.
Os filmes e revestimentos comestíveis podem servir como embalagem primária, manutenção de níveis de atividade de água entre os componentes dos alimentos, controle da transferência de massa em alimentos processados, veiculação de componentes ativos ou servindo como fontes de apelo sensorial.
Mas os pesquisadores esclarecem que essas estruturas, formadas por camadas finas de base macromolecular, não são meros materiais de embalagens e, às vezes, nem desempenham papéis relacionados a elas. No entanto, podem desempenhar duas ou mais funções simultaneamente dependendo da aplicação.
Um exemplo apontado pela engenheira de alimentos da Embrapa Instrumentação (São Carlos – SP), Henriette Monteiro Cordeiro de Azeredo, é a utilização de um filme entre os componentes de uma pizza. A pesquisadora é a primeira autora do artigo de revisão gráfica Edible films and coatings – Not just packaging materials, publicado no volume 5 da revista Current Research in Food Science.
A revisão gráfica trata das questões relacionadas com a apresentação e com a composição visual do texto. Neste tipo de material, os pesquisadores apresentam os resultados dos estudos de diferentes formas, como gráficos, tabelas, imagens e esquemas.
Segundo a pesquisadora, é um recurso utilizado na elaboração de artigos curtos e estruturados para transmitir ideias sobre um tema de grande interesse, com o objetivo de facilitar a compreensão pelo leitor, e ainda servir de ferramenta didática em salas de aulas, por exemplo.
Papéis desempenhados
“Projetado para atuar como uma barreira à umidade, o filme pode ser formulado com ingredientes sensoriais atraentes de forma a enriquecer essas propriedades da pizza, mas também pode conter um composto antimicrobiano para estender a estabilidade microbiológica de componentes suscetíveis, como queijo e molho de tomate”, explica Azeredo.
De acordo com o professor do Departamento de Engenharia de Materiais (DEMa) da UFSCar, Caio Gomide Otoni, um dos autores do artigo, os filmes e revestimentos comestíveis têm sido estudados como camadas protetoras para aplicação em produtos alimentícios, estendendo sua estabilidade, principalmente por atuarem como barreiras protetoras. Mas os filmes diferem dos revestimentos em sua forma de aplicação .
“Os filmes são estruturas autônomas formadas separadamente, enquanto os revestimentos são formados diretamente na superfície do alimento”, esclarece o professor, que é pesquisador colaborador no Laboratório Nacional de Nanotecnologia aplicada ao Agronegócio (LNNA), sediado na Embrapa Instrumentação.
Os pesquisadores dizem que os filmes e revestimentos comestíveis devem ser considerados como parte do alimento e não do sistema de embalagem, embora possam desempenhar esta função, como muitas vezes o fazem.
Para o pesquisador da Embrapa Instrumentação, Luiz Henrique Caparelli Mattoso, que também participou do artigo, os possíveis papéis devem ser explorados de forma a maximizar seus benefícios tanto para a estabilidade e segurança dos alimentos como para a experiência sensorial do consumidor, incluindo benefícios para a saúde.
Uma das funções dos filmes e revestimentos apontadas por Mattoso é a de desempenhar o papel de embalagem primária, mas apenas no caso de haver uma secundária. “A embalagem primária é aquela que entra em contato direto com o alimento. Alguns produtos contêm, além desta embalagem, também uma secundária, mais externa”, explica o pesquisador.
Este é o caso de alguns cereais matinais, acondicionados em sacos plásticos, que são as embalagens primárias. Segundo Mattoso, as embalagens primárias atuam, principalmente, como barreira ao vapor de água, minimizando alterações de textura, dentro de uma caixa de papel cartonado, que é a embalagem secundária. Esta, por sua vez, fornece proteção mecânica, barreira à luz e comunicação, como nome do produto, informações nutricionais, enfim, tudo isso é impresso na embalagem
Outro exemplo é a caixa de bombons de chocolate. Cada um dos bombons é acondicionado em embalagem primária, com uma secundária agrupando-as em uma unidade vendável e protegendo-as de contaminação. “Neste caso, os filmes e revestimentos comestíveis são mais apropriados para substituir as embalagens primárias”, afirma Mattoso.
Apelo sensorial
A engenheira de alimentos Henriette Azeredo chama a atenção para o uso de sachês como embalagem primária para produtos particulados, que devem ser misturados a outros componentes alimentares, como iogurte, ou solubilizados em água, a exemplo de bebidas e sopas.
“Embora os sachês geralmente não sejam comestíveis, os que são contribuem para a redução do descarte de resíduos, podendo até carregar compostos de sabor, contribuindo para toda a experiência sensorial. Mas há o caso de ingestão acidental de sachês, que não é um problema quando o sachê e o seu conteúdo são comestíveis”, lembra a pesquisadora.
Ela diz que uma matriz de sachê deve basear-se em uma variedade de fatores, incluindo a selabilidade a quente, propriedades de tração, para suportar o conteúdo, propriedades de barreira, que têm a função de minimizar a degradação química do conteúdo.
