Terra Preta de Índio ajuda a confirmar presença humana na Amazônia desde a antiguidade
Terra Preta de Índio ajuda a confirmar presença humana na Amazônia desde a antiguidade
Foto: Morgan Schmidt
Solos antrópicos tornaram-se férteis e com elevados estoques de carbono, disponibilizando material que aumenta a biodiversidade de microrganismos . Na foto, coleta de amostras de solo na aldeia Ipatse (Kuikuro) em 2018
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Artigo publicado no periódico Science Advances apresenta pistas da presença humana na Amazônia pré-colombiana graças à ocorrência da chamada Terra Preta de Índio (TPI) elaborada por povos tradicionais da região como substrato fértil para plantações. “A população atual ainda usa os sítios antigos. São descendentes das anteriores e continuam com práticas que resultam em solos antrópicos (modificados pelo homem), as chamadas Terras Pretas de Índio, criando um solo fértil intencionalmente”, revela o arqueólogo Morgan Schmidt, do Laboratório de Estudos Interdisciplinares em Arqueologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), primeiro autor do trabalho. Ele aponta que, no Alto Xingu, foram registradas datações de cinco mil anos atrás, a maioria datando entre 500 e 1,2 mil anos. Na Serra dos Carajás, no Pará, existem datações de até 11,8 mil anos atrás e há datas antigas para o Alto Tapajós também.
O pesquisador da Embrapa Solos (RJ) Wenceslau Teixeira, coautor do artigo, conta que foram realizadas várias análises, em especial em sítios arqueológicos do Território Indígena do Xingu (TIX), onde existem sítios de antigas aldeias e moradores indígenas. O trabalho foi feito com os Kuikuro, etnia com a maior população no Alto Xingu. Nesse território foram encontradas Terras Pretas de Índio antigas, remanescentes desse povoamento que viveu lá há mais de mil anos. Ainda hoje, no mesmo local, vive uma população em processo de formar novos solos férteis por meio do manejo de resíduos, principalmente orgânicos, que são carbonizados e queimados.
O artigo teve também abordagem antropológica. Em conversas com os indígenas, foi constatado que eles usam uma palavra para as Terras Pretas feitas pelos seus ancestrais e outra para se referir à que está sendo produzida atualmente.
O artigo tem a participação de cientistas de diferentes áreas do conhecimento, como a ciência do solo, que teve participação da Embrapa e da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP) nas análises de teores de carbono no solo. “Contou também com arqueólogos e antropólogos, com estudos que envolveram a participação dos indígenas, a análise do povo, do modo de vida, do solo e a interpretação da ocupação da aldeia, despertando um interesse maior”, explica Teixeira.
Ele relata que as evidências apontam para a existência passada de densas e complexas populações nessa região amazônica. No centro desse debate está a ocorrência de solos antrópicos que se tornaram férteis e com elevados estoques de carbono, disponibilizando material que estimula o crescimento das raízes das plantas e aumenta a biodiversidade de microrganismos no solo.
Na Região Norte do Brasil, as Terras Pretas de Índio (TPI) ocupam, segundo estimativas dos pesquisadores, extensas áreas como as encontradas em Santarém, no Pará, e Iranduba, no Amazonas. Suas possíveis fontes de nutrientes incluem ossos, animais, peixes, cinzas, palhas, cascas e até excrementos humanos. Acredita-se que o segredo da sua fertilidade é a mistura de cinzas, restos animais e vegetais e carvão. Quando comparadas ao solo adjacente, as TPI revelam estoques superiores de carbono, fósforo, cálcio, manganês e estrôncio.
“Se existiam os astecas no México, os maias na América Central, por que na Amazônia não haveria uma população densa? Por aqui não havia pedras [vestígios] de pirâmides ou templos, mas podemos dizer que a Terra Preta é uma marca dessa presença humana”, observa Teixeira. O pesquisador explica que, para modificar o solo na vasta extensão em que foi encontrada, supõe-se que muita gente ocupou o local durante bastante tempo. “Com isso, a TPI tem um papel importante nesse debate, pois é um tipo de solo que assume um papel de artefato, como se fosse uma prova de que existiam grandes civilizações na Amazônia”, declara o pesquisador da Embrapa.
Solos antrópicos não são um fenômeno restrito à Amazônia, mas as ocorrências de áreas de TPI nas áreas de latossolos e argissolos pouco férteis são um notável exemplo de modificação realizada pelo homem. “Um aspecto positivo desse debate é que você tem um exemplo da civilização não só destruindo o ambiente, mas, ao contrário, manejando o solo e deixando um legado para as próximas gerações”, destaca Teixeira.
Participação do povo indígena na pesquisa
Para o entendimento do fenômeno da formação da TPI, a participação de representantes do povo Kuikuro que habita o TIX foi fundamental. Sete indígenas Kuikuro também são autores do artigo. “Geralmente temos mais trocas com os nossos pares, mas, para questões complexas, é preciso nos juntar a outros grupos. Eu fico contente de a Embrapa estar participando desses debates com participação plural”, frisa Teixeira.
O pesquisador acredita que o resgate do conhecimento ancestral e das práticas atuais do manejo do solo das populações indígenas pode indicar estratégias e direções para o manejo da própria Amazônia. “Temos que aprender com as práticas sustentáveis dos povos indígenas do Brasil para ajudar a manejar e preservar as diversas riquezas da Amazônia na forma de biodiversidade, diversidade cultural, água e patrimônio histórico. A tecnologia do uso de carvão vegetal como condicionador de solo (biocarvão) foi desenvolvida a partir de conhecimentos oriundos dos estudos das TPI, indicando um caminho a ser seguido”, exemplifica o cientista da Embrapa.
Carlos Dias (MTb 20.395/RJ)
Embrapa Solos
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Tradução em inglês: Mariana Medeiros (13044/DF)
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