Projeto Paisagens Alimentares capacita quilombolas e marisqueiras em PE
Projeto Paisagens Alimentares capacita quilombolas e marisqueiras em PE
Um grupo formado por 45 agricultores familiares e jovens da Comunidade Quilombola Engenho Siqueira e da Associação das Marisqueiras de Sirinhaém (AMAS) participou entre os dias 4 e 6 de março de mais um ciclo de capacitações técnicas oferecidas pelo projeto Paisagens Alimentares, coordenado pela Embrapa Alimentos e Territórios. O treinamento aconteceu no Centro de Educação Ambiental do SESC Guadalupe, em Barra de Sirinhaém (PE) e teve como foco principal a atividade pesqueira.
Atualmente, tanto o território quilombola quanto o das marisqueiras compartilham o mesmo manguezal (foto), localizado na Área de Proteção Ambiental (APA) de Guadalupe. Os quilombolas oferecem aos turistas a trilha ecológica “Descobrindo o Manguezal”, e as marisqueiras realizam o “Caminho das Marisqueiras”, conduzindo os turistas por uma “trilha” no mangue para vivenciar aspectos ambientais e ecológicos do ecossistema local e conhecer as práticas culturais que permeiam a coleta do aratu, ostra, marisquinho e sururu.
O pesquisador Adriano Prysthon, da Embrapa Alimentos e Territórios, abordou com o grupo os princípios de participação para a construção de uma mentalidade que possa melhorar a governança da comunidade pesqueira local. Prysthon, que é engenheiro de pesca pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), falou sobre a eficácia do trabalho em conjunto e sua importância afetiva, que é a segurança do trabalho em sociedade.
“Fiz um panorama geral sobre as principais escalas de participação até chegar ao controle cidadão, que é o nível mais alto da participação, onde mesmo os mais excluídos podem intervir nas tomadas de decisão, mas com uma responsabilidade e o dever correspondente assumido”, explicou.
Os grupos também trabalharam um mapa mental projetado na parede identificando coletivamente os territórios de pesca da região. “Eles davam nomes aos locais de pesca no mapa e diziam quais são os recursos explorados, os conflitos existentes, e outras questões que podem contribuir para o fortalecimento da governança”, lembra Adriano.
Para o pesquisador, o projeto Paisagens Alimentares é mais uma oportunidade de trabalho em parceria, de identificar as potencialidades e ameaças às comunidades pesqueiras. “Precisamos plantar a semente de que qualquer projeto só vai acontecer e provocar mudanças se a comunidade quiser. Estamos ali para falar das dores, mas para que eles também possam se sentir sujeitos de seu próprio desenvolvimento e não apenas objetivos de pesquisa. O fato do projeto ter uma etapa participativa e de discussão é um grande passo, mas para que haja desdobramentos é preciso haver empenho de ambos os lados e também a parceria do Estado, em suas diferentes esferas, e de parceiros que tenham a ver com a cultura e a comunidade pesqueira, um trabalho em conjunto de interesse coletivo”, conclui.
O objetivo principal do projeto Paisagens Alimentares, financiado pelo Banco Interamericano do Desenvolvimento (BID), é desenhar e promover um marco estratégico para o desenvolvimento do turismo em paisagens alimentares rurais, priorizando a valorização, proteção e resiliência ambiental e social dos territórios selecionados em três estados do Nordeste, Alagoas, Sergipe e Pernambuco.
Oficinas de gestão - Outro tema trabalhado durante as capacitações foi Gestão de Negócios e Cooperativismo/Associativismo. De acordo com o professor Carlos Costa, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), o tema foi trabalhado para que o grupo tivesse noção exata do propósito das organizações às quais pertencem, a identificação dos potenciais clientes, os recursos de que precisam para tocarem suas atividades, as atividades-chave e as parcerias.
Para trabalhar essa proposta, o professor da Ufal aplicou uma metodologia para conhecer o cenário interno das organizações, suas forças e fraquezas, e também o ambiente externo. Nesse contexto, foi construído o chamado “campo institucional”, onde os participantes elencaram quais são os atores que têm relação com o grupo. “Após esse diagnóstico, eles conseguiram identificar quais têm uma relação de convergência e quais têm relação de divergência”, explica Costa.
No que diz respeito ao cooperativismo/associativismo, foram trabalhados 18 pontos que podem orientar uma associação ou cooperativa a terem melhores resultados, como a interrelação com outras associações, se estimulam a participação de jovens, o desenvolvimento das pessoas no próprio grupo com cursos. Os dados eram coletados e apresentados logo em seguida, para que o grupo pudesse enxergar o que poderia melhorar.
“O mais importante é que as ferramentas de gestão sejam adaptadas a eles e os auxiliem no dia a dia, sem alterar a lógica de ação dos grupos, pois esta lógica é que os tornam singulares em produtos e serviços”, conclui.
Também foram abordados os temas Precificação dos Produtos Turísticos e a Prática da Precificação, por Lívia Alves, monitora da Ufal. Segundo ela, antes de chegar a uma precificação, foram reforçados conceitos como preço, valor, gasto, custo (direto e indireto e fixo e variável), despesa, resultado, lucro, prejuízo, que fazem parte do planejamento operacional e estratégico de uma associação/cooperativa.