Propriedades reológicas também devem ser consideradas, uma vez que as alterações de viscosidade podem ser desejáveis ou não, dependendo do que se deseja como resultado final do produto.
Os pesquisadores ainda relatam que os filmes e revestimentos comestíveis podem reduzir a migração de água em produtos alimentícios multicomponentes, como pizzas, cones de sorvete e sobremesas congeladas. Além disso, eles podem reduzir a transferência de massa no processamento de alimentos, em caso de fritura, por exemplo.
“No caso da batata frita, é possível revestir as tiras, antes da fritura, com uma camada de macromoléculas hidrofílicas para criar uma barreira e restringir a absorção de óleo, considerada um efeito colateral indesejável, tanto do ponto de vista sensorial, porque as tiras ficam encharcadas e menos crocantes, como do ponto de vista da saúde”, diz a engenheira de alimentos.
Os filmes e revestimentos comestíveis ainda podem ter componentes de apelo sensorial, como os produzidos a partir de purês de frutas e ou vegetais. Com esses componentes, os filmes podem ser consumidos sozinhos como snacks.
“Além de fornecerem propriedades sensoriais desejáveis, ainda podem contribuir para a melhoria das propriedades mecânicas do material, porque contêm biomacromoléculas filmogênicas e açúcares plastificantes”, afirma Azeredo.
Outro papel que pode ser desempenhado pelos filmes e revestimentos comestíveis é o de portadores de componentes ativos. Nesta função, os pesquisadores dizem que eles são capazes de prolongar a estabilidade dos alimentos por mecanismos diferentes daqueles relacionados aos meros efeitos de barreira .
“Filmes e revestimentos comestíveis ativos podem liberar compostos que aumentem a estabilidade dos alimentos (ex: antimicrobianos e antioxidantes), ou absorver compostos que reduzam esta estabilidade (ex: etileno, vapor de água e oxigênio)”, avalia a pesquisadora.
Os pesquisadores ainda afirmam que os filmes e componentes comestíveis também podem incorporar componentes bioativos que conferem benefícios à saúde dos consumidores, como os que contêm probióticos.
No entanto, eles não descartam estudos futuros, necessários para aumentar a viabilidade do processamento em larga escala de filmes comestíveis, bem como para melhorar o desempenho físico dos materiais, mantendo seu caráter de qualidade alimentar e segurança.
“Um dos maiores desafios é criar estruturas comestíveis biomiméticas que reproduzam o desempenho mecânico e de barreira das cascas dos frutos, perseguindo a difícil tarefa de imitar a mãe natureza”, concluem.
Limitações
Mattoso, escolhido recentemente para receber o Prêmio ABPol “Profª. Eloisa Mano” 2023 da Associação Brasileira de Polímeros pelo trabalho que desenvolve em ciência dos materiais, diz que o principal componente dos filmes e revestimentos é uma biomacromolécula comestível, geralmente polissacarídeo e ou proteína, capaz de formar uma camada contínua e coesa.
“Embora o material resultante seja uma camada coesa que pode beneficiar a estabilidade alimentar, os filmes e revestimentos comestíveis geralmente não são capazes de substituir completamente os plásticos convencionais à base de fósseis para aplicações de embalagem ”, afirma o engenheiro de materiais.
Entre os obstáculos para atuar como embalagem, o pesquisador destaca as limitações das biomacromoléculas para substituir os polímeros convencionais, a maioria se degrada em temperaturas próximas – geralmente inferiores – aos seus pontos de fusão, tornando os métodos tradicionais de processamento térmico desafiadores.
Outra fragilidade é que as biomacromoléculas geralmente levam a propriedades limitadas de tração e barreira, implicando em menor desempenho para aplicações de embalagens clássicas.
“A natureza hidrofílica da maioria das biomacromoléculas é outra desvantagem, tornando os filmes altamente permeáveis ao vapor de água e sensíveis ao contato com superfícies úmidas, restringindo assim algumas aplicações”, observa o professor da UFSCar, Caio Otoni.
As biomacromoléculas ainda têm o uso limitado devido ao seu custo relativamente alto, embora possam ser isoladas de matérias-primas baratas e abundantes, como perdas e desperdícios de alimentos. No entanto, os processos de isolamento envolvem métodos demorados e caros.
O estudo recebeu o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Rede de Nanotecnologia aplicada ao Agronegócio (Rede Agronano), liderada pela Embrapa Instrumentação.
Vanguarda na pesquisa
Os filmes e revestimentos comestíveis já integram temas de pesquisa da Embrapa Instrumentação há cerca de duas décadas. Graças a introdução da nanotecnologia e estudos com novos materiais realizados por Mattoso, às inovações em diversas áreas do conhecimento, baseadas em matérias-primas sustentáveis, têm avançado no cumprimento do papel de preservar a qualidade e aumentar o tempo de vida útil de frutas e hortaliças.
Um exemplo é a nanoemulsão de cera de carnaúba, um revestimento já produzido em escala comercial e utilizado dentro e fora do Brasil para preservar frutos, como manga, limão, pimentão e tomate.
Joana Silva (MTb 19554)
Embrapa Instrumentação
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Tradução em inglês: Ana Maranhão
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