Depois dessa explicação, os grupos listaram os produtos e serviços que oferecem e analisaram a melhor forma de calcular a diária do serviço turístico, bem como os critérios que devem ser utilizados para a precificação. “Quando os fundamentos são bem absorvidos, o cálculo se torna a parte mais fácil. É um processo bastante dinâmico e interativo cujo objetivo final é ajudá-los a chegar num valor justo para o produto que oferecem”, afirmou Alves.
“Eu amo a minha profissão, e sou marisqueira com muito orgulho”, relata dona Iranete Maciel. Ela conta que é preciso catar 100 aratus para conseguir um quilo da carne, considerada um prato nobre na região . Às vezes, a depender da maré, o ofício vai até uma hora da manhã. Atualmente, o quilo do Aratu é vendido por R$80. Para dona Iranete, aprender a precificar o produto de seu trabalho foi o melhor aprendizado obtido com o curso. “A gente trabalha mas não sabia colocar o preço justo. Então, sou grata por isso”.
Quilombos e engenhos de açúcar - A monocultura da cana-de-açúcar ainda hoje predomina na paisagem rural de Pernambuco, herança dos tempos em que o Brasil era uma colônia de Portugal e a cana era a grande riqueza agrícola e industrial do Brasil. Dessa economia surgiram os remanescentes dos quilombos, locais para onde o povo escravizado fugia. A equipe da Embrapa Alimentos e Territórios e da Agrosuisse visitou o Quilombo Engenho Siqueira, em Rio Formoso (PE), para compreender a paisagem alimentar local.
Cláudio Pageú, presidente da Associação Quilombola do Engenho Siqueira, conta que a comunidade foi reconhecida pela Fundação Palmares em 2005 como um remanescente de quilombo. Mas foi somente em 2009, quando começou a trabalhar como professor na escola na comunidade, que Cláudio entendeu que era necessário regularizar a associação e levantar a história da comunidade e de seus habitantes.
“A primeira hipótese sobre a nossa ascendência é a de que o porto de Rio Formoso ficava no Engenho Iobugussu, que os índios caetés chamam de “grande rio verde”. Esse porto era utilizado para a carga e descarga de produtos que vinham da Europa para ser levados a Recife a cavalo. Os escravizados que chegavam pelo mesmo porto teriam fugido para uma terra isolada e livre, que era exatamente onde se localiza o Engenho Siqueira”, conta o professor.
A segundo hipótese, conta Pageú, é que o famoso Ganga Zumba, tio de Zumbi dos Palmares, que vivia na Serra da Barriga, em União dos Palmares (AL), teria feito uma negociação com o governo de Pernambuco para que ele e seu povo deixassem as terras da “Barriga” e habitassem um local que seria dado pelo governo que era o distrito de Cucaú, em Rio Formoso.
Zumbi não teria aceitado a proposta, mas mesmo assim Ganga Zumba consegue mobilizar um grande número de pessoas e fixar moradia na Vila Cucaú. Alguns ficam sabendo de uma terra isolada e próxima ao mar, e se mudam para o local que é o Engenho Siqueira.
“Os nossos costumes, forma de dançar, fazer a culinária e todo esse contexto é de origem africana, os povos de Angola, Moçambique e Guiné Bissau. Nosso prato típico é o Fungi, que vem de Angola. Nosso modo de fazer a comida é uma característica dos povos escravizados africanos”, relata Pageú.
A equipe também visitou os antigos engenhos de cana-de-açúcar como o Serra D´Água e Pedra de Amolar, e o Engenho São José das Bananas, com sua casa-grande e senzala ainda bem preservados. Entender a história da região, os hábitos e costumes e, sobretudo, a cultura alimentar dos que ainda vivem nesses locais, ajudará a criar o conceito de Paisagem Alimentar para a região.
Valorização ambiental e social
De acordo com dados da Organização Mundial de Turismo (UNWTO, 2020), o setor do turismo está em expansão nas economias emergentes, representando pelo menos 45% do total das exportações de serviços em países em desenvolvimento. Essa expansão pode trazer progresso socioeconômico a partir da geração de emprego e renda, principalmente para populações mais vulneráveis, afirma Aluísio Goulart, líder do projeto Paisagens Alimentares na Embrapa.
“O cenário pós COVID-19 agravou a fragilidade social existente no país, aumentando o desemprego e as condições de pobreza. O projeto tenta reduzir esse impacto acrescentando, aos destinos turísticos já conhecidos, o turismo de base comunitária, uma estratégia criativa para desenvolver a valorização ambiental e social das paisagens alimentares selecionadas”, afirma Goulart.
O especialista Francisco Sarmento, da Agrosuisse, acredita que há um novo perfil de turista que procura por experiências diferentes, que agreguem a história e a comida das regiões. “A paisagem do ponto de vista cênico é muito bonita, está dentro de uma APA, o que confere a ela um potencial turístico muito interessante. Nosso grupo alvo é representado pelo quilombo e pelas marisqueiras, e o turismo poderia ser um complemento da renda das famílias, já que a atividade agrícola não tem mais tanto peso na renda familiar”, analisa Sarmento.
Durante a capacitação com os grupos, ele propôs uma dinâmica em que os grupos se dividiram para numerar em cartolinas as comidas que habitam o imaginário coletivo e estão na memória afetiva das pessoas da região, muitas vezes desde a infância. Como resultado, os grupos observaram a riqueza alimentar que possuem e seu potencial atrativo para um novo perfil de turista que busca por experiências mais genuínas.
Irene Santana (MTb 11.354/DF)
Embrapa Alimentos e Territórios
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